Nas ruas de areia da entrada de Al-Shahanyia, cidade com maior extensão do Catar, o clima é desértico. Nada mais adequado para a maioria dos habitantes dela: os camelos, chamados de hejen em árabe. Eles estão em toda parte, ocupam um distrito inteiro e vivem em propriedades que operam como estábulos do animal símbolo do país da Copa do Mundo e que se espalham ao longo de quilômetros. Quem divide os espaços com os animais, em quartos minúsculos, são trabalhadores estrangeiros responsáveis por treiná-los diariamente e deixá-los nos cascos para as competições frequentemente organizadas na pista de 10km que atravessa o município.
Os donos dos camelos, geralmente catarianos, vivem em Doha. O pequeno comércio que existe entre as propriedades também é dedicado ao animal, como lojas veterinárias e de ferramentas. Há lugares onde uma grama especial é cultivada para ser servida a eles e com o intuito de mantê-los bonitos e com alimentação balanceada para competirem. O bangladeshiano Arel Karion cuida de uma plantação e diz que os camelos de Al-Shahanyia são valorizados no Catar e que alguns tem pedigree de campeão nas corridas e recebem tratamento especial, pois há muito dinheiro envolvido nas premiações e ter um exemplar assim é sinal de status para o dono em relação a outros criadores.
CAMELOS HI-TECH
Desde 1988, funciona em Al-Shahanyia o Comitê de Corridas de Camelos (Hejen Racing Comittee), que trabalha para manter uma tradição que remonta aos tempos em que o país era um deserto habitados por beduínos que tinham os camelos como companheiros e forma de transporte de pessoas e mercadorias. Outro objetivo é desenvolver a corrida de camelos como um esporte profissionalizado, que distribui prêmios em dinheiro aos dez primeiros colocados em cada competição.
Um dos diretores do comitê, Mohamad Khaiir, lembra que, de 1973, quando a primeira corrida oficial de camelos foi organizada no Catar, a 2022, muita coisa mudou. “Até 1992, crianças e adultos costumavam correr em cima dos animais e algumas vezes, sem proteção adequada. Por causa da pressão de órgãos de Direitos Humanos, essa prática foi proibida e desde então, começamos a usar robôs, que são comandados por controles nas mãos dos donos dos camelos. Eles seguem a competição em seus carros e animais bem treinados conseguem identificar as vozes e comandos dados a ele”. As competições são transmitidas pela TV estatal e pela internet.
Segundo Khaiir, só são aceitos nas corridas donos de camelos que sejam catarianos ou de outros países que formam o Golfo Arábico, como os Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Bahrein. Ele conta que a família real do Catar gosta muito do animal e que a pista de Al-Shahanya, hoje única no país, foi construída por ordem do ex-emir do país, Hamad bin Khalifa, no fim dos anos 1980. Em 1989, o mandatário abriu a competição e premiou o camelo campeão, de propriedade do empresário Rashid Bin Maqareh Al Marri.
“Muitos membros da família Al-Thani possuem camelos com pedigree. O emir tem em sua guarda muitos soldados que cavalgam o animal e desfilam pelas ruas do Catar para exibi-los. A família real também é representada em competições em nome deles, como o xeique Joaan bin Hamad. Há aqui no Golfo uma rivalidade entre as famílias reais dos países da região para saber qual delas possui os melhores e mais bonitos exemplares”, conta Mohamed, que explica que são organizados festivais e torneios em toda a região para que os melhores e mais velozes camelos, que tem as pernas finas e longas, sejam exibidos e possam disputar milhões de dólares. “O primeiro prêmio para o campeão que me lembro de ter visto, no início dos anos 1990, foi uma camionete Hilux. Não é nada perto do que se pagam em algumas competições atualmente”.
CONCURSO DE BELEZA
No Catar, as duas maiores corridas entre camelos são a do Fundador, em homenagem ao primeiro emir da nação, Jassim Bin Mohammed Al Thani, e o Grande Festival Anual. Ambas são realizadas em dezembro, mês em que é comemorado o Dia Nacional do país, no dia 18. O vencedor da primeira competição recebe, além da premiação em dinheiro, uma espada do emir pai, Hamad. Já o campeão do festival ganha, junto com o prêmio em dólares, a espada do emir catariano Tamim bin Hamad, como símbolo de que aquele animal é o melhor da região. Uma curiosidade é que, nas grandes competições, uma comissão formada por beduínos elege o “Mr. e a Miss. camelo” como sendo os mais bonitos em quesitos como caminhar mais elegante e pelo mais bem tratado. Até que a próxima temporada termine.
DROMEDÁRIO É O CAMELO-ÁRABE PARA ELES
No Brasil, há uma diferença entre o animal com uma ou duas corcovas. Com uma é chamado de dromedário e com duas, de camelo. Acontece que na Península Arábica a classificação é diferente. O camelo-árabe possui uma corcova e o com duas é chamado apenas de camelo.
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