O que é possível construir em quatro anos? A Neo Química Arena, casa do Corinthians, levou esse período para ser edificada até a abertura da Copa do Mundo de 2014. Na mesma medida, o Amazonas FC levou os mesmos quatro anos para ser fundado, sair da Série B do Campeonato Amazonense e subir para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro de 2024, a Série B. Neste domingo, 22, conquistou o título da Série C, após derrotar o Brusque por 2 a 1, de virada, na decisão. Em sua breve história, conta com o apoio financeiro do governo do Amazonas e já planeja concretizar sua Sociedade Anônima do Futebol (SAF).
Em 2019, um grupo de empresários tinha como objetivo formar um clube organizado na região do Amazonas. Desde 2006, com o São Raimundo, um time da região não disputa a Série B do Campeonato Brasileiro. Wesley Couto, idealizador e presidente do Amazonas FC, se juntou a outros dois parceiros para oficializar o projeto. A expectativa fez com que a cidade de Manaus vivesse a expectativa de um acesso após 17 anos. Fabiano Ivo, vice-presidente, afirma ao Estadão que 70% da carga de ingressos da Arena Amazônia, construída para a Copa do Mundo de 2014, já havia sido vendida na terça-feira para o jogo deste sábado. Antes da partida, os ingressos já haviam sido esgotados. A capacidade do estádio é de cerca de 44 mil torcedores.
A ideia surgiu em 2017, do encontro de Couto com William Abreu e Roberto Peggy, então diretor do Rio Negro e presidente do Nacional, respectivamente, e após um clássico entre as equipes. Dois anos depois, quando ambos renunciaram e deixaram seus cargos nos clubes, conseguiram tirar a ideia do papel, fundando o Amazonas FC em maio daquele mesmo ano: 2019. Em setembro, se profissionalizaram junto à Federação Amazonense de Futebol (FAF). Abreu era vereador pelo PTB e integrava a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc), mas deixou as atividades em 2021.
As cores, escudo e mascote remetem à onça-pintada, animal símbolo da região amazônica – que o clube tem como base. Desde o primeiro momento, o Amazonas surge como um clube diferente dos demais. “Somos uma SAF antes mesmo da legislação existir”, cita Peggy, devido à origem do clube, com três empresários. Ele garante que as decisões tomadas pelo grupo no início do projeto foram fundamentais para o sucesso do time em curto prazo.
No primeiro ano, conquistou o acesso à primeira divisão do Estadual. Nos anos seguintes, que vieram a culminar no momento mais importante da breve história do clube nesta temporada, conseguiu o acesso em todos os anos, exceto 2020, que ficou sem disputar nenhuma competição por causa da pandemia da covid-19. “Brinco que, apesar de existirmos há quatro anos, só disputamos três temporadas de fato”, conta Peggy, que é diretor executivo do clube. Em 2023, conquistou também o Campeonato Amazonense.
O Estadão também procurou o presidente do clube para comentar sobre a história do Amazonas. No entanto, Couto está suspenso pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por 100 dias após brigar com membros da comissão técnica do Paysandu, em partida válida pela Série C deste ano, em Manaus. Por isso, ele não pode falar publicamente em nome do clube.
“Não teria como fundar tudo se não fôssemos minimamente organizados para funcionar como uma empresa”, relata Peggy. O Amazonas adota uma organização “ágil”, no qual todos os diretores sentam e discutem à mesa sobre as questões a serem deliberadas. “Fizemos um alinhamento sobre como nos comportarmos à legislação da SAF. Isso deve ser iniciado nos próximos meses, mas ficamos seguros em levar um tempo a mais porque éramos um clube novo e não entendíamos direito a lei.”
Patrocínio Governo
Não se constrói um clube de sucesso, como o Amazonas se coloca no cenário brasileiro, sem investimentos. Patrocinador máster, o governo do Estado é o principal financiador do clube desde o ano passado. É algo recorrente da política estadual, que destinou, em julho, R$ 7,5 milhões para todos os clubes do Estado. Além do Amazonas, outros clubes foram “agraciados” pela verba pública, entregue diretamente pelo governador Wilson Lima (União Brasil). São eles: Nacional FC, Manaus FC e Princesa do Solimões. Por parte do Amazonas, o time utiliza também praças desportivas do Estado para os treinamentos.
“A CBF hoje vive um caso de amor com o Amazonas. Nós temos o Nacional na liderança da Série D, o Amazonas na liderança da Série C. Temos o futebol feminino. A Federação está realizando competições de base, desde os oito anos de idade, todas apoiadas pelo governador Wilson Lima. E o principal: nós iremos realizar o maior campeonato de povos tradicionais no Amazonas, com o apoio integral do Governo do Estado. Isso é histórico”, declarou Ednailson Rozenha, presidente da Federação Amazonense de Futebol.
Por parte do Amazonas, o patrocínio vem de forma escalonada. Neste ano, o Estado repassou ao clube R$ 671 mil, sendo R$ 500 mil deste montante por causa da disputa da Série C. A diretoria ressalta que, a cada nova temporada e acesso, as partes discutem uma reavaliação do patrocínio, para se adequar aos demais rivais na competição. É o que ocorrerá, garante Peggy, agora, com o time na Série B. Precisará de mais repasse.
