Barcelona gastou e entrou em crise. Será que agora pode gastar para sair dela? Entenda

Clube espanhol tenta contornar graves problemas financeiros, cuja dívida é de quase R$ 7 bilhões, com uma engenharia apontada por críticos como arriscada: gastar mais

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Por Tariq Panja
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Era difícil ignorar o sorriso de Joan Laporta, presidente do Barcelona. Olhando para baixo desde um enorme outdoor digital, a imagem sorridente do Laporta cobria quase um lado inteiro do Palms Casino Resort, em Las Vegas, EUA. O outdoor passava outras imagens – uma de alguns jogadores do Barça e outra de seu técnico, Xavi – mas logo voltava para Laporta.

E essa visão, um presidente radiante na frente e no centro da capital mundial da jogatina, talvez seja o melhor simbolismo da bagunça financeira em que o Barcelona se encontra nos dias de hoje – e da infinda confiança do homem que diz ter um plano para resolver tudo. O Barça, no verdadeiro estilo de Las Vegas, está dobrando a aposta.

Raphinha é apresentado no Barcelona na expectativa de repetir o sucesso de outros jogadores brasileiros na história do clube. Foto: Pau BARRENA / AFP

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Um time que há menos de um ano não conseguia bancar sua enorme folha de pagamento; um negócio que, com perdas de 487 milhões de euros (R$ 2,6 bilhões) no ano passado, foi descrito por seu próprio CEO como “tecnicamente falido”; um clube que atualmente está sobrecarregado com dívidas de mais de US $ 1,3 bilhão (R$ 6,8 bilhões). Apesar de tudo isso, o Barcelona decidiu que a melhor maneira de sair de uma crise causada por erros financeiros, altos salários e contratos extravagantes é gastar ainda mais.

O clube vendeu vários ativos para levantar cerca de US$ 700 milhões e ajudar a equilibrar as contas. Mas está avançando um projeto de US$ 1,5 bilhão (R$ 7,8 bilhões), com financiamento arranjado pelo Goldman Sachs, para reformar e modernizar seu icônico estádio, Camp Nou, que, devido à pressa em arrecadar fundos, pela primeira vez levará o nome de um patrocinador. E neste verão europeu pagou mais dinheiro em novas contratações do que quase qualquer outro grande time do continente, com uma nova aquisição chamativa anunciada com grande fanfarra quase toda semana.

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Os gastos desenfreados surpreenderem os rivais do Barcelona e preocupações entre alguns de seus 150 mil sócios a respeito da viabilidade financeira do clube caso a grande aposta de Laporta não dê certo. Mas, em uma entrevista na sede do The New York Times em Manhattan, o presidente ofereceu repetidas garantias de que sabe exatamente o que está fazendo. “Não sou um apostador barato”, declarou Laporta. “Só corro riscos calculados”.

Xavi admite desconforto no Barcelona com boa fase do Real Madrid Foto: Christof Stache/AFP

O risco, no entanto, virou uma constante no Barcelona. Laporta foi eleito presidente do clube pela segunda vez no ano passado, depois que seu antecessor e a diretoria anterior foram depostos pelo colapso financeiro e esportivo de um dos maiores times do mundo. Enquanto muitos esperavam que o Barcelona se reconstruísse lentamente, vivendo dentro de suas possibilidades orçamentárias durante um período de austeridade humilhante, Laporta decidiu guiar o Barcelona em um curso completamente diferente. Ele diz que não tem escolha a não ser tentar ser campeão todos os anos. “É uma exigência”, disse ele.

Mais de US$ 700 milhões (R$ 3,6 bilhões) foram arrecadados com a venda de partes dos negócios do clube. Vinte e cinco por cento dos direitos televisivos domésticos do clube – por 25 anos – foram para um fundo de investimento dos Estados Unidos. O serviço de streaming de música Spotify assinou um contrato de quatro anos para colocar seu nome no Camp Nou e em um espaço ainda mais valioso: à frente das camisas do time. Na segunda-feira, o Barcelona anunciou a venda de um quarto de seu negócio de produção, o Barça Studios, para a Socios, uma empresa de blockchain. E está em negociações para vender parte de sua divisão de licenciamentos.

