Felipe Gustavo superou calote, inaugurou o skate na Olimpíada e quer chegar mais forte a Paris-2024

Em busca de sua segunda participação olímpica, skatista brasiliense teve a vida transformada pelo esporte há 17 anos, quando foi enganado pela organização de um campeonato e viu o pai vender o carro para mandá-lo aos EUA para treinar

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Foto do author Bruno Accorsi
Atualização:

Foi dos pés de Felipe Gustavo que saiu a primeira manobra de skate da história de uma Olimpíada. O brasiliense já era renomado e cheio de vivências quando deu, aos 30 anos, a volta inaugural da modalidade nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021. Do calote sofrido em uma competição no Brasil, ainda adolescente, à carreira construída nos Estados Unidos, graças à venda do carro de seu pai, ele desbravou caminhos que o levaram ao singular momento no Japão, de onde saiu sem pódio, mas decidido a chegar mais forte a Paris-2024.

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Hoje, aos 32 anos, o skatista, também conhecido como Bochecha, coloca a Olimpíada como seu grande foco, possibilidade inimaginável nos tempos em que começou a praticar nas ruas do Guará, região administrativa do Distrito Federal, incentivado pelo pai, Paulo Macedo, em uma época em que a realidade do skate era diferente. “Sempre que eu vejo um pai ou uma mãe na pista de skate, eu falo: ‘Faz isso pelo seu filho, meu pai fez por mim. O skate salva’”, conta Felipe ao Estadão. “Hoje tem mídia, mais pais querem filhos skatistas”.

Quem já parou para ver Felipe Gustavo competindo, muito provavelmente também viu um homem grisalho de movimentos eufóricos, fora da pista, vibrando a cada manobra certa e a cada nota dos juízes. Tal apoiador incondicional é Paulo, seu pai, que, em 2006, vendeu o carro da família para bancar a viagem do filho a Tampa, na Flórida, onde é disputado o mais tradicional campeonato amador de street do mundo.

Felipe Gustavo deu volta inaugural nos Jogos de Tóquio e agora mira medalha em Paris Foto: Jake Darwen / SLS

Antes da venda do veículo, o skatista, então com 15 anos, foi iludido com uma promessa jamais cumprida. Ele participou de uma competição em Minas Gerais que anunciava passagem para competir em Tampa como premiação, e foi o vencedor. Chegou até a receber um cheque simbólico, mas levou um calote dos organizadores.

“A marca que patrocinava o evento meio que faliu na época. Ganhei o cheque da passagem, mas ela nunca chegou. Aí, eu já tinha feito o corre do visto. Meu pai sabia que era um sonho muito grande meu, atirou no escuro e deu certo”, lembra. “Vendeu o carro, comprou duas passagens para os Estados Unidos e me deu US$ 1 mil. A gente foi na cara e na coragem, assim como todo brasileiro, meio raçudo mesmo.”

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TRAJETÓRIA NOS EUA

Sem falar inglês, com o skate debaixo de braço, Bochecha desembarcou na Flórida para se tornar o primeiro brasileiro a ganhar o Tampa AM. Ele abriu muitas portas. “Deu pra ver que o sonho era possível”, pontua. Voltou ao Brasil e ficou por pouco tempo na terra natal, até se mudar para os EUA, em 2007. Radicado em Los Angeles, virou profissional e desenvolveu-se no esporte ao lado de gigantes como o americano Nyjah Huston, maior campeão da SLS, a liga mundial de street, e de quem é bom amigo.

Felipe conseguiu um contrato com a “Plan B”, tradicional marca que já teve as lendas Rodney Mullen e Paul Rodriguez em sua equipe, logo no início da jornada em solo americano, e apareceu em vídeos de skate importantes para a cena, como o “VAMdalism”. Em termos competitivos, cresceu gradualmente e conquistou bronzes no X-Games e no Mundial de 2018, além de um vice-campeonato do Tampa Pro.

NOME NO MUSEU OLÍMPICO

O brasiliense chegou aos Jogos Olímpicos de Tóquio como um dos grandes atletas do street do País, ao lado de skatistas como Letícia Bufoni e Kelvin Hoefler, integrantes da mesma geração que a sua, e da geração mais jovem liderada por Rayssa Leal. Ao fim da disputa, Hoefler e Rayssa haviam sido os responsáveis pelas medalhas brasileiras do street, ambas de prata. Felipe, mesmo sem medalha, entrou para a história como o primeiro skatista a competir em uma Olimpíada, feito cujo significado demorou a assimilar.

