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Alan Ruschel dispensa piedade e se reconstrói no futebol: ‘Sou atleta, não um sobrevivente’

Lateral vive sua melhor fase aos 35 anos e se nega a ter carreira definida por acidente que matou quase todo o elenco da Chapecoense em 2016

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Foto do author Ricardo Magatti
Atualização:

A carreira e a vida de Alan Ruschel se dividem em duas, segundo ele mesmo: o que fez antes e o que veio depois do trágico acidente aéreo que matou 71 pessoas, incluindo quase todos seus companheiros de Chapecoense. Único sobrevivente que voltou a jogar futebol, o lateral-esquerdo não “somente” foi capaz de retornar aos gramados, como o fez em alto nível.

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Um dos três atletas da Chapecoense que sobreviveram ao acidente com o avião da LaMia que caiu nos arredores de Medellín, em 28 de novembro de 2016, Ruschel experimenta, aos 35 anos, a melhor fase de seus 16 anos de carreira profissional. É titular, capitão e uma das lideranças do Juventude, time no qual começou a sua trajetória e no qual espera terminá-la. Na última partida, diante do Fluminense, completou 150 jogos com a camisa da equipe gaúcha e deu assistência para um dos gols.

“Estou vivendo os anos intensamente. Comentei até com alguns colegas que, se tivesse a maturidade que tenho hoje em alguns clubes em que passei teria tido melhores resultados”, argumenta o jogador em entrevista ao Estadão. “O que eu procuro fazer é meu papel, quero ser exemplo bom para as pessoas. Desde quando voltei a jogar procuro honrar as pessoas que se foram da melhor maneira possível”.

Alan Ruschel dispensou piedade para se reconstruir no futebol Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Ruschel sofreu fratura vertebral, além de outras lesões menores. Chegou a correr o risco de ficar paraplégico, mas a cirurgia foi bem-sucedida e ele foi o primeiro a deixar o hospital na Colômbia há quase oito anos. A evolução física foi plena e permitiu que o jogador se desenvolvesse tecnicamente a ponto de se orgulhar de ter números melhores em campo nos anos seguintes ao acidente do que antes da catástrofe, período em que não conseguiu se consolidar em nenhuma equipe. “O atleta é feito de confiança e sequência. No Juventude, tive isso, por isso acho que estou tendo um destaque positivo”.

Números de Alan Ruschel

Antes do acidente

  • 9 temporadas
  • 143 partidas
  • 5 gols

Depois do acidente

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  • 8 temporadas
  • 231 jogos
  • 8 gols
Alan Ruschel é titular, capitão e uma das lideranças do elenco do Juventude Foto: Daniel Teixeira/Estadão

‘Sou atleta, não um sobrevivente’

Quando Ruschel fala de seu desempenho em campo, até hoje, em todas entrevistas, salienta que nunca quis que as pessoas o vissem com piedade. Foi dessa forma, sem autopiedade e olhar de dó alheio, que ele conseguiu se reconstruir e se tornar um jogador importante, com números relevantes.

“Deixei bem claro que queria viver minha vida, ser reconhecido como um atleta, não como um sobrevivente, até para normalizar o Alan atleta, não o Alan sobrevivente. Eu queria mostrar que tinha condições de voltar a jogar em alto nível e acho que estou provando isso”, considera.

O lateral resolveu ter essa postura porque foram muitos os que desconfiaram dele, inclusive em sua volta à Chapecoense, em 2018. Lá, e em outros clubes, notou que alguns olhares em sua direção eram de pena.

“Eu vivi um momento delicado em Chapecó. Depois que eu voltei a jogar, depois que passei por tudo aquilo, tive alguns momentos de desconfiança dentro do clube por pessoas de dentro da Chapecoense, que falaram que eu estava jogando lá por piedade”, recorda-se.

Foi por causa desse julgamento que ele deixou a Chape em 2019 e foi jogar no Goiás para no ano seguinte retornar ao time de Chapecó. “Volto ao clube com um outro olhar das pessoas. O pessoal passou a olhar a minha carreira de uma maneira diferente. Passo a ser olhado como Alan atleta, não o Alan sobrevivente”, diz o gaúcho de Taquara, que também defendeu Cruzeiro, América-MG e Londrina antes de acertar com o Juventude.

Alan Ruschel (ao centro), com Neto (esq) e Jackson Follmann (dir), seus ex-companheiros de Chapecoense Foto: Sirli Freitas/Chapecoense

‘Não forço minha memória’

Mas como o jogador deixou para trás os olhares desconfianças, suas próprias dores físicas e traumas psicológicos para evoluir e conseguir destaque já veterano? Por meio da força de sua mente.

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Foi por causa da força mental. As pessoas perguntavam: ‘será que ele vai conseguir voltar a jogar? Como ele vai voltar?’. Além de eu provar que eu tinha condições, tinha que lidar com tudo isso. Não queria que olhassem pra mim com dó, mas como atleta. Então eu estava trabalhando isso na minha mente”.

Memórias da tragédia que completará oito anos no fim de novembro e comoveu todo o mundo do futebol, rendendo homenagens em diferentes continentes, seguem vivas na mente do atleta. Mas ele não força para que venham as lembranças, sobretudo as ruins. Suas recordações principais são anteriores ao acidente, quando ele e os companheiros de time estavam no avião, e depois de a aeronave cair, já no hospital.

“A partir daí nunca forcei assim para lembrar o que aconteceu lá embaixo até porque acho que a mente bloqueou, meu cérebro bloqueou”, conta. Além dele, também sobreviveram o ex-goleiro Jackson Follmann, que teve uma perna amputada, e o ex-zagueiro Neto. “Eu prefiro guardar aquelas coisas boas que eu vivi com com aquele grupo de 2016″.

Seu plano a curto prazo é levar o Juventude a uma competição internacional, a Sul-Americana. Também pensa em se aposentar no clube gaúcho. Se não der certo, tudo bem porque o mais importante ele diz ter conquistado. “Eu realizei o sonho de ser um atleta profissional duas vezes. Só posso estar realizado com a minha carreira”.

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