Cleber Machado passou os últimos dias respondendo a centenas de mensagens de amigos e de colegas com os quais trabalhou. Foram muitos os que enviaram uma palavra lamentando a decisão da Globo de dispensá-lo depois de 35 anos de casa. Não passava - nem passa - em sua cabeça se aposentar aos 61 anos. Mas a ideia era terminar a carreira na emissora carioca depois de narrar a Copa do Mundo de 2026. Agora, terá de fazer novos planos.
Cleber não ficou surpreso, mas também não esperava ser demitido agora. “Esperar, eu não esperava, mas tinha escutado aquele papo que acontece em um monte de empresa, de reajustar, readequar”, conta ele, por telefone, ao Estadão. O narrador quis saber a razão de ter sido dispensado da Globo depois de mais de três décadas. Considerado o período em que trabalhou nas rádios do grupo, dedicou 41 anos dos 44 de carreira à empresa da família Marinho.
“Quando vieram falar comigo, eu perguntei: ‘vem cá, vocês não me querem mais ou é uma questão de orçamento?’”, quis saber. “Responderam a opção B, questão de orçamento”. Ele encarou a dispensa com naturalidade. Ficou chateado, claro, mas disse não haver mágoa com a decisão dos executivos da Globo. “Fiz minhas bobagens, mas fiz minhas coisas boas também. Você não fica tanto tempo no lugar só porque é bonitão”, brinca o narrador dos times paulistas por muito tempo.
Embora tenha sido alijado da equipe que cobriu a Copa do Mundo no Catar, Cleber não considera ter perdido prestígio dentro da emissora. No Brasil, o profissional narrou alguns jogos importantes do Mundial, o oitavo de sua carreira, sete deles acompanhando as partidas nos países-sede.
“Sempre fui bem escalado. Fiz Copa, Olimpíada, Fórmula 1, bons jogos. Em determinado momento, era claro que eu fazia as coisas que o Galvão Bueno não fazia mais. Mas o tempo passa, as coisas mudam, e os conceitos se diversificam. As narrações ficaram mais divididas”, opina. “É do jogo. Acho que o Luís Roberto foi crescendo”, acrescenta sobre o ex-colega, escolhido pela Globo para comandar os jogos no Catar ao lado de Galvão Bueno e outros.
TV ou streaming?
Aos 61 anos, completados nesta quarta-feira, Cleber reiterou que sua vontade não é parar de narrar. Na conversa de quase uma hora com a reportagem do Estadão, ele afirmou que está aberto a propostas para seguir na televisão ou enveredar para alguma plataforma de streaming. “Não penso em nada prioritariamente, nem descarto nada. Pode ser uma coisa longa ou curta. Pode ser um projeto em uma outra plataforma”, especula. “Pode acontecer algo mais pra frente, no YouTube. Conversas sempre tem. Vamos ver quando a conversa vira algo concreto”.
Embora acompanhe as tendências na internet, leia comentários e considere estar adaptado às mudanças promovidas pelas plataformas digitais, o narrador nunca teve perfis em redes sociais. Isso agora vai mudar. “Agora, vou criar uma conta no Instagram”, diz. Ele leva na boa os perfis falsos que o imitam. “Só acho estranho aqueles que não avisam que são fake”.
Caso mude para o streaming, seguirá os passos do amigo Galvão Bueno, que estreou o seu canal no YouTube no último fim de semana com a transmissão do amistoso da seleção brasileira contra o Marrocos - derrota de 2 a 1. Cleber acredita ter vocação para narrar no ambiente digital porque entende ter se atualizado ao longo dos anos. “Uma das coisas mais prazerosas é quando você entra numa pizzaria e vem um garoto de 10 anos pedir uma foto. O futebol consegue ter esse leque superaberto”, pontua. “A questão é você se atualizar”.
Por que não, então, replicar a ideia de Galvão Bueno e ter seu próprio canal de comunicação? “Eu já pensei em um dia ter o meu negócio. Mas tem de ver o produto, o conteúdo, como se veicula, a viabilidade”, conjectura. “É capaz que um dia apareça uma proposta, uma ideia, e aí a gente pensa”.
Portas abertas
No comunicado em que confirmou a dispensa do narrador, a Globo afirmou que “as portas da empresa continuam abertas para novos projetos no futuro”. Para Cleber, também é uma possibilidade. “Amanhã, se alguém da Globo me quiser de volta pqra alguma coisa, vamos conversar. Por que eu diria não? Se é verdade que as portas da Globo estão abertas para mim, evidentemente que não tenho problema nenhum em entrar”, justifica.
Versátil, o profissional também foi apresentador e comentarista em programas da TV Globo e do SporTV. Narrou três conquistas consecutivas de times brasileiros na Libertadores - Santos, Corinthians e Atlético-MG -, títulos importantes de clubes paulistas, como as três taças da Copa do Brasil conquistadas pelo Palmeiras em 2012, 2015 e 2020.
Também participou da cobertura do carnaval, Jogos Olímpicos, Corrida de São Silvestre e momentos importantes em outras modalidades, como a Fórmula 1, que lhe rendeu o famoso “hoje não, hoje sim”, expressão que usou para lamentar a marmelada da Ferrari ao favorecer Michael Schumacher e causar situação desconfortável para o brasileiro Rubens Barrichello. “Não posso me queixar de nada”, diz. “Acho que tem mais pontos positivos do que negativos”.
O seu pensamento é de que a estrutura das transmissões esportivas não se transformou tanto desde que ele começou na década de 1980. “O que mudou foram os recursos, a tecnologia, a interatividade com o público. Hoje, a transmissão é mais informal nesse sentido. Há mais descontração”, diz. Para ele, o crucial para os canais de televisão tradicionais ou plataformas de streaming é conseguir atrair e fidelizar o telespectador mais jovem. “Você precisar ser capaz se comunicar sem abandonar o público que você já tem, mas tentar atrair também um público novo.”
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