Botafogo e Flamengo se enfrentam neste domingo, em Belém, pela Supercopa Rei. O duelo pode ser entendido como a consagração do futebol carioca, que deu uma guinada na atual década após anos de ostracismo na disputa por troféus. Desde 2020, times do Rio venceram sete dos 15 títulos mais importantes da temporada (Libertadores, Brasileirão e Copa do Brasil), contra seis conquistados pelas equipes de São Paulo, hegemônicas até então, e dois de Minas Gerais.
Nas últimas cinco temporadas, o Flamengo faturou quatro dos principais troféus: Brasileirão (2020), Libertadores (2022) e Copa do Brasil (2022 e 2024). Em 2023, o Fluminense foi o campeão da América, título conquistado no ano seguinte pelo Botafogo, que também levou o Campeonato Brasileiro na mesma temporada. O trio do Rio representará o Brasil no Mundial de Clubes junto do Palmeiras.
No mesmo período, o Palmeiras foi bicampeão da Libertadores (2020 e 2021) e do Brasileirão (2022 e 2023), além de vencer a Copa do Brasil (2020), título conquistado de maneira inédita pelo São Paulo em 2023.

Entre os fatores que explicam o protagonismo carioca está a consolidação de projetos. Há seis anos o Flamengo colhe os frutos da gestão de Eduardo Bandeira de Mello, que esteve à frente do clube entre 2013 e 2018. O mandato de austeridade do dirigente readequou as finanças do clube, alavancando a arrecadação, impulsionada pelo privilégio de ter 45 milhões de torcedores. As receitas do rubro-negro carioca superaram a marca de R$ 1 bilhão em 2024 pelo terceiro ano consecutivo.
Para reerguer o Flamengo, a gestão Bandeira não teve pudor em cortar diversos gastos, e finalmente negociou dívidas trabalhistas uma por uma. Em 2015, é criado o Profut, lei de responsabilidade fiscal do futebol que permitiu associações desportivas a parcelarem pendências fiscais a juros baixos. Já em 2018, último ano do mandato do reeleito Bandeira, o Flamengo quitou todas as dívidas trabalhistas. Com as pendências tributárias amortizadas pelo Profut, o clube viu uma oportunidade de aplicar no futebol parte da receita, incrementadas ao longo daquele período
A gestão de Rodolfo Landim (2019 - 2024) foi a responsável por nove das dez contratações mais caras da história do clube: Alcaraz (R$ 110,6 milhões, em 2024), Pedro (R$ 88,2 milhões, em 2020), Gerson (R$ 85,7 milhões, em 2023), Arrascaeta (R$ 79,5 milhões, em 2019), De La Cruz (R$ 77,7 milhões em 2024), Gabigol (R$ 78,6 milhões, em 2020), Everton Cebolinha (R$ 73 milhões, em 2022), Gerson (R$ 49,7 milhões, em 2019) e Luiz Araújo (R$ 48 milhões, em 2023).
Dispor de um elenco com grande qualidade técnica proporcionou ao Flamengo estar sempre “nas cabeças” independentemente de decisões equivocadas, como as trocas frequentes no comando técnico. Foram R$ 50 milhões gastos em multas rescisórias de treinadores durante a gestão Landim. Passaram pelo clube Jorge Jesus, Domenec Torrent, Rogério Ceni, Renato Gaúcho, Paulo Sousa, Dorival Júnior, Vitor Pereira, Jorge Sampaoli e Tite.
Uma das missões do novo presidente Luiz Eduardo Baptista, Bap, é justamente profissionalizar o departamento de futebol. O time atualmente é comandado por Filipe Luís, lateral-esquerdo recém aposentado que demonstrou ser um treinador promissor, e dispõe de um elenco experiente, com nomes como Alex Sandro e Danilo. Outra empreitada importante da nova diretoria será a construção do estádio do clube, que promete ser mais uma importante fonte de receita.
Ressurgimento das cinzas
Quando o botafoguense comemorou a permanência na primeira divisão em 2019, o sentimento era de esperança em um futuro melhor, com a promessa de uma grande reestruturação financeira e no organograma do clube. Contudo, o Botafogo viveu o pior ano de sua história na temporada seguinte, com um rebaixamento vexatório, na lanterna, e precisou garantir o acesso à primeira divisão até o Conselho Deliberativo aderir ao modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e negociar o ativo com a Eagle Holding, conglomerado multiclubes do magnata americano John Textor, em janeiro de 2022.
