Sempre visto como exportador de talentos para o exterior, o futebol brasileiro tem se tornado também polo de atração de estrangeiros, pois cada vez mais clubes da Série A se reforçam com jogadores sul-americanos, apontados a dedo pelos olheiros que mapeiam os mercados. Além do maior poderio financeiro dos times do Brasil, essas transferências têm ocorrido por serem vistas como trampolim para a Europa. Ou seja, uma boa chance de fazer dinheiro.
Na Série A atualmente estão em ação mais de 60 estrangeiros, alguns com potencial para encher o cofre do seu clube. O colombiano Mina, por exemplo, foi vendido pelo Palmeiras ao Barcelona por valor quatro vezes acima do pago na contratação. O Corinthians trouxe o paraguaio Balbuena por R$ 6 milhões para negociá-lo dois anos depois por R$ 18 milhões. Esse é o "pulo do gato" dos times nacionais: comprar a preço de banana e vender a preço de ouro.
Estão quase todos fazendo isso. O venezuelano Otero veio ao Atlético-MG por R$ 7,9 milhões e pode render até R$ 35 milhões ao sair definitivamente – está emprestado ao Al-Wehda, da Arábia Saudita, time de Fábio Carille, que já pagou R$ 21 milhões. Com o peruano Cueva, no São Paulo, os valores são parecidos. O clube pagou R$ 9 milhões e o revendeu ao futebol russo por R$ 35 milhões. É ou não é um negócio da China? Os clubes brasileiros entenderam seu papel de hospedeiro desses jogadores, que são colocados na vitrine para se valorizar.
O Corinthians trouxe o chileno Araos para repor a perda de Rodriguinho e espera que o paraguaio Diáz repita o sucesso de Romero. "O Corinthians tem tido sucesso com esse tipo de negócio. São jovens e podem contribuir com o time. Podem dar retorno técnico e estão em idade que a Europa vem comprar", diz o técnico Osmar Loss.
No Atlético-MG a busca por estrangeiros é motivada por outra questão: o preço. "No Brasil, qualquer transação interna está cara e, às vezes, no mercado sul-americano você consegue oportunidades", afirmou ao Estado o diretor de futebol do clube, Alexandre Gallo. "Se acontecer uma venda no futuro, pode ser interessante, especialmente pelo aspecto da idade", informa.
Nos últimos 15 anos, a presença de estrangeiros na elite do futebol brasileiro aumentou 450%. Em 2003, temporada da primeira edição do torneio por pontos corridos, eram só 14 gringos em campo. A legião no Brasil aumentou de vez a partir de 2013, quando a CBF alterou de três para cinco o número de atletas nascidos em outro país que poderiam ser relacionados para os jogos. A mudança veio após um pedido do então diretor executivo do Grêmio, Rui Costa. "Isso abriu o mercado. Os clubes passaram a monitorar mais o futebol sul-americano. O futebol do Brasil é atraente para a exposição do atleta", diz Rui.
DIFICULDADE
A vinda de sul-americanos também apresenta desafios. O Palmeiras investiu R$ 33 milhões em Borja. O colombiano demorou para render. "O futebol brasileiro é diferente, mais rápido. Tive de mudar um pouco o meu estilo do jogo", contou. O São Paulo se frustrou com o argentino Centurión há três anos. Contratado por R$ 14 milhões, teve problemas pessoais e sofreu com o idioma.
O Santos penou em 2009 com o equatoriano Bolaños. Ele não fez amizades, teve depressão e deixou a Vila após nove jogos. "Se é para tirar espaço do atleta brasileiro, tem de ser melhor, ou vão te olhar torto", alertou Juninho Paulista, gestor do Ituano e que viu de perto o fracasso do badalado chileno Sierra no São Paulo nos anos 1990.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Eduardo Bandeira de Mello, presidente do Flamengo
1. Quais fatores pesam para clubes procurarem atletas de outros países?
Temos observadores que mapeiam os mercados, principalmente sul-americanos.Como consequência, ainda levamos a marca do Flamengo para fora do País, já que temos jogadores com nível de seleção nacional. Olhando nossa história, temos jogadores estrangeiros que foram ídolos da torcida como Modesto Bria, Valido, Gamarra, Doval e, mais recentemente, o Petkovic, protagonista das nossas conquistas do Tri Estadual em 2001 e do Hexacampeonato Brasileiro em 2009.
2. Quais as preocupações do clube com o atleta?
Essa questão é muito importante. Hoje no nosso elenco, o fato de haver outros jogadores sul-americanos também ajuda, pelo idioma, adaptação, cultura. Damos assistência psicológica e auxiliamos na integração da família, na adaptação no Rio de Janeiro, local para morar, matrícula dos filhos no colégio, etc.
3. A chance de revender os reforços também pesa?
Sim, claro. Assim como acontece com os talentos brasileiros formados no clube.
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