Após 25 anos na Rede Globo, Walter Casagrande Jr., o “Casão”, deixou a emissora em julho deste ano. “Na realidade, acho que foi um alívio para os dois lados”, afirmou o ex-jogador do Corinthians, do Torino e da seleção brasileira na ocasião. Com opiniões fortes e contundentes, seja sobre futebol, política ou até mesmo sociedade, ele foi o convidado do programa Estadão Esporte Clube desta quinta-feira, mediado pelo colunista e editor-chefe de esportes, Robson Morelli, e o apresentador Gustavo Lopes. Assista à entrevista logo abaixo. O programa também está nas redes sociais do Estadão.
Ativo na sociedade civil, Casagrande analisou o momento de agressões e ameaças no futebol brasileiro — na última semana, Cássio conversou com a reportagem do Estadão e afirmou que uma tragédia maior está para acontecer. Para ele, é uma resposta ao momento político vivido no Brasil. “A sociedade brasileira está sendo ameaçada e o futebol é apenas o reflexo. Demorou, mas a violência chegou ao futebol. Aconteceu com o Bahia, com o Grêmio, São Paulo... O Willian foi embora do Corinthians, o Cássio foi ameaçado em campo...”, relembrou.
“Quando a violência começou a ficar muito agressiva, vi que nem confederação nem clubes nem jogadores fizeram nada. Só vai mudar quando acontecer uma desgraça. Concordo com o Cássio. Está para acontecer alguma coisa grave com jogador ou familiar no futebol”. afirmou. “O País é ameaçado constantemente. As pessoas que pensam diferente das que apoiam o presidente são ameaçadas. No meu caso, que me exponho, é um risco muito grande, até sair na rua”.
“Quem tem de te proteger é a polícia. Quem tem uma arma na mão, não está seguro. As armas precisam sair das ruas para termos mais segurança. Esse glamour do armamento é falso, é uma distorção da realidade, uma inversão de valores. Para isso, a segurança precisa melhor e o País precisa estar mais preparado”, pontuou Casagrande, que revelou ter sido convidado pelo PT para ser candidato a senador.
“O povo brasileiro precisa de educação, saúde, segurança, lazer e emprego. E como povo brasileiro, eu incluo os povos indígenas. Precisa acabar com o desmatamento, a demarcação das terras indígenas. Isso é urgentíssimo para a sociedade brasileira”, disse. “Nos últimos meses, líderes indígenas foram mortos, crianças foram estupradas. Pouco importa se a gente sabe muito ou pouco sobre os povos indígenas”, pontuou. “Entrei nessa luta há pouco tempo e meu papel é dar visibilidade”.
O comentarista revelou que já recebeu convites para entrar na política, neste ano mesmo, mas não topou. “É bem claro o meu posicionamento e visão política, há tempos. Já me convidaram para disputar um cargo como senador de São Paulo, mas preferi continuar na sociedade civil”. Ele lembrou que Romário, senador e ex-jogador da seleção brasileira, seria um adversário político caso isso ocorresse. “Ele (Romário) chegou ao Senado como um adversário do presidente Bolsonaro; hoje, se alinha aos ideais dele. Eu não concordo, mas faz parte desse processo político”.
Casagrande foi um dos líderes da “Democracia Corinthiana” na década de 80, com um posicionamento político e ideais bem definidos. Refletindo sobre o momento nos atletas da atualidade, ele afirma que há uma falta de “posicionamento social entre os jogadores”.
“Dar opinião política não é obrigação, mas ele (jogador) tem o dever de ter um posicionamento social. Ver o desmatamento aumentando, a demora na compra de vacinas (contra a covid-19), isso não incomoda o jogador de futebol?”, questionou o comentarista. “Isso incomoda ator, atriz... mas ninguém se incomoda com o Robinho, condenado por estupro, passeando e se divertindo nas praias do Brasil”. “Não cobro o jogador dizer se é Lula, Bolsonaro ou Ciro, mas, sim, o posicionamento pessoal. A voz do jogador tem eco, mas ninguém se importa com isso. É isso que me incomoda”, afirmou.
Seleção brasileira e Copa do Mundo
Há dois meses para a Copa do Mundo do Catar, o grupo de Tite está quase definido, mas ainda há algumas vagas sem definição. Para Casagrande, que acompanha a seleção há anos, ele ainda irá chamar dois centroavantes para a lista final. “Acho que o Pedro vai conseguir conquistar uma vaga, mas depende da escolha do Tite. Se ele levar o Matheus Cunha, vai depender do talento e da qualidade deles no jogo (são parecidos em campo). Se levar o Pedro e Firmino, aí, na troca de um pelo outro na partida, vai mexer na defesa adversária porque são atletas diferentes.”
