Assistir a partidas da Premier League pode ser uma experiência diferente para quem está habituado a acompanhar apenas o futebol brasileiro. Além de a forma de jogar ser diferente em certos aspectos, fica bastante claro o quanto os gramados dos estádios ingleses são mais bem cuidados do que a maioria dos campos do Brasil.
Não à toa, o dono da SAF do Botafogo, John Textor, indiciou que o modelo de solo utilizado nas arenas britânicas deve ser inspiração para o Brasil resolver seus dilemas relacionados ao assunto, no momento em que jogadores, liderados por Neymar, se movimentam contra o uso de gramado artificial. O americano defende o sintético do Engenhão, mas diz que, se for para proibir os sintéticos, que se adote um padrão consistente em todos os estádios.
“Não me importo em ter uma discussão sobre isso, mas não me venha com anedotas, jogadores mais velhos dizendo que os joelhos doem. Eles podem estar falando de outros gramados. Nosso gramado é confortável para jogadores jovens e velhos. No futuro, se houver uma mudança, deve haver padrões para grama natural”, afirmou Textor, depois da derrota para o Racing na decisão da Recopa Sul-Americana.

“Se eles decidirem se livrar do gramado artificial, devem subir o sarrafo do gramado natural. Eu sugiro o gramado desso, como temos na Premier League, é híbrido, 80% grama. Se vamos nos livrar do artificial, vamos mudar, vamos botar um gramado desso”, completou.
Textor conhece bem o desso - um dos tipos de híbrido - por ser acionista também do Crystal Palace, que tem esse tipo de gramado em seu estádio, o Selhurst Park. Em todo o futebol inglês, os gramados híbridos são a regra. Os sintéticos são proibidos, exceto para times da 5ª divisão, e os gramados totalmente naturais são de difícil manutenção em um país conhecido por seus poucos dias de sol e invernos cinzentos.
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Na segunda semana de fevereiro deste ano, algumas regiões da Grã-Bretanha não tiveram um minuto de sol sequer em sete dias, o que não acontecia desde 1979. Frames antigos de jogos do Campeonato Inglês, mostram gramados nas piores condições possíveis. Ora parecendo pastos, ora assemelhando-se a pistas de gelo.
Frente ao clima hostil, buscou-se a melhor solução para que os campos mantivessem um padrão de qualidade: utilizar grama natural reforçada com fibras artificiais de polietileno. Outro elemento importante da composição é a areia, que é depositada sobre uma camada de cascalho, combinada a tubos de drenagem, para ajudar a impedir alagamentos.
Foi no Reino Unido que as tecnologias de solo ligadas aos campos de futebol se desenvolveram. O autor do manual oficial da Fifa sobre manutenção de gramados, é um irlandês, Richard Hayden, que projetou uma série de campos ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Foi ele o responsável pela instalação do gramado da Neo Química Arena, estádio do Corinthians, considerado o dono de um dos melhores pisos para se jogar futebol no País.
Em Itaquera, o modelo é bem parecido ao visto na Inglaterra. Trata-se de um híbrido no qual 20 centímetros de fibra sintética estão inseridos no solo em que cresce a grama natural. Há, ainda, um sistema de refrigeração abaixo do solo.
O manual oficial da Fifa sobre manutenção de gramados indica três formas de reforçar a “zona da raiz” dos gramados:
- Híbrido costurado
Esses sistemas consistem em fibras alongadas de polipropileno ou polietileno que são costuradas verticalmente no perfil da zona da raiz do campo em várias profundidades e com espaçamento variável. As fibras devem, idealmente, permanecer 10-20 mm acima do nível da superfície para fornecer uma aparência verde para compensar a ausência de cobertura natural de grama.
- Relva híbrida
Os sistemas de reforço híbrido de carpete consistem em um carpete artificial com um suporte permanente ou degradável ao qual fibras de grama artificial são fixadas usando vários métodos. Os sistemas podem ser fornecidos como grama já cultivada fora do local e simplesmente instalados e preenchidos no local, ou podem ser colocados e estabelecidos in situ.
- Reforçado com fibra
Uma zona de raiz reforçada com fibras envolve a mistura de vários produtos sintéticos ou naturais, que, em sua forma convencional, são fios de material muito finos e alongados. Fibras de polipropileno eram tradicionalmente usadas para fornecer o reforço, mas outros materiais agora estão prontamente disponíveis. Alguns sistemas envolvem emendas que alteram as propriedades de desempenho mecânico da zona de raiz, incluindo sua firmeza e restituição de energia.
Cada caso é um caso
A porcentagem entre o natural e o sintético, assim como a tecnologia exata utilizada, nesses campos mistos variam de acordo com as condições de cada local e são ajustados conform as necessidade. Não existe, portanto, uma receita exata para o gramado ideal, mas há caminhos apontados pela ciência. Por isso, o manual da Fifa também faz algumas observações sobre possíveis dificuldades para encontrar soluções.
Entre elas, está o grande dilema dos times brasileiros que possuem gramados sintéticos em seus estádios, caso de Palmeiras, Botafogo e Athletico-PR, cujas arenas recebem quantidades consideráveis de shows. O Allianz Parque, casa alviverde, recebeu 32 shows em 2024.
“Em estádios que sediam eventos em uma base ad hoc e/ou onde o uso do campo para fins de futebol é inconsistente, geralmente será desafiador usar com sucesso sistemas de reforço mais permanentes e opções temporárias de curto prazo podem ter que ser consideradas”, diz o texto.
Há exemplos na própria Inglaterra, contudo, de estádios que mantêm o gramado em perfeitas condições. O tradicional estádio de Wembley recebeu, em 2024, para sediar até 54 eventos não esportivos por ano, um aumento de sete eventos em relação ao permitido anteriormente. A diferença em relação ao Allianz é que o número de jogos recebidos é bem menor, já que é a casa oficial apenas das seleções inglesas masculina e feminina.
Desde 2023, arena londrina possui um campo de grama híbrida da tecnologia ‘Lay and Play’, cultivada em uma fazenda de grama a quilômetros de distância do estádio. Depois que ficou pronto, mais de 720 rolos de grama foram colocados em vários caminhões e transportados para Wembley, antes de ser instalado.
“Lay and Play é um divisor de águas para um local multiuso como o Estádio de Wembley. Anteriormente, poderia levar até cinco semanas após um show para deixar um campo pronto para uma partida de futebol. Agora, isso pode ser feito em apenas cinco dias, disse o gerente de campo do Estádio de Wembley, Karl Standley, ne época da inauguração.
“Crescê-lo fora do local significa que podemos, em última análise, reduzir o tempo necessário entre os shows e o futebol para permitir que o campo se recupere, para que Wembley possa continuar a atender à demanda global para sediar eventos de classe mundial”, completou.
Mais tarde, em 2024, a equipe do Estádio de Wembley criou um processo em o que a parte sintética utilizada no modelo hibrido pode ser extraída do campo e reaproveitado. Na primeira iniciativa, criaram um banco, feito inteiramente de plástico retirado do campo.