A imagem da taça sendo erguida por Cafu em 2002 está ficando cada vez mais distante na memória dos torcedores. A seleção brasileira vive um momento de turbulência, com resultados ruins e na expectativa da estreia de Dorival Júnior. O capitão do penta se diz otimista em relação ao trabalho do treinador, mas reconhece que o caminho para encerrar o jejum de títulos na Copa do Mundo é árduo.
Em entrevista exclusiva ao Estadão, o ex-jogador de 53 anos, que acaba de receber uma carta especial na quarta temporada do eFootball, game de futebol da Konami, fala sobre o que espera de Neymar e elogia Endrick e Vinicius Junior. Cafu comemora o fato das crianças terem chance de vê-lo em ação, mesmo que agora seja nos gramados virtuais. O ex-jogador de Milan, São Paulo e Palmeiras aparece também como ídolo no EA FC, jogo da EA Sports.
“As gerações que conseguimos alcançar com esses jogos é impressionante. Tem uma empresa que trabalha para mim que faz uma medição e o monitoramento do meu público. A minha popularidade entre crianças aumentou 80% nos últimos dez anos. Crianças que não tiveram oportunidade de me ver jogar, mas sabem sobre minha carreira pela minha carta no jogo. Esses jogos de videogame fazem com que eu fique na memória das crianças”, afirmou Cafu, que tem 142 jogos pelo Brasil e é o único jogador que disputou três finais consecutivas de Copa do Mundo.
Como vê o atual momento da seleção, agora com o Dorival Junior?
Sou muito otimista, principalmente quando se fala de seleção brasileira. Acho que depois do Zagallo eu sou o fã número um da amarelinha. Sempre queremos que a seleção faça grande jogos, tenha bons resultados, mas, às vezes, as coisas não saem da maneira que queremos. A mudança de treinador, assim tão precocemente, acaba prejudicando um pouco o trabalho. Porque é outro treinador, é um esquema diferente. Sou contra troca de treinador, principalmente quando você começa com um trabalho e esse é interrompido na metade do caminho, como foi com o (Fernando) Diniz. O (Carlo) Ancelotti estava claro que não viria. Mas agora que aconteceu essa troca tenho de desejar sorte ao Dorival, que ele possa fazer um grande trabalho, que consiga os resultados, mas o que mais precisamos é dar tranquilidade para ele trabalhar. Sabemos que jogar uma Eliminatória não é fácil. A da América do Sul é uma das mais difíceis do mundo. O Brasil vai classificar, o povo brasileiro pode ficar tranquilo, com um pouco de dificuldade. O mais importante é que o Dorival seja o Dorival na seleção brasileira e consigo os resultados.
O Neymar ainda pode ser importante para o Brasil?
Só o Neymar pode dar essa resposta. Nós não podemos dar essa resposta por ele. Temos ainda três anos para a Copa do Mundo e essa resposta ele vai dar diariamente, nos jogos, com comprometimento. Só ele pode dar essa resposta. Fui um dos jogadores que nunca deu resposta pelos outros. Muita gente apostava que eu não iria chegar aos 34 anos e joguei até os 38. Isso é muito relativo, vai de acordo com o tempo. É um jogador que na qualidade técnica é indiscutível, supera qualquer atleta, mas ele precisa estar bem, querendo, comprometido... É um jogador que faz falta em qualquer momento.
O Endrick já pode ser titular da seleção?
É um grande jogador que pode se transformar em craque. Ele pode se tornar a nossa maior esperança, o nosso maior craque, o maior ídolo desses últimos 10 anos. Depois do Neymar, o Brasil ficou muito carente de ídolos. Não tivemos ídolos praticamente em quase nenhum clube, não tivemos ídolos assim unânimes na seleção como é o Endrick. Mas é um menino. Essa saída para o Real Madrid vai fazer muito bem para ele, principalmente indo para um clube onde vai encontrar jogadores consagrados, mesmo sendo jovens, como Rodrygo e Vinícius Junior, além de atletas que lá estão, e isso pode ajudá-lo na transformação para ser um grande jogador. Mas uma pessoa será muito importante para ele, que é o Ancelotti. Ele sabe trabalhar com jovens promissores. Acho que isso vai fazer o Endrick ganha muita experiência.
Ainda falta algo para o Vinicius Junior ser protagonista na seleção? Como vê todos esses ataques racistas que ele recebe na Europa?
O Vinicius Junior já é o diferencial da seleção brasileira sem dúvida nenhuma. Já é uma realidade, não é mais uma promessa. Faz muita falta quando não joga. É um jogador que nós colocamos muita esperança naquilo que ele faz. O que ele vem passando infelizmente é lamentável. Não dá para estarmos discutindo esse tipo de acontecimento ainda hoje, algo que não é apenas com o Vinicius Junior, mas como o ser humano. Costumo falar que o racismo é um problema de educação. Temos de educar as nossas crianças, ensiná-las para viver em um mundo de igualdade. Enquanto não existir conscientização das pessoas de que vivemos no mesmo mundo e somos todos iguais, isso vai continuar. O que precisamos fazer é tomar atitudes rígidas, para que isso não possa ficar apenas nas palavras.
O que falta para o Brasil conquistar novamente uma Copa do Mundo?
É difícil porque o Brasil contra a Croácia (em 2022) foi uma questão de falta de atenção. O Brasil contra a França em 2006, também foi falta de atenção. Nós perdemos a oportunidade de avançar nas competições por simples falta de atenção, não por falta de ter futebol, por falta de comprometimento. Foi nítido, faltavam quatro minutos, o Brasil poderia ter recuado, segurado a bola, e, em uma falta de atenção, tomamos o gol. Acho que está faltando é só esse detalhe. Costumo falar que, principalmente em uma Copa do Mundo, é 100% concentração e 0% erro. Um minuto que você ficar desconcentrado, você pode cometer um erro e ser punido, como aconteceu com o Brasil (em 2022).
O Brasil está muito atrás da seleções europeias?
Hoje estamos porque os números dizem isso. Nós ficamos 24 anos sem conquistar o título depois de 1970. Fomos campeões em 1994 e, mesmo assim, muitas pessoas falaram que foi nos pênaltis, mas ganhamos. O importante é isso, conquistar o título, independentemente da maneira que seja. Mas se comparamos hoje, as seleções europeias levam vantagem sobre o Brasil. Aí você vai falar que todos os jogadores titulares da seleção brasileira jogam no futebol europeu. É verdade, mas, quando eles se juntam, temos de ter a consciência de que temos de jogar como seleção brasileira e não individualmente.
Atualmente os jogadores são mais influenciáveis por fatores externos, como redes sociais, do que na sua época?
Sinceramente não eu vejo esse tipo de influência em campo, porque eu não posso me deixar influenciar porque o rapaz da rede social falou alguma coisa, porque o meu primo falou alguma coisa, porque minha prima falou alguma coisa, porque minha namorada falou alguma coisa, porque o meu vizinho falou algo. Em hipótese nenhuma, o jogador deve deixar isso influenciar em campo. Você não pode deixar que isso seja maior do que aquilo que você quer. Cada um é responsável por si, cada um é responsável pelos seus atos. Eu costumo falar que toda ação tem uma reação. Então você tem de estar ciente daquilo que você quer. Se você tiver de ir para noite, você tem de ter consciência de que no dia seguinte você tem treino, que você tem jogo no final de semana e que, do outro lado, você tem pessoas que treinaram uma semana inteira, que dormiram essa semana inteira para que chegasse bem no jogo. O resultado é uma questão de consciência.
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