Embora divulguem inúmeras ações de conscientização e mobilização, as principais ligas europeias ainda convivem com manifestações racistas. Na Inglaterra, por exemplo, a ONG Kick it Out aponta aumento de 32% nos casos na comparação entre as temporadas 2023 e 2022.
A mudança mais efetiva no continente foi provocada por um brasileiro. Depois dos seguidos protestos do atacante Vini Jr, vítima de 21 casos de discriminação com a camisa do Real Madrid, a Espanha condenou três torcedores à prisão no mês de maio. Foi a primeira condenação penal da história do país por racismo no futebol.
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”Não é fácil a luta que eu levo porque às vezes pode custar prêmios, mas minha luta é muito maior do que os prêmios, muito maior do que qualquer outra coisa, é sempre ajudar aos mais jovens e as pessoas que não têm voz”, disse o vencedor do prêmio The Best, dado ao melhor jogador do mundo pela Fifa, após o título do time merengue na Copa Intercontinental, no Catar, há duas semanas.
As determinações variam em cada país. Nos Estados Unidos, por exemplo, não há lei federal específica para “racismo no esporte”. Cada uma das ligas profissionais (NBA, NFL, MLB, MLS) estabelece regulamentos e códigos de conduta que incluem diferentes punições, como suspensão por tempo indeterminado, multa e rescisão de contrato em casos extremos.
Para Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, o racismo que acontece na Europa é diferente do que acontece na América Latina. “É preciso pensar o racismo em diferentes esferas. Não dá para achar que aquilo que se aplica na Europa vai funcionar da mesma fora no Brasil”, afirma.
Inglaterra
Mesmo com medidas efetivas, o campeonato inglês, o mais valorizado do mundo, ainda sofre com o racismo. De acordo com a ONG “Kick it Out”, que luta contra a discriminação, foram 1332 denúncias de racismo, sexismo, homofobia e xenofobia em 2023 e 2024, aumento de 32% em relação à temporada anterior. O racismo é a forma mais comum de discriminação.
O programa “No Room for Racism” (Sem Espaço para o Racismo), em ação desde 2021, monitora abusos online. Em fevereiro deste ano, o atacante Ivan Toney, do Brentford, foi alvo de insultos racistas – os autores foram identificados e punidos. Os clubes são responsáveis pela conduta dos torcedores, e as multas variam de 20 mil a 300 mil libras (R$ 123,5 mil a R$ 1,8 milhão).
Em fevereiro, Joel Barwise, torcedor do Everton, foi banido do futebol por três anos e terá de pagar multa de 500 libras (quase R$ 4 mil) por insultos a torcedores do Liverpool e ofensas de cunho racista dirigidos a Mohamed Salah, no dia 21 de outubro de 2023, pela Premier League.
“Gosto da ajuda mútua que acontece por lá, entre os sindicatos dos jogadores, a liga e a federação inglesa. Mesmo que os casos não tenham diminuído, existe uma mobilização grande”, afirma o diretor do Observatório da Discriminação Racial do Futebol, Marcelo Carvalho. “Recentemente, os atletas fizeram um boicote às redes sociais por causa das ofensas racistas. E contaram com o apoio dos clubes.”
Espanha
LaLiga apresenta denúncias à Comissão Estatal contra Violência, Racismo, Xenofobia e Intolerância do Ministério do Esporte e ao Ministério Público de cada província. A comissão, por sua vez, propõe punições administrativas. Infrações graves podem ir à justiça comum.
A atuação de Vinicius Junior, que se intitula “algoz dos racistas”, é um divisor de águas. Depois de sofrer 21 casos de insultos raciais, a Espanha teve a primeira condenação penal de sua história por racismo no futebol. Em maio, pouco mais de um ano depois dos incidentes no estádio Mestalla, em Valencia, três torcedores foram condenados a oito meses de prisão.
Clubes e jogadores têm falado abertamente sobre o assunto. Atualmente, a liga espanhola e os clubes promovem campanhas de conscientização para os torcedores. Uma delas é a “LaLiga vs Racism”, com canais de denúncia nas arquibancadas. Alguns estádios têm captação de áudio para identificação de insultos e atos racistas entre os torcedores.
Alemanha
As penas passam pela retirada de pontos do time mandante (ou condenado por racismo), suspensões, multas, jogos com portões fechados e rebaixamento. Mas atos racistas ocorrem em outros torneios, paralelamente ao campeonato alemão (Bundesliga). Em 2020, o Schalke 04 foi multado em 50 mil euros (R$ 236 mil na época) pelos cânticos racistas de parte de seus torcedores ao jogador Jordan Torunarigha, do Hertha Berlin, na Copa da Alemanha.
O Código Penal alemão tem trechos específicos sobre incitação ao ódio. Além disso, a Federação Alemã de Futebol (DFB) oferece treinamento obrigatório sobre diversidade para os clubes e aplica as punições esportivas. Casos extremos podem ser encaminhados à Justiça criminal.
Itália
Os clubes são responsáveis pelo comportamento dos torcedores e obrigados a tomar medidas preventivas. Em caso de primeira infração, a pena mínima é de um jogo com portões fechados.
Se o jogador cometer ato discriminatório, ele é suspenso por 10 jogos no mínimo e multado entre 10 mil e 20 mil euros. Os episódios de racismo são apurados pelos fiscais do Ministério Público Federal.
Relatório do Observatório Nacional de Eventos Esportivos do Ministério Interior da Itália, com dados da temporada 2022/23, registrou 126 incidentes de discriminação racial. Foi a primeira vez que o governo italiano analisou esse tema.
Brasil
De acordo com a legislação brasileira, racismo é crime com pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa. Desde fevereiro do ano passado, a CBF instituiu punições desportivas por racismo em competições brasileiras. Atualmente, existe multa de até R$ 500 mil, perda de mando de campo, jogo com portões fechados ou retirada de pontos.
“É importante reforçar que, no caso de racismo ou injúria racial, a conduta transcende a esfera esportiva e representa uma violação aos direitos humanos, justificando respostas mais severas por parte da legislação”, afirma o advogado criminalista Welington Arruda.
O Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003) prevê sanções específicas para condutas discriminatórias nos estádios, como a proibição de frequentar eventos esportivos por até 3 anos, além das penalidades criminais.
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