Não é fácil encontrar alguém que não conheça Leila Pereira. De desconhecida há uma década, a empresária de 60 anos passou a ser mulher mais poderosa do futebol brasileiro e a cartola mais conhecida do País graças à visibilidade que o Palmeiras lhe deu como patrocinadora e presidente. “O Palmeiras me tornou uma pessoa famosa”, confirmou ela em entrevistas recentes.
Mas a maneira como se posiciona num meio predominantemente masculino, a assertividade em suas decisões e as declarações - muitas delas controversas - também trouxeram fama à dirigente que busca ser reeleita presidente e continuar no cargo mais importante do clube por mais três anos. Seu adversário no pleito é o advogado e conselheiro vitalício do clube Savério Orlandi.
Única presidente mulher entre os 20 clubes da Série A, a fluminense natural da pequena Cambuci furou a bolha do futebol e é conhecida até por quem não acompanha o Palmeiras. São muitos os convites, mensagens, ligações e pedidos feitos diariamente à presidente do Palmeiras, que se gaba de o time ter conquistado 32 títulos sob sua gestão, entre competições profissionais, da base e do feminino.
Não é incomum vê-la em eventos ou programas de entretenimento. Já foi no Mais Você, programa de Ana Maria Braga na Globo, no Faustão na Band e no Admiráveis Conselheiras, programa de entrevistas de Astrid Fontenelle no GNT. “Eu recebo convite, vou aos programas (de televisão), e gosto de conversar com as pessoas, gosto de expor as minhas ideias”, disse Leila ao Estadão há um mês, recusando o epíteto de dirigente popstar. “Não gosto de dizer que sou celebridade”.
Administradora e dona da Crefisa, empresa de crédito consignado, também foi convidada do tradicional Roda Viva, da TV Cultura, e do Canal Livre, da Band, para falar de seus negócios dos investimentos milionários no Palmeiras. Lá, foi incensada por Renata Fan, que a considera “forte”, “determinante” e “corajosa”.
Tem muito cartola que passa nos clubes e não tem utilidade nenhuma, pelo contrário, faria um favor se não estivesse estado no cargo. Pensei que precisava ajudar na visibilidade das mulheres e do futebol, na forma de administrar um clube sem medo, sem pensar na reeleição, em conchavos
Leila Pereira
Nas suas entrevistas, não foge dos assuntos e gosta de dar respostas longas, embora seja direta. Suas declarações são enfáticas geralmente e controversas às vezes, com críticas e alfinetadas em seus opositores. A retórica não é rebuscada. O alvo do momento Savério Orlandi, seu rival na eleição. “Sou mulher objetiva e prática, sou executiva, gosto de executar, enquanto o candidato da oposição gosta de debater ideias”.
A principal executiva das empresas de seu marido, José Roberto Lamacchia, o homem responsável por lançá-la no mundo empresarial e com quem está casada há 40 anos, conquistou respeito no futebol, ambiente predominantemente masculino.
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Três dirigentes que participaram de reuniões com Leila dizem que, quando ela fala, a maioria se cala para ouvi-la. Foi a presidente do Palmeiras uma das lideranças da Libra nas negociações com os clubes que resultaram no acordo com a Globo pelos direitos de transmissão das partidas do Brasileirão. Se não ela tivesse tomado a frente, o acordo não sairia, afirmaram cartolas envolvidos nas negociações.
Não sou várias pessoas, só uma só e falo a verdade. No futebol, as pessoas não estão acostumadas a ouvir a verdade, e quem trabalha com a verdade vai estar certo. Meu negócio, minha profissão, não é ser cartola, não vivo disso
Leila Pereira
No Senado, foi tietada junho passado, quando esteve em meio aos parlamentares para depor na CPI das Apostas. Após seu depoimento, senadores e funcionários pediram fotos nos corredores do Congresso. Na oitiva, rebateu um comentário machista de Jorge Kajuru, presidente da comissão. “Normalmente mulher vai ao estádio e pergunta quem é a bola”, disse ele. “Kajuru, hoje tem presidente de clube mulher”, devolveu de bate-pronto a presidente do Palmeiras.
O seu plano, ao menos por ora, não é crescer como dirigente a ponto de buscar, por exemplo, ser presidente da CBF. “Eu vivo o agora. Minha vida é no Palmeiras”, afirmou a empresária, que se considera “uma dirigente diferente”.
Foi com coragem que ela enfrentou a WTorre para cobrar a gestora do Allianz Parque e fazer com que pagasse a milionária dívida, fruto de repasses não feitos anteriormente. No mês passado, clube e empresa selaram a paz depois de uma década e celebraram um acordo.
