Clubes da Série A já trocaram oito vezes de técnico em 2024; por que demissões são tão frequentes?

Nem mesmo clubes que viraram SAF e adotaram modelos de gestão profissional conseguiram evitar trocas de comando antes da estreia na competição nacional

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Foto do author Bruno Accorsi

Os primeiros meses da temporada 2024 do futebol brasileiro foram de reavaliações e reajustes na comissão técnica para oito times da Série A do Brasileirão, que trocaram de treinador antes do início do campeonato nacional. Athletico-PR, Atlético-MG, Botafogo, Corinthians e Cruzeiro demitiram os técnicos com os quais iniciaram o ano, enquanto Cuiabá, Juventude e São Paulo precisaram buscar soluções após seus respectivos comandantes aceitarem propostas de outras equipes.

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A lista dos que recorreram às demissões tem três clubes que se transformaram em Sociedade Anônima do Futebol, a SAF, modelo de gestão avaliado como mais profissional por seus entusiastas: Atlético-MG , Botafogo e Cruzeiro. Ao longo do ano passado, as SAFs já haviam mostrado grande tendência a trocas no comando técnico, já que os seis times adeptos do modelo no Brasileirão 2023 trocaram de treinador ao menos uma vez.

Um caso que chama a atenção é do Cruzeiro. Depois de ter Paulo Pezzolano, Pepa e Zé Ricardo como treinadores em 2023, além de Paulo Autuori e Fernando Seabra como interinos, o time gerido por Ronaldo Fenômeno já mudou de comando em 2024. Poucos dias antes da estreia no Brasileiro, demitiu o argentino Nicolás Larcamón e trouxe de volta Seabra, que estava no time B do Red Bull Bragantino, agora para ser técnico efetivo.

Sob a gestão de Ronaldo, Cruzeiro demitiu Nicolás Larcamón e teve mais uma troca de técnico. Foto: Divulgação/Cruzeiro

A nova mudança foi a sexta desde que Ronaldo se tornou acionista majoritário do clube cruzeirense, em abril de 2022. A quantidade incomodou e tal situação foi avaliada internamente com autocrítica pela diretoria.

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“A quantidade de treinadores que tivemos ao nosso lado não nos deixa felizes, e sempre tem que trazer a gente para uma reflexão, uma análise. O que nós estamos fazendo para ter essa quantidade tão alta de técnicos? Isso foi fruto de muito debate, inclusive, antes de tomar a decisão”, explicou o diretor de futebol cruzeirense Pedro Martins, em coletiva de imprensa.

“A avaliação é exatamente essa. Como estamos agora? Se insistirmos mais, temos perspectivas de fazer funcionar? A gente não via mais perspectiva. Reforçamos que é uma decisão dura, difícil, porque identificamos um potencial, mas que na prática não houve conexão entre a maneira do clube trabalhar e da comissão trabalhar”, completou.

Com pouco tempo de trabalho, Seabra estreou pelo Cruzeiro com um empate por 3 a 3 com o Alianza, da Colômbia, e vai iniciar o Brasileiro justamente contra o Botafogo, que mandou Tiago Nunes embora e apostou no português Artur Jorge. A estreia foi com derrota por 1 a 0 para a LDU na Libertadores. As duas SAFs ainda não tiveram muito tempo para avaliar os resultados da decisão, diferentemente do Atlético-MG, que melhorou após colocar Gabriel Milito no lugar de Felipão.

Quais times do Brasileirão já trocaram de treinador?

  • Athletico-PR: Saiu Juan Carlos Osorio (demitido), entrou Cuca
  • Atlético-MG: Saiu Felipão (demitido), entrou Gabriel Milito
  • Botafogo: Saiu Tiago Nunes (demitido), entrou Artur Jorge
  • Corinthians: Saiu Mano Menezes (demitido), entrou António Oliveira
  • Cruzeiro: Saiu Nicolás Larcamón (demitido), entrou Fernando Seabra
  • Cuiabá: Saiu António Oliveira (para o Corinthians); vem sendo comandado interinamente por Luiz Fernando Iubel
  • Juventude: Saiu Thiago Carpini (para o São Paulo), entrou Roger Machado
  • São Paulo: Saiu Dorival Júnior (para a seleção), entrou Thiago Carpini

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Falta de metodologia e comunicação provocam trocas constantes

Um dos clubes que se acostumou com trocas recorrentes no comando foi o Corinthians, no momento estabilizado com António Oliveira. O último treinador que cumpriu seu contrato no clube foi Vítor Pereira, que ficou no comando de fevereiro a dezembro de 2022. Em seguida, não quis renovar e foi para o Flamengo, revoltando a torcida.

Depois da passagem do português, o então analista Fernando Lázaro foi efetivado como treinador para a temporada 2023. Durou até abril e foi substituído por Cuca, demitido após sete dias, em razão de protestos de torcedores, que trouxeram à tona a condenação por estupro sofrida pelo treinador na década de 1980. Ele conseguiu a anulação do julgamento no início de 2024.

Após a polêmica vinda de Cuca, o Corinthians recorreu a Vanderlei Luxemburgo, mas acabou 2023 com Mano Menezes como técnico. O ano virou e o grupo Renovação e Transparência, representado pela figura do presidente Duílio Monteiro Alves, deixou a cadeira presidencial após 16 anos para dar lugar a Augusto Melo. Uma sequência de quatro derrotas no Paulistão custou o cargo a Mano, substituído por António Oliveira.