Para aquele ano, o Botafogo reformulou o elenco de maneira completa para garantir um desempenho satisfatório na Série A, e a vaga na Libertadores por pouco não foi alcançada sob o comando do técnico português Luis Castro. O objetivo da classificação à principal competição do continente acabou ficando em segundo plano em 2023 quando o time supreendentemente disparou na liderança. A possibilidade do título animou a torcida, mas as coisas desandaram quando Castro atendeu ao pedido de Cristiano Ronaldo e foi comandar o Al-Nassr, da Arábia Saudita. O clube chegou a abrir 13 pontos no topo da tabela, mas sem um técnico à altura, perdeu o título para o Palmeiras.
Em 2024, o Botafogo adotou postura agressiva nas janelas de transferências mirando o título das principais competições. Diferentemente de Ronaldo Fenômeno, que, por exemplo, adotou uma postura de austeridade quando comprou a SAF do Cruzeiro, Textor entendeu ser necessário investir forte no negócio para aumentar as receitas do clube e, a longo prazo, torná-lo sustentável.
Dispondo de um dos melhores departamentos de análise de mercado do País, a diretoria acertou com importantes nomes do times que estavam livres no mercado, como os zagueiros Bastos e Alexander Barboza, o lateral-esquerdo Alex Telles e o centroavante Igor Jesus, que virou camisa 9 da seleção brasileira. As ações foram mescladas com outros nomes de impacto, como os craques Thiago Almada (R$ 120,6 milhões) e Luiz Henrique (R$ 106,6 milhões), contratações mais caras da história do futebol nacional.
Sob o comando do treinador português Artur Jorge, o Botafogo viveu temporada excepcional em 2024, vencendo a Libertadores e o Brasileirão, feito que somente o Flamengo de 2019 realizou na era dos pontos corridos. Para 2025, o clube optou por não renovar com uma série de medalhões e fez a “roda girar” negociando Júnior Santos ao Atlético-MG por R$ 48 milhões, e Luiz Henrique, ao Zenit (RUS), por 35 milhões de euros (R$ 216 milhões). Os valores são todos administrados pela Eagle, que necessita resolver problemas financeiros do Lyon, outro clube da rede, que também recebeu Almada por empréstimo, movimento feito com a intenção de valorizar ainda mais o jogador. No momento, o Botafogo busca novo treinador após Artur Jorge aceitar oferta do Catar, e trabalha por reforços para encorpar o elenco.
Dinizismo
O sucesso do Fluminense campeão da Libertadores (2023) e da Recopa Sul-Americana (2024) pode ser explicado por um momento de sinergia muito forte entre time e treinador dentro das quatro linhas. Conhecido pela maneira inegociável de colocar o time para sair jogando com toques curtos desde o campo de defesa, Fernando Diniz viveu momento ímpar no tricolor carioca ao finalmente conseguir colocar em prática o seu estilo, considerado difícil de ser praticado pela necessidade de uma equipe de alto nível técnico.
Diniz também pôde contar com o que o Fluminense tem de melhor para alcançar o sucesso: a sua categoria de base. Oriundo, de Xerém, o volante André, atualmente no Wolverhampton, da Inglaterra, e alçado à seleção brasileira. O jogador era essencial para se desvencilhar de atacantes e organizar as ousadas saídas de bola. Marcelo, ídolo do Real Madrid, esbanjou técnica e, apesar de jogar na lateral, funcionou como um motor da equipe na conquista da Libertadores, que veio graças à estrela de John Kennedy, outro atleta da base tricolor, autor do gol do título na final contra o Boca. É impossível não destacar também as excelentes fases vividas pelo artilheiro Germán Cano e o atacante colombiano Jhon Arias.
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A derrocada do Fluminense coincidiu justamente com a saída de André. Nino, zagueiro que também era fundamental no modelo de jogo, foi vendido ao Zenit no início do ano passado. Marcelo caiu de desempenho e o time patinou, brigando até a última rodada para não ser rebaixado. Diniz não conseguiu repetir a receita, nem mesmo com a chegada de Thiago Silva, e foi demitido do maus resultados e foi demitido. Foram 151 partidas, com 75 vitórias, 31 empates e 45 derrotas. Seu jeito único de jogar não rendeu no Cruzeiro, clube que também sacou o treinador na última semana.
Com Mano Menezes à beira do gramado, o tricolor carioca ainda busca sua melhor versão em 2025 para voltar a ser competitivo. O clube teve ganhou a corrida de outros clubes na contratação de nomes importantes, como o promissor volante Hércules, do Fortaleza, e o atacante Agustín Canobbio, do Athletico-PR. A diretoria também voltou a apostar em Xerém, repatriando o zagueiro Kaiky e o goleiro Marcelo Pitaluga, além de dar espaço ao centroavante Kauã Elias e o meia-atacante Riquelme Felipe.