A Arábia Saudita é o protagonista da atual janela de transferências no mercado do futebol. Depois de Cristiano Ronaldo e Karim Benzema desembarcarem no país, o reino árabe se prepara para receber uma série de jogadores da Europa, em uma tentativa de fortalecer o Campeonato Saudita e receber a Copa do Mundo de 2030. Messi quase foi parar lá após deixar o PSG. O poderio financeiro da Arábia Saudita, capaz de brigar com tradicionais clubes do Velho Continente, é proveniente da atividade petrolífera. O futebol, por sua vez, surge como ferramenta de sportwashing para melhorar a imagem do país. Mas, afinal, por que a Arábia Saudita tem tanto petróleo?
O petróleo foi descoberto na Arábia Saudita no início do século 20 e a partir de 1938 já havia exploração comercial para os Estados Unidos. O país é o único no mundo a possuir poços gigantes e, ao lado de Irã, Iraque e Emirados Árabes Unidos, é o maior produtor petrolífero do planeta. “As próprias características geológicas da região permitem o surgimento desse petróleo de alta qualidade em uma profundidade menor, bom para o refino de óleo diesel e gasolina, o que torna o custo muito mais baixo, tornando o país muito competitivo no mercado energético. O Brasil tem petróleo, mas em camadas profundas no oceano”, explica Danny Zahreddine, professor de Relações Internacionais da PUC-MG e especialista em Oriente Médio.
Tendo o petróleo como principal commodity, o Fundo de Investimento Público (PIF) da Arábia Saudita, administrado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, adquiriu 80% das ações do inglês Newcastle por 300 milhões de libras (cerca de R$ 2,2 bilhões) e, mais recentemente, comprou os quatro principais clubes do país: Al-Nassr, Al-Ittihad, Al-Hilal e Al-Ahly. “A transferência destes quatro clubes vai permitir o surgimento de várias oportunidades comerciais, entre as quais investimentos, parcerias e patrocínios em muitos desportos”, disse o anúncio do acordo.
De acordo com o jornal português Público, Cristiano Ronaldo deve embolsar 70 milhões de euros (cerca de R$ 395 milhões) por temporada no Al-Nassr, com quem assinou até 2025. Benzema, que anunciou a sua saída do Real Madrid nas últimas semanas para fechar com o Al-Ittihad, atual campeão local, receberá cerca de 100 milhões de euros (em torno de R$ 540 milhões) por ano.
Além de Cristiano Ronaldo, o Al-Nassr está próximo de anunciar o atacante Hakim Ziyech, destaque do Marrocos na Copa do Catar, e investe alto para tirar o croata Marcelo Brozovic da Inter de Milão e o técnico Luís Castro do Botafogo. O Al-Ittihad, atual campeão saudita, contratou Benzema e o volante N’Golo Kanté. Al-Ahly e Al-Hilal estão perto de um acordo com o goleiro Edouard Mendy e o zagueiro Kadilou Koulibaly, ambos do Chelsea.
O êxito do Catar na realização de uma Copa do Mundo é espelho para a Arábia Saudita, que usa do esporte para limpar a a imagem do país — prática conhecida como sportwashing. O país saudita se enxerga como guardião do Islã e tem um política autoritária e fundamentalista. O reino árabe é historicamente criticado pela violação aos direitos humanos, tratamento dado às mulheres e pessoas LGBT+, além de outras ações autoritárias. Em 2018, o assassinato do colunista do jornal americano Washington Post, Jamal Khashoggi, manchou a imagem do reino saudita junto à comunidade internacional.
“A Arábia Saudita entrou com toda a força no mercado do futebol e vai despejar nos próximos anos quantias que ainda não havíamos visto para criar uma liga nacional forte. O passo inicial foi o contrato estratosférico com o Cristiano Ronaldo. Mas não vai parar por aí. Grandes jogadores estão sendo contratados e outros mais chegarão. O governo local está fazendo uma privatização dos clubes e colocou os 4 principais sobre o guarda-chuva do seu fundo soberano, que tem 600 bilhões de dólares em caixa. Portanto, ainda vamos ver muita ação dos Sauditas nos próximos anos, já que o projeto que pretendem estabelecer no futebol é grandioso”, analisa Eduardo Carlezzo, que é especialista em direito desportivo e sócio do Carlezzo Advogados.
Arlene Clemesha, pesquisadora da USP sobre a cultura árabe, explica que Arábia Saudita é um país mais fechado do que o Catar, onde até mesmo a informação é difícil de se obter. “Há um controle grande sobre o que é permitido, o que se diga, com censura à imprensa, vigilância nas redes sociais e que não permite dissidência política e religiosa. É um dos (países) mais difíceis de se analisar politicamente”, explica.
Segundo a especialista, os países do Golfo, de uma forma geral, se preparam para um mundo pós-transição energética e uma Copa do Mundo poder ser uma ótima maneira de melhorar a imagem do país, atraindo parcerias, investimentos e viagens turísticas. Recentemente, foi divulgado que Lionel Messi tem um contrato de R$ 117 milhões para ser embaixador do turismo no país.
“Quando Mohammed bin Salman assume o trono, ele tenta trabalhar em um programa chamado ‘Global Vision 2030′. Trata-se de uma série de projetos arquitetônicos e tecnológicos para tentar mudar essa imagem e um desses pontos, dentro de uma ideia de ‘soft power’, é o futebol”, diz Zahreddine. “Hoje a Arábia Saudita investe em outros setores por causa da possibilidade de o petróleo perder força como matriz energética preponderante. Isso faz com que o país busque outras formas de inserção internacional e produção de riqueza.”
Confira os jogadores negociados com times da Arábia Saudita
- Al-Nassr: Cristiano Ronaldo (atacante/sem clube) e Hakim Ziyech (atacante/Chelsea).
- Al-Ittihad: Karim Benzema (atacante/Real Madrid) e N’golo Kanté (volante/Chelsea).
- Al-Hilal: Kalidou Koulibaly (zagueiro/Chelsea) e Ruben neves (volane/Wolverhampton).
- Al-Ahly: Edouard Mendy (goleiro/Chelsea).
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