Além disso, o clube também recebeu, neste ano, verba por meio de repasses de emendas parlamentares. No portal da transparência do Amazonas, a deputada estadual Joana Darc (União Brasil) destinou, em maio, R$ 3,5 milhões para o desenvolvimento das categorias de base do time. A parlamentar também pediu ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) que analisasse as movimentações, a fim de garantir que não houve violação dos processos constitucionais.
“Neste ano, estou destinando recurso para projeto social que será desenvolvido pelo Amazonas FC para iniciar escolinhas de futebol nas comunidades de Manaus e no interior do Estado, além da aquisição de materiais esportivos. Nenhum recurso vai para o clube, tudo será investido no projeto social feito através do time. O esporte, principalmente o de base, também é prioridade e merece apoio”, afirmou a deputada, por meio de suas redes sociais, em maio.
Joana é torcedora do clube – esteve presente na comemoração do título Estadual de 2023 – e mulher de Aldenor Lima, um dos empresários do Amazonas FC. “O Amazonas é o único clube que se habilitou para fazer a parceria com o governo do Estado do Amazonas. Existia um chamamento público para vários clubes e só o Amazonas foi habilitado. Além disso, hoje é o time que está na Série C, é o time que venceu o Barezão (nome popular do Campeonato Estadual) e é o time que apresentou o projeto pra mim e disse ‘vamos construir a várias mãos’. E além disso, eu sou torcedora”, defendeu a deputada em entrevista à uma rede local à época.
Confira nota do Governo do Amazonas, enviada ao Estadão, acerca do patrocínio e investimento no futebol amazonense
O Governo do Amazonas informa que desde 2021, com o intuito de impulsionar o futebol profissional e a prática esportiva no Estado, realiza um repasse em forma de patrocínio à Federação Amazonense de Futebol (FAF). Este ano, o governo repassou o valor de R$ 7,5 milhões, que foi entregue, proporcionalmente, aos clubes em suas determinadas competições, de acordo com um plano de distribuição da verba total elaborado pela FAF.
Dessa forma, o Amazonas recebeu em 2021, por participar do Campeonato Amazonense, o valor de R$ 100 mil. Já em 2022, pela novamente participação no Amazonense, recebeu R$ 140 mil e mais R$ 200 mil por estar na Série D, somando um total de R$ 340.000. Este ano, foi repassado ao clube R$ 671.250, R$ 171.250 pelo Amazonense e R$ 500 mil pela Série C.
O investimento do Governo do Amazonas foi fundamental para que o clube, conhecido também como Onça-Pintada, pudesse subir gradativamente de divisão ao longo dos últimos anos.
O patrocínio surge como uma demanda do futebol amazonense que vem ganhando destaque nacional, incluindo o futebol profissional feminino e o masculino. Além disso, o governo também disponibiliza, de forma gratuita, os campos do Estado, para que os times realizem treinamentos antes de partidas decisivas, como é o caso do Amazonas, que está prestes a conquistar uma vaga na segunda divisão do Campeonato Brasileiro. A última vez que o Estado teve um representante na Série B foi há 17 anos.
Filosofia do clube e desafios
Antes da campanha histórica na Série C, o Amazonas comemorou, em 2023, seu primeiro título de primeira divisão, o Campeonato Amazonense. De 2019 até a conquista, o clube mudou sua perspectiva. Inicialmente, apostava em jogadores experientes – foi o caso de Maikon Leite, Ibson e Walter, nos primeiros anos. Nesta temporada, Sassá, ex-jogador de Botafogo e Cruzeiro, carrega o peso de veterano no projeto esportivo amazonense. O atacante é capitão e artilheiro da equipe.
Sassá marcou os dois gols na vitória contra o Paysandu no último fim de semana. Em 20 partidas na Série C, fez 17 gols. Aos 29 anos, retomou os rumos de sua carreira no Amazonas. “Ele chega com a imagem arranhada, mas sabe que a filosofia do Amazonas é de trabalho e de alta performance. Quem não entendeu esse projeto, saiu. E o Sassá foi um dos que aceitaram o desafio e está nos ajudando muito na Série C”, afirma Peggy.
Luizinho Vieira, treinador da equipe, comandou o Amazonas na reta final da Série C. Foram três vitórias seguidas para colocar a equipe na posição de precisar de apenas um empate neste sábado para subir. A folha salarial do time é sigiloso e não revelada, mas em 2019, quando foi fundado, o planejamento era não ultrapassar a casa do R$ 50 mil. Caso se confirme o acesso, a tendência é que a folha se adeque aos rivais da Série B – ainda sem valores definidos.
Mas o sonho do Amazonas é realmente disputar a Série A, ao lado dos grandes do futebol brasileiro. Com investimento do Estado e na possível criação da SAF, o clube planeja rivalizar com os demais concorrentes na Série B e manter sua pegada de subir a cada temporada. “Vamos ter de nos reinventar novamente do ponto de vista administrativo. Vamos passar o restante do ano fazendo um planejamento estratégico, uma reestruturação administrativa, para suportar o volume de investimento com a Série B e, se Deus quiser, poder chegar até a uma a primeira divisão”, ressalta o diretor do Amazonas. A última vez que um clube do Estado esteve na Série A foi em 1986, com o Nacional.
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