Na possível última Copa de Neymar, Casagrande diz que a seleção e o atleta merecem um bom desempenho em campo. “Nós merecemos que o Neymar faça uma Copa digna, e ele também merece isso em sua carreira. O comportamento dele em 2018 não fui justo com o torcedor e com ele mesmo, porque ele tinha tudo para arrebentar naquela Copa”. No último Mundial, o Brasil foi eliminado pela Bélgica nas quartas de final, por 2 a 1.
Na preparação para o Catar, o Brasil acabou não enfrentando adversários europeus - com um nível igual ou superior ao da seleção. Casagrande enxerga como um ponto negativo para equipe, que chega “despreparada” para a disputa. “Continuamos sem saber o nível técnico, tático e de competitividade do time. Vamos jogar pela primeira vez com uma seleção europeia somente na Copa. Não dá para ter parâmetro.”
“O Europeu consegue ser campeão do mundo sem jogar com Brasil ou Argentina. O sul-americano, não. É mais desfavorável para os times da América do Sul”. O último adversário europeu que o Brasil enfrentou foi justamente a Bélgica, em 2018.
Sucessor de Tite na seleção brasileira
Tite já afirmou que essa será sua última Copa do Mundo à frente da seleção. Após dezembro, o técnico irá colocar seu cargo à disposição da CBF. Seu sucessor é um tema que, nos últimos meses, vem sendo discutido. Nesta quarta-feira, o jornal Marca, da Espanha, disse que Fernando Diniz, treinador do Fluminense, chegou a ser contatado para assumir a seleção após o Catar — a entidade negou a informação. Casagrande, por sua vez, tem como Abel Ferreira, do Palmeiras, o seu favorito para assumir o comando do Brasil.
“Eu pegaria o Abel Ferreira, mas o futebol muda. (Técnico) brasileiro que está fazendo um bom trabalho há dois anos seguidos não tem, só o Abel. Se for para chamar um estrangeiro, é melhor chamar um que conheça o ambiente do futebol brasileiro. Eu ainda chamaria o Abel, mas com menos convicção do que antes”, afirmou Casagrande. Além do português, ele também elogiou Dorival Júnior e seu trabalho à frente do Flamengo.
Passagem pela Globo
Após 25 anos, a relação entre Casagrande e Globo chegou ao fim. Antes de assinar contrato na TV, chegou a ser especulado como treinador. “Já fui convidado pelo São Paulo e pelo Corinthians para ser treinador, mas quando percebi que ficava ansioso (com o convite), parei, pensei e escolhi trabalhar na TV Globo”, disse. “Tive, inclusive, respaldo da direção da Globo caso quisesse experimentar a carreira como treinador, mas nunca quis”.
“Foram 22 anos ótimos na Globo, mas os três últimos já não sentia a mesma liberdade e paixão nas transmissões”, contou o comentarista, hoje no UOL e na Folha. “Chegou um momento em que conversei com a direção da Globo e chegamos, mutuamente, à decisão de que seguiria um novo caminho”.
Nessa nova fase, Casagrande vê com ótimos olhos a liberdade fora da emissora. “Estou sendo chamado para diversas entrevistas e recebi novas propostas de emprego”. Ele brinca que, apesar de não ser formado como jornalista, já tem uma carreira mais longeva na imprensa do que nos campos. “No futebol, foram 13 anos. No jornalismo esportivo já são 27″.
“Financeiramente, estou ganhando muito menos, mas a liberdade é muito importante para mim. Eu não tenho mais a expectativa de ter um contrato só para ganhar bem, mas tenho essa disposição toda para trabalhar e estou feliz, bem com isso”, afirmou.
Relembre a carreira de Casagrande
Como jogador, Casagrande foi, ao lado de Sócrates e Wladimir, um dos líderes da “Democracia Corinthiana”, movimento do clube na década de 80, contra a Ditadura Militar e que seguia a tendência do País pelas eleições diretas ao poder executivo federal (”Diretas Já”). No Corinthians, conquistou o bicampeonato Paulista em 1982 e 83. Na seleção, disputou a Copa do Mundo de 1986, no México.
Após a sua aposentadoria dos gramados Casagrande começou a carreira de comentarista ainda na década de 1990, na ESPN, pouco tempo após pendurar as chuteiras. Mas foi na Rede Globo onde se firmou e se tornou um rosto conhecido dos brasileiros nas transmissões esportivas, especialmente na cobertura da seleção brasileira e das equipes do futebol paulista.
Em 2007, o ex-jogador sofreu um grave acidente de carro e ficou longe da televisão, voltando somente dois anos depois participando de programas do canal SporTV. Durante o período no qual ficou afastado, Walter Casagrande foi internado para o tratamento da dependência química em álcool e drogas, em episódios contados por ele mesmo em programas de entretenimento da emissora, que depois viraram livros.
Como comentarista do Grupo Globo, cobriu seis Copas do Mundo — com cinco finais em seu currículo — três Olimpíadas e múltiplas decisões de campeonatos, como a Libertadores, Brasileirão e Paulistão. Após sua saída da Globo, assumiu como colunista de esportes da Folha de S.Paulo e do UOL.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.