PUBLICIDADE

EUA alimentam sonho de brasileiros jogarem futebol e viram centro do esporte pelos próximos 2 anos

Anfitrião da Copa América, Mundial de Clubes e Copa do Mundo, país faz esforço planejado com o objetivo de popularizar a modalidade

PUBLICIDADE

Foto do author Ingrid Gonzaga
Atualização:

Marcada para começar nesta quinta-feira, 20, a Copa América será sediada, pela segunda vez na história, nos Estados Unidos. Em 2016, o país recebeu a edição comemorativa do campeonato, que celebrava seu centenário. A escolha pela repetição do anfitrião se deu pelo desejo de aproximar as duas entidades que organizam o torneio: Conmebol, que enviará dez equipes, e Concacaf, que conta com seis vagas.

PUBLICIDADE

A Copa América não é a única competição que acontecerá por lá. Nos próximos anos, outros dois campeonatos terão os Estados Unidos como sede: o novo Mundial de Clubes da Fifa (que terá sua primeira edição em formato com 32 equipes, conhecido como “Super Mundial de Clubes”), em 2025; e a Copa do Mundo, em 2026, que será jogada também no Canadá e no México.

A sequência de grandes eventos coloca o país norte-americano no centro do futebol mundial e dos olhares do público pelas próximas temporadas. Com isso, surge também outra consequência — os Estados Unidos passam a ser parte do sonho de alguns jovens jogadores brasileiros que, no início de carreira, enxergam uma oportunidade de fazer seu nome em um mercado em expansão.

O interesse em jogar futebol nos Estados Unidos é resultado de um projeto de fomento da modalidade no país. Além das candidaturas à sede de grandes torneios, outros movimentos auxiliam no crescimento da imagem do esporte aos olhos norte-americanos. Recentemente, a ida de Lionel Messi, um dos maiores atletas da história, para o Inter Miami chamou muita atenção para a Major League Soccer, a liga americana, a ponto de torná-la mais relevante mundialmente.

Brasil e Estados Unidos se enfrentaram no último dia 12 em amistoso em preparação para a Copa América; confronto terminou empatado Foto: Nathan Ray Seebeck/USA TODAY Sports via Reuters Con

Por que os Estados Unidos?

São vários os motivos que fazem dos EUA um forte candidato a permanecer em boa posição no futebol global. Escolhido como sede do Mundial de Clubes de 2025 sob o argumento de que possui boa infraestrutura, o país impõe regras para os clubes que desejarem ser franqueados na sua principal liga. Entre elas, está a exigência de um estádio que siga os padrões da primeira divisão. Dos 14 estádios que serão usados nesta Copa América, seis recebem partidas da MLS.

A boa estrutura é essencial no contexto em que os próximos campeonatos estão inseridos. Tanto o Mundial de Clubes quanto a Copa do Mundo tiveram seus formatos reformulados e contarão com mais equipes participantes. O torneio de clubes terá sua primeira edição com 32 times, enquanto o de seleções passará a ter 48 membros.

O país também tem expertise na realização de eventos esportivos que tornam-se espetáculos comerciais. Para Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, empresa norte-americana comandada pelo cantor Jay-Z, que gerencia a carreira de centenas de atletas, são várias as razões para os americanos serem referência na produção desses eventos.

Publicidade

“O sistema de ensino incentiva competição desde cedo, por meio do esporte”, afirma. “Sua economia permite maior circulação de bens e serviços, o que faz deles mais ricos. Mais ricos, possuem maior renda disponível para lazer e entretenimento. Nesse cenário, existem incentivos diversos e cruzados para empreendimentos voltados para o gasto dessa renda disponível”.

É essa movimentação de dinheiro que ajudou a convencer os dirigentes mundiais de futebol a mandarem o maior torneio da modalidade para a América. Desde 2018, estima-se que o lucro da Copa do Mundo de 2026 será de US$ 11 bilhões. O valor equivale a quase R$ 60 bilhões. A quantia, no entanto, mal se aproxima das que os Estados Unidos estão acostumados a lidar.

A título de comparação, um levantamento realizado pela National Retail Federation estimou que US$ 17,3 bilhões seriam gastos com alimentos, bebidas, roupas, decorações e outros no fim de semana do Super Bowl de 2024, em que Kansas City Chiefs e San Francisco 49ers se enfrentaram.

No radar, já estão outras competições. Neste ano, a Federação de Futebol dos EUA retirou sua candidatura à sede da Copa do Mundo Feminina de 2027 — que será realizada no Brasil — para apostar em uma nova tentativa para a edição de 2031. A entidade, em conjunto com a federação mexicana, afirmou que buscará equiparar no torneio feminino o investimento realizado no evento masculino. Os Estados Unidos são um expoente do futebol feminino.

Sonho americano

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Tamanho apoio atrai atletas estrangeiros para o mercado em crescimento. Para além da prática esportiva, ser atleta nos Estados Unidos oferece outras vantagens, afirma Tiago Alfieri. Depois de atuar em diversos países, como Brasil e Portugal, o jogador de 27 anos estabeleceu-se no futebol universitário do Trinity Christian College. É costume das franquias draftar atletas que joguem pelas universidades.

“O benefício dos Estados Unidos é que você é sempre um estudante-atleta. O estudo sempre vai vir em primeiro lugar e acho que isso faz uma grande diferença”, relata. Apesar de nunca ter sonhado em jogar no país, Tiago conta que já não planeja voltar para o Brasil. Nos EUA, aprendeu a ter disciplina e a conciliar trabalho — os treinos que dá para uma equipe feminina —, os próprios treinos e os estudos — pretende se formar dentro de um ano.

