O Allianz Parque foi elemento importante para a consolidação do resgate do Palmeiras e fundamental para turbinar as receitas do clube, hoje perto de arrecadar R$ 1 bilhão anualmente. Com dez mil lugares a mais em relação ao Palestra Itália e ingressos consideravelmente mais caros, foi possível lucrar com a bilheteria em jogos, além da porcentagem a que tem direito o clube em shows e outros eventos.
Em dez anos, o Palmeiras vendeu 8 milhões de ingressos em 251 partidas no Allianz Parque e obteve R$ 573 milhões de renda bruta com a bilheteria, o que dá uma média de R$ 2,2 milhões por jogo. Só não faturou mais por causa da pandemia, que manteve o estádio sem torcida em boa parte de 2020 e 2021 - a arrecadação foi de pouco mais de R$ 6 milhões em cada um desses dois anos.
A combinação de ingresso caro com sucesso esportivo fez com que 2023 fosse o ano em que o Palmeiras mais faturasse com bilheteria. Foram R$ 88 milhões de renda em 32 partidas disputadas na arena palmeirense. Ano passado registrou também a maior média de público do estádio: 36.374.
Foi 2022, porém, o ano com mais torcedores nas arquibancadas da arena: 1.196.307 em 35 jogos, número ligeiramente maior que os 1.163.968 torcedores que foram assistir às 32 partidas em 2023.
Elitização do Allianz Parque
O palmeirense que frequenta o Allianz Parque desde sua inauguração notou uma mudança importante no perfil dos torcedores que vão ao estádio. Muitos torcedores reclamam do preço alto dos ingressos para assistir às partidas do Palmeiras em casa e apontam para um processo de elitização que consideram ter sido acelerado depois da pandemia.
Desde a abertura da moderna arena, há dez anos, era esperado que o valor das entradas fosse mais alto do que em relação ao que o Palmeiras cobrava no velho Palestra Itália. Só que parte dos que frequentam o Allianz aponta que a elitização foi muito acelerada, o que afasta milhares de palmeirenses que, sem dinheiro para bancar as entradas ou a mensalidade do Avanti, programa de sócio-torcedor, sequer conheceram o estádio.
No último jogo em casa, contra o Grêmio, o ingresso mais barato custou R$ 130 (Gol Norte) e o mais caro, R$ 250 (Central Oeste) - desconsiderando descontos de meia-entrada e do plano de sócio-torcedor.
“Em 2015 já não eram preços baratos, mas você via pluralidade maior de pessoas de todo o tipo de classe social, o que é algo que não vejo hoje em dia. Mesmo considerando que existiria um processo de elitização, acho que foi ultra acelerado”, relata o jornalista Lucas Berti, torcedor que vai ao Allianz Parque desde 2014.
“Sinto falta de um estádio mais popular, de uma mistura de pessoas e de um acesso mais democrático”, acrescenta. Para ele, o processo de tornar elitizada a arena fez com que o estádio virasse um lugar “apático”. “Você não vê a torcida vibrar fora do Gol Norte”, afirma, em referência ao setor que mais pulsa, onde ficam as torcidas organizadas.
Existe a expectativa de que a pacificação da relação entre Palmeiras e WTorre permita que seja criado o tão desejado setor popular. Quando o acordo foi celebrado, clube e empresa afirmaram que o estádio ganhará mil novos lugares no ano que vem, sem detalhar, porém, a operação. A ideia, ainda embrionária, é comportar mil torcedores onde fica o anfiteatro em dias de shows, um espaço que é ocioso desde a inauguração da arena durante os jogos.
O advogado André Bertonni, de 36 anos, esteve no jogo inaugural do Allianz Parque com o finado avô e o pai e depois em tantos outros. Só que sua presença no estádio, ele conta, foi reduzida à medida que subiram os preços dos bilhetes. “Eu frequento bastante o Allianz, mas desde que os preços subiram na gestão da Leila, não tenho conseguido ir com tanta frequência”, diz.
“O preço é um absurdo de tudo ali, do ingresso ao refrigerante. Tudo o que você quiser beber e comer é caro. Antigamente o ingresso era barato, você ia com a sua família, hoje é complicado. A atmosfera é bem diferente”
A presidente Leila Pereira defendeu, em diferentes ocasiões, que milhares de torcedores vão ao estádio com desconto nos ingressos porque são sócios do Avanti, programa que amealha quase 200 mil associados. Em 2023, apenas 10% de 1,2 milhões dos torcedores que assistiram a alguma das 35 partidas do Palmeiras em casa pagaram o valor cheio da entrada.
A empresária, que tenta ser reeleita para mais três anos no cargo mais proeminente do Palmeiras, argumenta que o programa de sócio-torcedor palmeirense concede descontos significativos e até gratuidade em alguns planos, como o ouro, que custa R$ 145 por mês. Ela diz não ser possível reduzir os valores das entradas porque a bilheteria é receita importante para formar um elenco competitivo e vencedor. “O investimento num time como o do Palmeiras é de milhões, então a conta não bate”.
Pensamento contrário ao da presidente tem Felipe Giocondo, um dos fundadores do Ocupa Palestra, grupo que advoga por ingressos a valores populares, conselheiro do Palmeiras e quarto vice-presidente na chapa de Savério Orlandi, adversário de Leila Pereira na eleição presidencial do próximo dia 24. Sua avaliação é de que é possível desenhar uma engenheira financeira que concilie um estádio lucrativo que impulsione a receita e não afaste o torcedor sem condição financeira de ser sócio do Avanti.
Mais do que pensar numa conta fria de quanto é o ingresso dentro do plano do Avanti, temos que pensar que o estádio tem que ser setorizado pensando na diversidade da população, ter um setor popular de 3, 4 ou 5 mil lugares atrelado à alguma forma de verificação da capacidade financeira da pessoa.
Felipe Giocondo, conselheiro do Palmeiras
“Com o CadÚnico, do governo federal, por exemplo, se resolve o problema de ingresso barato cair na mão de quem pode pagar mais caro e, ao mesmo tempo, você ter esses 3 ou 4 mil lugares com preços menores não vai impactar no orçamento do ano. O incremento como torcida seria espetacular e a despesa, pequena”, propõe ele.
Desde o ano passado, o ingresso para entrar no estádio é o rosto dos torcedores, já que a gestão de Leila implementou o reconhecimento facial para combater o cambismo. Ocorre que, na visão de Giocondo, a medida trouxe outra barreira a uma parcela da torcida: a tecnológica.
“Não é só dinheiro que impede que a pessoa vá ao estádio. A pessoa tem que ter um celular com uma câmera razoável para fazer o cadastramento facial e tem que entender o cadastro facial. Imagina uma pessoa muito simples, pouco instruída, pode até ter o dinheiro para ir ao jogo, mas esse processo, como um todo, é distante a ela”, questiona. “Essa barreira tecnológica é uma forma de segregação”.
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