Venda de parte de estúdio do Barcelona servirá para arcar com as novas contratações do clube para a temporada. Foto: Ira L. Black / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP

Em vez de pagar a dívida do clube, porém, o dinheiro foi em grande parte para acumular novos talentos: US$ 50 milhões (R$ 261 milhões) pelo atacante polonês Robert Lewandowski, US$ 55 milhões (R$ 287 milhões) pelo zagueiro francês Jules Koundé, quase US$ 65 milhões (R$ 340 milhões) para o brasileiro Raphinha. Vários outros jogadores chegaram, mas estavam sem contrato. E mais reforços podem estar a caminho.

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Para Laporta, a contratação de Lewandowski, que em breve completará 34 anos, e dos demais faz todo o sentido. Faz parte do que ele afirma ser um “ciclo virtuoso”, no qual o sucesso em campo fortalecerá as finanças da equipe por meio de um aumento na receita. A estratégia é uma repetição do roteiro que ele usou em seu primeiro mandato como presidente, um período de sete anos que começou em 2003 e terminou com um time celebrado como um dos melhores da história do futebol.

“Na minha época, colocamos as expectativas lá no alto e fomos bem-sucedidos”, disse ele sobre seu mandato anterior. “E os torcedores do Barça em todo o mundo, cerca de 400 milhões de pessoas, exigem esse nível de sucesso”.

Mas os tempos e as receitas mudaram. O clube que Laporta herdou em 2003 também estava atolado em crise financeira, com perdas de quase o dobro da receita e dívidas crescentes. Mas os números eram 10 vezes menores naquela época, e o clube ainda não havia iniciado o processo de se transformar no gigante comercial que é hoje.

Barcelona tenta contornar problemas financeiros e chegou a pedir antecipação de receita de transmissão da Uefa. Foto: Pau BARRENA / AFP

Aquelas equipes também não eram obrigadas a atender às restrições dos gastos com jogadores que foram aplicadas pela liga espanhola – e são essas regras que representam o obstáculo mais imediato ao plano de renascimento de Laporta. Como La Liga insistiu que não vai facilitar as regras para o Barcelona, o clube ainda não conseguiu registrar nenhuma das novas contratações deste verão. Com medo de que a equipe não cumpra o prazo, a liga ainda não usou nenhum desses jogadores, nem mesmo Lewandowski, em nenhuma de suas marcas para a nova temporada.

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As mais recentes vendas de ativos devem abrir caminho para o Barcelona cumprir as regras financeiras da Liga e registrar seu batalhão de novas contratações, insistiu Laporta. “Foi uma decisão que, honestamente, eu não queria tomar”, disse ele sobre as vendas, mesmo que elas venham a empurrar – pelo menos temporariamente – o balanço do Barcelona para o azul.

Esse tipo de manobraum misto de ousadia e arrojo – é típico de Laporta, que se beneficia de um culto à personalidade sem igual entre os outros presidentes da história moderna do clube. A popularidade de Laporta também é o motivo pelo qual ele pode se safar com riscos financeiros que provavelmente seriam inaceitáveis se tivessem sido propostos por presidentes anteriores – e particularmente por seu antecessor impopular, Josep Maria Bartomeu.

“O que aconteceria se Bartomeu fizesse o mesmo que o atual presidente está fazendo?”, disse Marc Duch, um membro do clube que ajudou a derrubar a diretoria anterior. “Todos nós estaríamos pegando fogo, apontando para ele e tentando demiti-lo”.

Laporta recebe um espaço mais amplo e até é apoiado por defensores fanáticos nas mídias sociais, disse Duch, por causa de seus vínculos com a era de ouro do clube. “Há uma história de sucesso por trás de Laporta”, disse Duch. “Ele tem uma base de fãs enorme: é como o papa, como Kim Jong Un: o líder supremo”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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