Filipinho abre o jogo sobre saúde mental após período longe do surfe: ‘Não precisamos ter vergonha’

Aos 29 anos, bicampeão mundial diz que demorou a perceber que precisava de ajuda, se orgulha de ajudar a quebrar tabu no esporte e projeta 2025 mais forte

PUBLICIDADE

Foto do author Rodrigo Sampaio
Atualização:

A camisa de lycra com o número 77 erguida por um torcedor mirim no meio da plateia dá a dimensão do tamanho de Filipe Toledo para uma nova geração de fãs do surfe. O bicampeão mundial esbanjou simpatia durante evento no auditório Baleia B32, na Faria Lima, em São Paulo, para falar sobre saúde e bem-estar, temas que se tornaram parte da vida do surfista após a pausa nas competições para cuidar da parte mental. Ao Estadão, o expoente da Brazilian Storm demonstrou zero arrependimento na decisão e planeja um 2025 mais forte.

PUBLICIDADE

Ao conversar com pessoas próximas à Filipinho, como ele é popularmente conhecido, todas são unânimes ao afirmar que o surfista está mais relaxado — no bom sentido, claro. Aos 29 anos, as razões para o paulista manter o sorriso no rosto são muitas. Entre elas, a boa fase do Corinthians. “Ontem eu estava lá”, disse com orgulho ao comentar a vitória por 2 a 0 sobre o Palmeiras, na segunda-feira, na Neo Química Arena. Morando em San Clemente, na Califórnia, ele chegou ao estádio já com a bola rolando, mas conseguiu ver os gols do time de coração.

Para além do perfil “sofredor” adotado pelos corintianos, Filipe Toledo conviveu com sintomas da depressão nos últimos anos. Ele se diz recuperado, mas rechaça a ideia de que a caminhada foi fácil. O surfista conta que a família foi parte importante para ele superar o problema, e que a ajuda profissional foi fundamental para a sua melhora. Ele também revela não ter sido fácil levar o assunto à público.

Filipe Toledo, em evento de divulgação da Beyond the Club, em São Paulo. Foto: Lu Prezia/Beyond the Club

“Foi muito difícil para mim (falar abertamente sobre saúde mental). Minha esposa foi minha psicóloga por muito tempo. Depois procurei ajuda profissional porque não era justo sobrecarregar ela e também não era justo sobrecarregá-la com isso. Procurar ajuda profissional foi a melhor coisa que fiz”, comenta o surfista, entre um gole de cerveja e outro.

Demorei muito para perceber (que precisava de ajuda), e é por isso que eu sempre abordo esse assunto. Não precisamos ter vergonha. É normal. Somos seres humanos e precisamos disso.

Filipe Toledo, bicampeão mundial de surfe

Horas antes, Filipe Toledo acompanhou as obras do Beyond the Club, na zona sul. O surfista é um dos embaixadores do projeto, um clube de alta experiência, com a proposta de trazer a praia à capital paulista. O local vai contar com uma piscina de ondas e promete ser novo point do surfe no Estado. O evento contou com a participação do tricampeão mundial e medalhista olímpico Gabriel Medina, com quem Filipinho tem longa relação de amizade e comentou já ter dividido seus problemas.

“A gente troca bastante ideia sobre isso (saúde mental) porque ele passou por um momento delicado também”, disse Filipinho, em referência ao período entre setembro de 2021 a maio de 2022 no qual Medina se ausentou das competições para tratar a depressão. “Acho essa troca legal porque a gente aprende junto e conseguimos crescer falando sobre isso. Sempre que temos momentos com poucas pessoas, quando tem um amigão meu ou dele que está junto, acabamos entrando nesse tema, e a gente sempre evolui. O legal de trocar essa ‘ideia’ é porque todo mundo ganha.”