O discurso se repete. Nas palavras de João Barreto, que também está no futebol universitário, os Estados Unidos o permitem “enxergar um futuro, mesmo se em certo momento eu não enxergar mais o futebol. No Brasil, é muito difícil enxergar um futuro quando a gente escolhe seguir muito pelo futebol”. Natural do Distrito Federal, nem sempre pensou em jogar nos EUA, mas abraçou a oportunidade que surgiu.

Publicidade

“Aqui tem outros planos além do futebol”, diz. O seu, além de seguir no futebol profissional, é ser treinador. “Depois de me aposentar, quero seguir minha carreira como treinador. Estou estudando para isso, vou me formar na área da educação física e já tenho feito alguns cursos”. João considera que os técnicos tem melhor estrutura para trabalhar no país. “Quero me especializar cada vez mais”.

Renê Salviano, CEO da Heatmap e especialista em marketing esportivo, que faz a captação de contratos entre marcas envolvendo profissionais do esporte, explica. “A formação, a base dos esportes ocorre nas entidades educacionais, nas escolas, colégios e faculdades. Aqui no Brasil é diferente, dependemos dos clubes esportivos. Nos EUA, após passarem por todas estas etapas, os melhores atletas se tornam profissionais por volta dos 22 a 23 anos, já com uma graduação acadêmica e um melhor nível intelectual. Está na cultura americana”.

Tiago Alfieri, 27, atua no futebol universitário norte-americano. Com passagens pela base do Corinthians e do Juventus no Brasil, ele planeja se formar dentro de um ano Foto: Acervo pessoal

Ainda segundo Tiago, um jogador que treinou os fundamentos do esporte no Brasil costuma se destacar: “A chance de se sobressair é muito grande porque a qualidade técnica, o entendimento tático, faz total diferença. Em cinco minutos de jogo você consegue identificar um atleta brasileiro que tem uma base”. Mesmo assim, em solo americano, é preciso ainda outras qualidades.

“Aqui é muito físico, você corre, vai e volta no campo. Fisicamente, eles aqui são muito mais atléticos”, conta Ualefi Rodrigues. Formado na base do Corinthians, ele joga atualmente pelo Chattanooga Red Wolves Soccer Club, da USL (equivalente à terceira divisão). Apesar de não ter feito parte do futebol universitário, Ualefi está há quase uma década no país e apresenta um panorama das transformações ocorridas no futebol norte-americano nos últimos anos.

“Nesse tempo em que estou aqui, melhorou muito a questão da qualidade do futebol a qualidade porque eles começarem a trazer mais jogadores. Não que fosse ruim, quando eu cheguei tinha muitos jogadores bons, mas no fim da carreira. Quando começaram a trazer jovens, o campeonato começou a crescer e mais visto em outras partes do mundo”, relembra.

O aumento de visibilidade passa também pelo esforço americano planejado de incentivar a modalidade. “Quem não é visto, não é lembrado”, explica Tiago, enquanto conta que o futebol passou a ser tratado como um negócio. “Eles planejaram tudo muito bem na parte de marketing, na parte de investimento, investindo um pouco em cada estado. Criar uma paixão é muito difícil, mas você pode planejar mandar pessoas que são ícones mundiais para diferentes locais”.

Messi, Beckham, Ibrahimović e Suárez são alguns dos grandes nomes trazidos para fomentar esse interesse. Trazer os grandes campeonatos para o país teria o mesmo papel.

Publicidade

Ualefi Rodrigues está nos Estados Unidos há quase uma década. Com planos de encerrar a carreira de atleta em alguns anos, ele possui atualmente uma escola de futebol no país Foto: Acervo pessoal

Mesmo com os avanços dos últimos tempos, Ualefi pontua o que ainda pode ser melhorado. A questão da competitividade é um dos tópicos. Na visão dele, as ligas americanas não terem acesso e descenso — isto é, promoção e rebaixamento — atrapalha.

Junto ao fato de que o torcedor norte-americano, por questões culturais, não cobra do clube do coração resultados como acontece no Brasil, não ter algo pelo que jogar além do título no fim da temporada pode ser um desestímulo. “A gente precisa entender que isso é uma profissão. Não pode só perder e achar que isso é normal, nem só ganhar e ir para lugar nenhum”, explica.

Os contratos também são um ponto. Segundo ele, o período de duração inicial das contratações é curto — normalmente, dura entre um a dois anos — e é renovado de acordo com o desempenho do atleta. Caso a atuação de um jogador oscile em uma temporada, ele pode não ser renovado em seu time.

Mesmo assim, tanto Tiago quanto Ualefi recomendam a experiência de ser jogador nos EUA. “O campeonato é bom e tem muitos jogadores internacionais”, afirma o jogador da USL. ”É necessário correr esse tipo de risco. O jovem precisa aprender alguma coisa, uma língua nova, uma cultura, um futebol diferente, para continuar crescendo como atleta profissional”.

“Você deixa de focar só em uma coisa, mas isso abre muitas outras portas”, explana Tiago. “Recomendo muito para os atletas, principalmente para os jovens, que estudem no Brasil, estudem no país em que estão e deixem sempre essa porta aberta. O futebol está crescendo, mas o estudo é sempre muito importante e levado muito a sério aqui”.