“Geralmente, você quer estar na última bateria, porque você consegue ver as notas, se planejar. Eu queria a última. Quando sortearam meu nome, foi o primeiro, mas nem conectei. Fiquei nervoso, e aí todo mundo falando: ‘Você não entendeu, você vai ser o primeiro da história’. Aí falei: ‘bom, Deus quer que eu seja o primeiro da história’. Vamos ver várias medalhas, vão passar anos, vai passar tudo, mas a primeira manobra vai ser sempre minha”, diz.

Neste ano, quando disputou o Pro Tour de Lausanne, na Suíça, esteve no Museu Olímpico com outros companheiros do skate, recebeu um certificado de reconhecimento por fazer parte da primeira geração de skatistas olímpicos e deixou sua assinatura em um mural. “Pediram para a gente assinar a parede. Coloquei lá: primeira manobra da história, nome da manobra e tudo mais. Foi muito gratificante saber de onde eu vim e onde cheguei, e saber que é só o começo.”

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MUDANÇA DE HÁBITOS

Felipe Gustavo trata o momento como “só o começo”, pois tem consciência de seu potencial de quebrar as próprias barreiras. Foi o que fez em outubro deste ano, quando venceu a etapa de Sidney da SLS, seu primeiro ouro em sete anos competindo na liga, grande obsessão dos skatistas de rua. A conquista emocionou até mesmo o segundo e o terceiro colocados, Dashawn Jordan e Nyjah Huston, que vibraram muito pelo brasileiro.

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“Muitas vezes, cheguei perto de ganhar”, diz. “É bem difícil, é um campeonato muito difícil, e sete anos atrás, não vou dizer que era mais fácil, mas a evolução do skate hoje está sinistra. É mais difícil do que antes. Com certeza, fez muito mais sentido na minha carreira agora do que faria cinco, seis anos atrás”, completa.

O brasiliense flertou, há duas semanas, com o pódio do Super Crown, a última etapa da SLS, que define o campeão da temporada. Terminou em quarto lugar na disputa realizada no Ibirapuera, em São Paulo, e ficou feliz de qualquer forma, pelo desempenho e por ver o compatriota Giovanni Vianna tornar-se campeão. A satisfação vem também de uma mudança recente de hábitos, relacionada à conquista em Sydney. Do último ciclo olímpico para esse de Paris, parou de consumir álcool, passou a ler mais e a cuidar melhor da mente.

“Eu tenho 32 anos e quero andar de skate até minhas pernas caírem. O que eu posso fazer para melhorar? Cortar açúcar, dormir melhor, ler livros… Comecei a cortar as distrações, bebida, comida, festa, Instagram. Passei a fazer coisas que eu não gostava, tipo ficar repetindo manobra. Comecei a focar mais e descobri um novo caminho. Não que eu nunca tenha feito isso antes, mas agora o foco mudou. Quero muito ir à Olimpíada e representar meu país mais uma vez. Tóquio foi bom, mas agora vai ser diferente”, afirma.

MUNDIAL DE TÓQUIO

Felipe esteve em Tóquio mais uma vez, nesta semana, para a disputa do Mundial de Street deste ano, e foi eliminado nas fases iniciais, ficando a uma posição de ir às quartas. De qualquer forma, no momento, é o terceiro melhor brasileiro do ranking da World Skate, válido pela corrida olímpica, atrás de Kelvin Hoefler e Giovanni Viana, dentro da linha de corte para conseguir vaga nos Jogos de Paris.

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“Quero conseguir fazer mais, inspirar as pessoas. São muito insanas as mensagens que chegam. Não é só a vitória, sabe? Todo mundo de fora só vê a vitória, não vê que a gente faz um sacrifício, o que a gente faz para poder estar ali presente neste momento. Tem sido um ano muito especial e não acabou ainda. A gente não sabe o dia de amanhã, mas acredito que os planos de Deus são bem melhores que os nossos”, afirma.

Antes dos Jogos de Paris, a World Skate organizará pelo menos mais dois campeonatos: o Pro Tour de Dubai, em março, e a Série de Qualificação Olímpica, que será dividida em duas partes, em Shangai e Budapeste, entre maio e junho. De acordo com a Confederação Brasileira de Skate (CBSK), a federação internacional ainda não divulgou como será a dinâmica de pontuação na segunda janela, nem mesmo se os pontos da primeira janela classificatória serão zerados ou não.

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