Controversa coletiva fez Leila mudar de postura
Leila derrubou velhas lideranças e fez muitas alianças para ser eleita a primeira mulher presidente do Palmeiras há três anos. Conseguiu manter o amplo apoio que tem entre a maioria dos conselheiros durante seus três anos de mandato. Não sem, porém, arranhar sua imagem.
Até conselheiros de seu grupo político e apoiadores se revoltaram e se incomodaram com a desastrosa entrevista coletiva, de outubro de 2023, em que a presidente deu a entender que foram as empresas dela que reergueram o clube a partir de 2015 e que o Palmeiras voltaria à segunda divisão se seu sucessor não seguir o mesmo caminho que o que ela pavimentou.
“No dia que eu sair do Palmeiras, se entrar outro presidente que não siga esse mesmo caminho, eu não tenho dúvida nenhuma que o Palmeiras vai voltar a ser o que era em 2014″, dissera. Palmeirenses ilustres, da situação e da oposição, se incomodaram a ponto de mostrar em público o descontentamento. O ex-presidente Paulo Nobre, desafeto conhecido de Leila, foi um dos mais enfáticos ao escrever uma carta aberta para criticar a “arrogância e a soberba” da dirigente.
“O Palmeiras não foi fundado em 2015. Dizer que, antes da senhora e das suas empresas aqui chegarem, vivíamos apenas de sofrimento fala muito mais sobre sua ignorância rotineira do que sobre nossa trajetória”, escreveu o ex-presidente.
Leila nunca admitiu publicamente, mas a repercussão daquela entrevista a deixou mal. Ela até contratou uma conhecida empresa de gerenciamento de imagem que desenhou um plano para conter os danos. Passada a coletiva, ela mudou sua postura e, entre suas novas ações, passou a ser posicionar como uma “feminista light”. Em janeiro deste ano, resolveu organizar uma nova coletiva só com jornalistas mulheres.
Meses depois, quando foi chefe de delegação da seleção brasileira durante amistosos na Europa, foi contundente ao criticar o pacto da masculinidade e o silêncio dos homens sobre os casos de Robinho e Daniel Alves, ambos condenados por estupro. “Acho importante eu me posicionar. Cada caso de impunidade é a semente do crime seguinte”.
Jantar de R$ 500 mil
Leila é frequentemente questionada pela torcida e por parte dos conselheiros, que alegam haver conflito de interesses na administração da empresária, o que ela afirma não existir, e também pelas promessas não cumpridas, como a redução no valor dos ingressos. Outra acusação é de abuso de poder financeiro na campanha presidencial ao gastar o que o rival não tem para ser reeleita.
Os opositores afirmam ter havido falta de transparência na definição das regras eleitorais e dizem que Leila “usa a máquina” na disputa, com o trabalho de funcionários pagos pelo Palmeiras funções em sua campanha.
A candidata da situação gastou R$ 50 mil para montar um estande na sede social do clube, R$ 100 mil para alugar o ginásio para o show da banda Jota Quest, contratada para o aniversário de 60 anos da presidente, e R$ 20 mil para alugar duas vezes o restaurante no quinto andar do clube.
Leila organizou dois jantares - um no dia 6 e outro no dia 21 de novembro - para associados convidados a ouvirem suas propostas. Só no segundo jantar, o mais lotado, estiveram 1.523 pessoas. Havia fila para entrar. Era tanta gente que muitos saíram sem comer as pizzas oferecidas de graça pela presidente, além de cervejas, refrigerantes e sucos à vontade.
O restaurante no quinto andar do clube comporta cerca de 500 pessoas. Ficou completamente lotado e, como não havia mais espaço disponível, Leila decidiu ampliar o evento para o sexto andar e para o bar que fica no térreo. A estimativa é que ela tenha gastado R$ 500 mil apenas nesse segundo evento.
“O meu opositor nunca colocou um centavo aqui. O candidato da oposição não fez nada como diretor e agora diz que vai fazer”, disparou a mandatária, em referência a Savério. No mesmo encontro, ela elencou os “presentes” aos associados, como a reforma do centro aquático, do playground e da quadra de tênis, disse defender o Palmeiras “contra tudo e contra todos” e afirmou ser uma “feminista light”.
“Admiro todos e luto pelas mesmas oportunidades. Gosto e quero estar ao lado dos que me apoiam”, afirmou, antes de ser aplaudida pelos apoiadores.
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