As trocas do Corinthians em 2023 foram entre técnicos de características diferentes, algo comum de observar sempre que dirigentes decidem fazer esse tipo de mudança. O ex-volante Edmílson, pentacampeão com a seleção brasileira e hoje dirigente do Ska Brasil, clube que fundou, defende que essa falta de convicção é um dos principais equívocos do futebol no Brasil.

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“É o grande erro do futebol brasileiro. Primeiro, contratar treinador errado. Se você contratar um treinador retranqueiro para um time que gosta de jogar bola, como a torcida vai aplaudir?”, disse ao Estadão. “A primeira coisa que os clubes tinham de fazer é o seguinte: Antes de contratar um treinador, é o diretor olhar o tipo de elenco que ele tem”, concluiu.

Edmilson também acredita que demissões de técnicos com pouco tempo de trabalho ocorrem, muitas vezes, por falta de sinergia e comunicação entre dirigentes e treinadores.

“Eu acho que existe uma pirâmide. São três pontas. A parte diretiva, quem paga, o presidente, tem que estar conectada ao diretor de futebol e ao treinador. Esses três tem que se comunicar sempre. Não adianta nada o presidente contratar alguém que o CEO consegue engolir, mas o treinador não vai colocar pra jogar. Esses três caras são fundamentais para tomar a decisão a nível de planejamento”, opinou.

CEO do Fortaleza, que tem Juan Pablo Vojvoda como segundo técnico mais longevo do Brasileirão, Marcelo Paz entende que é necessária uma avaliação dos impactos a longo prazo na hora em que se avalia uma mudança de treinador. Também considera inevitável que um técnico seja mandado embora quando “perde o grupo”, mas sem ouvir diretamente os jogadores e sim na base da observação.

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“Acima de tudo, tem de se saber qual é o objetivo do clube na competição, na temporada. Avaliar o trabalho pelos objetivos. Não porque perdeu um jogo, porque foi mal em determinada partida, mas sim pelo objetivo final. Um fator de sucesso para um trabalho de qualidade é, sim, dar tempo ao comando técnico. Lógico, seguindo todo esse preceito das boas escolhas”, explica ao Estadão.

“A hora de trocar é a hora que não se tem mais sinergia entre treinador e grupo. Isso tem de ser percebido pelo dirigente na observação. Delegar isso aos jogadores é muito difícil. Porque um jogador pode estar insatisfeito por uma situação ocasional. Tem de se observar o comportamento como um todo, se a mensagem é entendida, se há relação de respeito, de admiração, de senso de justiça dos atletas com o treinador. Quando se perde o vestiário, aí talvez seja a hora de mudar. Muitas vezes, a torcida não está gostando tanto, mas o dirigente percebe que o trabalho está fluindo e que uma hora a bola vai entrar. Então, não é hora de trocar. O momento de troca é quando a mensagem não entra mais”, completa.

Para Candinho, ex-auxiliar de Luxemburgo na seleção e ex-treinador de Corinthians e Palmeiras, o momento de transição para uma nova geração de treinadores ajuda a alimentar a ‘dança das cadeiras’. “Antes, tínhamos mais treinadores independentes. Olha essa palavra: ‘independente’. Não tinha esse medo de perder o emprego, de pressão. O dirigente tinha uma maior respeito e às vezes até medo dos treinadores. Eu vejo hoje casos como o do menino do São Paulo (Thiago Carpini), que já querem mandar embora”.

Relação de Vojvoda com o Fortaleza costuma ser usada como bom exemplo de gestão Foto: Alex Silva/Estadão

O ‘clube dos longevos’ na Série A

Quando o Brasileirão 2023 terminou, apenas cinco times não haviam mudado de técnico ao longo da temporada. O mesmo quinteto vai começar a edição 2024 do campeonato nacional sem mudança no comando: o Palmeiras de Abel Ferreira, o Fluminense de Fernando Diniz, o Grêmio de Renato Gaúcho, o Fortaleza de Juan Pablo Vojvoda e o Red Bull Bragantino de Pedro Caixinha. Soma-se a eles o Criciúma de Cláudio Tencati, que veio da Série B - o técnico assumiu o time catarinense em outubro de 2021.

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Clube da elite que está há mais tempo com o mesmo treinador, desde de outubro de 2020, o Palmeiras foi campeão brasileiro. O Fluminense, comandado por Diniz desde abril de 2022, venceu a Libertadores. Embora não tenha erguido taças nacionais ou internacionais, o Grêmio foi vice-campeão brasileiro e tem uma relação muito forte de idolatria com Renato, que começou 2024 dando ao clube mais um título gaúcho.

Já Fortaleza e Red Bull Bragantino têm mostrado convicção no trabalho de seus treinadores, que vêm conseguido bons resultados, embora ainda busquem um título de grande expressão. Vojvoda recebeu críticas mais duras após perder o título estadual para o Ceará, mas continua com respaldo da diretoria. Em maio, o argentino, que já recusou diversas propostas, completa três anos no comando da equipe tricolor.

“No momento em que os resultados não estão vindo, o que tem que se ver é o trabalho, o dia a dia, a rotina de treino, a tentativa permanente do técnico de achar soluções, se o grupo dá resposta”, afirma Marcelo Paz. .”É muito importante também observar os funcionários do clube, principalmente os mais antigos, porque eles têm uma sensibilidade muito grande do que está ocorrendo. Conseguem perceber o ambiente, a relação do grupo com o treinador. Então, o gestor tem de estar atento a todos esses sinais para tomar a decisão mais correta, mais justa”.