A partir de julho, ou antes até, como no Estado do Rio de Janeiro, a bola deve voltar a rolar nos campos de futebol brasileiro. O desafio será entender e aceitar que máscaras, álcool em gel e luvas (além das de goleiro) serão tão corriqueiros quanto uniformes, bola e gols. É o novo futebol pós-pandemia. Estamos distantes ainda de afastar o novo coronavírus do País, por isso que á dúvida é saber como será o futebol que deve se perpetuar por um longo tempo ainda - não há previsão de cura nem de vacina para a doença nesta temporada.
O Estadão ouviu médicos e psicólogo do esporte para entender o que será do futebol brasileiro daqui em diante. Dois pontos foram unânimes: a necessidade de uma reorganização para a realização de jogos com torcedores e também o fato de ser preciso paciência para voltar ao que era "antes" do surgimento do novo coronavírus.
Usar máscara se tornará algo comum no esporte, apesar das restrições durante os jogos. Nos estádios, elas serão apetrechos obrigatórios. "A retomada deve ser lenta e gradual. Treinos com grupos menores. O ideal seria que os atletas usassem máscara até mesmo durante os jogos, mas sabemos que isso é muito difícil", disse o infectologista Jean Gorinchteyn, que trabalha no hospital Emílio Ribas e no hospital Albert Einstein. "Além da troca constantes, porque a máscara ficaria úmida muito rapidamente, isso poderia impactar no rendimento do jogador, quanto à sua respiração", completou.
Divididas, carrinhos e até comemoração de gols são lances em que há contatos inevitáveis. Eliseu Alves Waldman, epidemiologista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, destaca a importância de os clubes saberem quais atletas já foram contaminados. Embora não há 100% de certeza de que esses estarão imunes, quem já contraiu a covid-19 possui anticorpos contra a doença, pelo menos por enquanto. Pesquisa diz que 90% dessas pessoas produziram defesas naturais no organismo.
"A primeira coisa para voltar o futebol é conhecer a situação da equipe. Quem está imune e quem deverá ser monitorado constantemente", explicou o médico, que destacou ainda: "Mas isso há custos".
A primeira coisa para voltar o futebol é conhecer a situação da equipe. Quem está imune e quem deverá ser monitorado constantemente
Eliseu Alves Waldman, epidemiologista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP
Os desencontros de informações e até as fake news são pontos que ajudam a criar a preocupação e o clima de terror entre os jogadores. "Enquanto não tiver uma organização, o futebol vai abrir um leque de incertezas em todos os envolvidos. Com o tempo, as pessoas vão começando a relaxar e voltam ao que era antes. É preciso uma normativa para auxiliar e preparar atletas e clubes para a volta", alertou Luiz Eduardo D'Almeida Manfrinati, psicólogo do Sindicato dos Atletas de São Paulo.
Decisão em campo e medo fora dele
Muitos Estaduais voltarão em uma fase decisiva. No Paulistão, por exemplo, serão disputadas mais duas rodadas classificatórias e depois começa o mata-mata. E como preparar a cabeça de um jogador para o clima de decisão em meio a pandemia e depois de ficar mais de três meses sem jogar? "É complicado. Um levantamento feito por algumas faculdades mostram que a questão familiar é algo fundamental para muitos jogadores. Há o medo de infectar alguém em casa e, em razão disso, é preciso haver uma psicoeducação para os atletas se sentirem confiantes em voltar a treinar e jogar e saber que precisam estar bem para seguir adiante nas competições", explicou o psicólogo.
Há o medo de infectar alguém em casa e, em razão disso, é preciso haver uma psicoeducação para os atletas se sentirem confiantes em voltar a treinar
Luiz Eduardo D'Almeida Manfrinati, psicólogo do Sindicato dos Atletas de São Paulo
O fato é que a partir de agora, o normal será algo diferente do "normal de antes". Tanto que há uma intenção da Federação Paulista de concentrar todos os times em um local específico para a disputa do Paulistão o mais rapidamente possível. Como uma Copa do Mundo. A ideia não conta com apoio dos médicos e psicólogo.
"É preciso seguir o protocolo em todos os jogos e ter muita disciplina. Além disso, para não correr o risco de levar doença para casa, o jogador deveria ficar 14 dias isolado após a última partida do time", disse Eliseu. Para médico Jean, a medida até pode ser adotada, mas não neste momento e será preciso uma avaliação regional. "Os números ainda não nos favorecem. Em algumas regiões, os números parecem um pouco mais estabilizados, mas é preciso muito cuidado ainda".
Os números ainda não nos favorecem. Em algumas regiões, os números parecem um pouco mais estabilizados, mas é preciso muito cuidado ainda
Jean Gorinchteyn, infectologista do hospital Emílio Ribas e do Albert Einstein
Luís Eduardo alerta para o fato de alguns atletas poderem reagir de forma negativa com a possibilidade deste confinamento. "É uma decisão controversa e polêmica. Há jogadores que podem ficar entediados, outros que ficarão tensos por não estar perto da família neste momento em que ainda não estamos 100% seguros. Enquanto não tivermos um sistema de saúde que permita ter um respaldo caso aconteça algo, ficará complicado."
O psicólogo tem atendido vários jogadores nas últimas semanas. A maioria dos casos é de ansiedade, depressão de humor e incerteza sobre o futuro. "Esperamos que os atletas possam ver essa reportagem e saber que podem procurar o Sindicato, que temos como ajudá-los", destacou Luís Eduardo.
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