Carlo Ancelotti, de 64 anos, é treinador há quase 30. Desde 1996, quando iniciou sua trajetória na modesta Reggiana, até hoje são 27 temporadas dirigindo clubes de futebol. Nunca treinou uma seleção, nem a de seu país, a Itália, que recusou comandar em 2018, porque não queria “trabalhar apenas três vezes por ano”.
“Pensei às vezes em ir para uma seleção, mas eu gosto do dia a dia. Pude ir à Itália em 2018, mas não fui. Até que esse chip mude na minha cabeça, não vou a uma seleção”, disse Ancelotti em abril do ano passado. “Se passar essa vontade pelo dia a dia no clube, eu paro.” Sua única experiência em seleções foi ser auxiliar da comissão técnica da Itália em 1994, quando o Brasil se sagrou tetra nos Estados Unidos.
O chip, portanto, parece ter mudado. Carlo Ancelotti tem acordo verbal para suceder Tite e se tornar o quarto estrangeiro na história a comandar a seleção brasileira, mas o primeiro, efetivamente, para um ciclo de Copa do Mundo. A CBF dá como certa a contratação do técnico italiano, mas não a confirma nem informa sobre o assunto oficialmente por questões legais.
O técnico tem acordo com o Real Madrid até junho de 2024 e só pode assinar um pré-acordo com a seleção seis meses antes de seu vínculo com o time espanhol terminar. Mas a CBF entende ter garantias suficientes de que ele será o novo treinador do Brasil. E está segura de que deve esperar. Alguns jogadores chegaram a comentar sobre o trabalho do técnico.
“O Ancelotti é um cara que ganhou tudo. Então, com certeza nos ensinará bastante”, projetou Neymar, o maior astro que o profissional comandará no Brasil ao lado de Vinícius Júnior, com quem já trabalha.
Os atletas brasileiros gostam do veterano treinador, tanto que os líderes do elenco aprovaram seu nome em reunião com Ednaldo Rodrigues. “É um excelente treinador, grande amigo, e acredito que vai agregar muito, porque tem grande experiência”, avaliou Ronaldinho Gaúcho, comandado pelo italiano ainda no Milan.
Ronaldinho foi um dos mais de 40 brasileiros que Ancelotti dirigiu. Hoje, no Real Madrid, Rodrygo, Vini Jr e Eder Militão estão sob sua responsabilidade. “Onde ele chega, ele ganha”, enalteceu Rodrygo. “Ele pode trazer isso para a seleção também. A gente sabe que a seleção sempre tem de ganhar”.
Richarlison está ansioso para tê-lo de novo como técnico. O camisa 9 da seleção brasileira disse ter se tornado um “fenômeno” nas mãos do italiano quando defendia o Everton, da Inglaterra. “Lá no Everton, ele me ajudou muito, comecei a fazer gol sem parar. Virei um parceiro dele”, contou. “Ele me levava para casa, já me sentia até um filho dele”, completou o “Pombo”, citando a característica de “paizão” do italiano. Essa característica Tite também tinha e por isso, em algumas ocasiões, ele foi condenado na seleção.
Mas é essa vertente de Ancelotti que agrada Ednaldo. Único a vencer as cinco principais ligas europeias e campeão quatro vezes da Champions League, o italiano conquistou muito de seus 24 títulos graças à capacidade de gerir pessoas, de convencer os atletas a remarem para o mesmo lado. “Prefiro que digam que sou um irmão, e não um pai, pois parece que sou mais jovem”, brincou o treinador em sua primeira passagem no Real.
Ele sabe, no entanto, que trabalhar em uma seleção é muito diferente do dia a dia de um time. Primeiramente, o grupo brasileiro sempre estará aberto para novos atletas, diferentemente de um elenco de clube. Depois, sua convivência com os atletas será reduzida. Ancelotti não terá o tal “dia a dia” que ele valoriza e quando tudo acontece. Há muitas questões mais burocráticas, de ver jogos e rodar o mundo atrás de jogadores.
“A questão não é mais técnica, nem da parte dele nem dos jogadores, mas sim essa adaptação cultural do entendimento e da necessidade de atingir um resultado de convencimento, e de conseguir apresentar o que vai executar e como ele pensa em construir fase a fase”, aponta Sandro Orlandelli, membro da Uefa Academia e especialista na identificação de talento pela Federação Inglesa de Futebol.
“Importante deixar isso alinhado tanto com a instituição como com o meio externo, pois vai ajudá-lo a ter a tranquilidade para trabalhar. Mas para essa adaptação cultural, o Ancelotti vai precisar de alguém que entenda da cultura e que possua o conhecimento do entendimento dele e do background que ele possui”.
Anúncio adiado
Não há incertezas para a CBF quanto ao acordo com Ancelotti por ora, mas a entidade ainda precisa definir quem será o técnico do Brasil enquanto o italiano não começa seu trabalho. Neste ano, seleção tem seis compromissos pelas Eliminatórias, contra Bolívia, Peru, Venezuela, Uruguai, Colômbia e Argentina.
Ednaldo daria um panorama da situação até esta sexta-feira, dia 30. Porém, o anúncio foi adiado para semana que vem porque o presidente da CBF tem compromissos em Brasília, onde a seleção feminina treina para amistoso contra o Chile, domingo, o último antes do Mundial.
A promessa é que o dirigente defina quem será o técnico “tampão” do time pentacampeão. Ramon Menezes, treinador da seleção sub-20, fez essa função nos três únicos compromissos do Brasil neste ano. Sob seu comando, o time perdeu para Marrocos e Senegal e ganhou de Guiné.
Ramon era o profissional mais provável de fazer esse trabalho de interino, mas os maus resultados nos amistosos, somados à eliminação da seleção sub-20 nas quartas do Mundial da categoria, enfraqueceram seu trabalho. Ele deve, porém, treinar o time olímpico para Paris 2024.
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