O surfe está no sangue de Filipinho. Ele é filho de Ricardo Toledo, tricampeão brasileiro (1985, 1991 e 1995), e irmão mais novo de Matheus Toledo, campeão paulista (2010). O bicampeão mundial tinha apenas dez meses quando o pai o levava par o mar de Ubatuba para sentir o balançar das ondas. Ele começou a subir na prancha por conta própria aos seis anos de idade. Apesar dos títulos, ele define como momento inesquecível a vez em deu o seu primeiro aéreo, aos nove.

Publicidade

Filipe Toledo começou a competir desde cedo. Aos 15 anos, ele impressionou ao conquistar os primeiros torneios juvenis, incluindo dois títulos no Pro Junior US Open, nos Estados Unidos, batendo nomes promissores, como John John Florence, Conner Coffin e Kolohe Andino. A estreia na WSL aconteceu em 2013. Filipinho encerrou a temporada na 15ª colocação, com destaque para o terceiro lugar na etapa de Quiksilver Pro France. Dois anos depois, se tornou um dos principais nomes do circuito, vencendo as provas no Rio e Portugal, e fechando o ano em 4º lugar e ficando entre os cinco melhores surfistas do mundo.

Pai de duas crianças, o surfista revelou que, por conta das competições, sequer teve a oportunidade de comemorar o seu aniversário em sua própria casa nos últimos anos. A pressão por resultados começou a afetar a saúde mental de Filipinho a partir de 2019. Recentemente, o surfista também sofreu com problemas físicos. Primeiro brasileiro a conquistar dois mundiais consecutivos, o bicampeonato, em 2023, foi conquistado de maneira após ele sofrer um problema no joelho na etapa de Saquarema. Tudo isso contribuiu para a decisão em tirar um ano sabático em 2024. Já falar sobre bem-estar e saúde é uma maneira que o surfista encontrou de jogar luz em um tema que ainda é tabu no esporte.

“Comecei a perceber dentro do Circuito Mundial que vários atletas passavam pelo mesmo problema, tinham o mesmo pensamento. Eu sempre abordei esse assunto e levantei essa bandeira porque a gente precisa mudar isso. Não só para nós mesmos, mas também para o mundo, para quem segue a gente, os nossos fãs. Senti que isso deu uma revolucionada, fez um barulho, e hoje é um tema muito falado no mundo dos esportes. Fico feliz de ser um dos primeiros no surfe a falar sobre isso, mas fico triste também porque demoramos muito.”

Filipe Toledo nos bastidores de evento na Faria Lima, em SP. Foto: Lu Prezia/Beyond the Club

Para não dizer que Filipe Toledo não competiu em 2024, a exceção foi a Olimpíada de Paris-2024. O brasileiro acabou eliminado nas oitavas de final pelo japonês Reo Inaba, em um dia de maré alta em Tahupo’o, no Taiti — os competidores chegaram a ter as pranchas quebradas com a força das ondas. Apesar de admitir que não fez boas escolhas naquele dia, o paulista prefere ver o lado bom de sua participação. “É normal (a eliminação). Eu senti que poderia ir mais longe, mas foi o que acabou acontecendo. Só de poder estar lá e tentar representar meu País, minha família e meus amigos foi maravilhoso.”

Filipe Toledo garante estar 100% e preparado para disputar “nas cabeças” em 2025. Se o brasileiro em breve vai poder surfar em uma piscina de ondas na capital paulista, ele vai encontrar o mesmo cenário em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, que estreia no Circuito Mundial no próximo ano. Inclusive, existe a chance de a Olimpíada Los Angeles-2028 ser disputada nas mesmas condições. Levando em consideração a subjetividade das notas em competições no mar, e a possibilidade de se criar um padrão nas baterias, o brasileiro enxerga a possibilidade com bons olhos.

“As piscinas de ondas são uma revolução do surfe. Eu acho que cada vez mais a gente vai ver mais etapas, piscinas novas e com mais tecnologia. É a evolução do nosso esporte, e fico feliz de poder fazer ser um dos pioneiros e estar colocando a cara nisso.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.