A movimentação de personalidades do esporte em defesa da Lei de Incentivo ao Esporte obrigou o Ministério do Esporte a se manifestar sobre o PL 210/2024, um dos projetos que integra a propostas de ajustes fiscais do governo. O texto prevê a suspensão de benefícios e incentivos em caso de déficit. A proposta será votada com urgência na Câmara dos Deputados. Ela é, contudo, apenas uma das muitas intervenções do Congresso Nacional no setor esportivo, impactado por leis e “chacoalhado” por Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), no Senado.
O futebol é o principal tema das CPIs do esporte. Diferentes versões da “Bancada da Bola” agiram contra e pró-interesses da CBF. No começo dos anos 2000, duas comissões (do Futebol e da Nike) confrontaram a entidade máxima, ainda que tenham acabado sem publicação de relatórios e com investigações arquivadas.
Os anos seguintes foram de estreitamento da CBF com congressistas, quase sempre personalidades como ex-jogadores e dirigentes de clubes. A eleição de 2018 foi um marco na reconfiguração da bancada da bola. Nomes como Romero Jucá, acusado de abafar a CPI do Futebol no começo dos anos 2000, não conseguiram a reeleição. Outros casos, como o do ex-deputado federal e ex-presidente do Corinthians Andrés Sanchez, foram de desistência na disputa do pleito.
A remodelação da influência da CBF foi menos com nomes do mundo do futebol no Congresso e com aproximação da entidade com lideranças políticas, inclusive no Executivo, algo que vinha em baixo desde o fim do governo Lula. Essa convergência, porém, foi afetada por escândalos de corrupção, que culminaram na suspensão pela Fifa de Marco Polo Del Nero, José Maria Marin e Ricardo Teixeira.
A CPI da Máfia do Futebol, motivada por esses casos, tentou aumentar a transparência nas eleições de entidades esportivas. O resultado não é visto na prática. Atualmente, a CBF é mais pauta no Judiciário, com o presidente Ednaldo Rodrigues dependendo de um julgamento do STF para permanecer no cargo, justamente por confusões eleitorais.
Na avaliação do sócio da Ambiel Advogados e especialista em Direito Desportivo, Marcel Belfiore, ainda que as CPIs tenham relevância, o impacto delas é restrito e, por vezes, performático. “É importante, já que traz luz em temas que precisam ser tratados a partir da CPI. Uma conclusão pode gerar uma discussão legislativa. Punição não ocorre, inclusive em casos mais graves além do esporte. É o próprio circo. Membros do Congresso mostram à sociedade a sua atuação em determinado tema”, avalia.
Recentemente, as apostas esportivas, impulsionada pelas bets online, foram temas das CPIs da Manipulação do Futebol e da ainda corrente das Apostas Esportivas (CIPMJAE). A primeira contribuiu para a discussão de regulamentação das empresas das bets, que toma seus primeiros passos desde outubro.
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A outra ainda prevê oitivas e tem o prazo final para fevereiro. O senador Jorge Kajuru (PSB-GO) é presidente da comissão e acredita que o papel do Senado passa pela investigação de determinados fatos, mas que depende de um trabalho continuado por Ministério Público ou Advocacia-Geral da União. Ele ainda lamenta que “injunções políticas” impeçam parte dos trabalhos, por exemplo, na CPI da Nike, sem relatório votado.
“A CIPMJAE, que presido e tem Romário (PL-RJ) como relator, levantou informações detalhadas sobre manipulação de resultados em jogos de futebol relacionados a apostas esportivas, colhidas em depoimentos e documentos. Elas serão tornadas públicas em fevereiro de 2025, quando votaremos o relatório final. Faremos também propostas de mudanças na legislação esportiva”, disse Kajuru ao Estadão.
O senador debate com o governo federal para que as apostas sejam limitadas aos resultados das partidas, sem permitir jogos em cartões, expulsões e penalidades, por exemplo. ”Acredito que tal medida, adotada, limitará bastante a ação de apostadores, financiadores, aliciadores e atletas que se dedicam a ganhar dinheiro com a dobradinha jogos manipulados”, projeta.
Lei Geral do Esporte contrasta com Lei Pelé e cria ‘monstrinho’, diz especialista
Sancionada em 2023, a Lei Geral do Esporte pretendia cobrir toda legislação esportiva do País. O processo para avaliação da proposta, porém, tomou um período longo e alterou pontos que a descaracterizaram.
Na visão do advogado Marcel Belfiore, a demora em análises, deixou a lei desatualizada. “Como ficou muito tempo parado, ele (o projeto) acabou não se modernizando. Se o processo legislativo é lento, naturalmente, ele estará desatualizado”, pontua.
“Na sanção presidencial, teve itens que foram vetados pelo presidente. No fim, a LGE não revogou a Lei Pelé, mesmo que em vários aspectos a substitua. Em outros, elas se contradizem, e vale a mais nova. Há situações em que as duas estão em vigor”, aponta.
Nesses casos, é necessário consultar as duas leis. “É um ‘monstrinho’ que já cria dificuldades para verificar o que se aplica. Por exemplo, na atuação do agente. A Lei Pelé nunca tratou isso. A Lei Geral do Esporte coloca como regulação pelas entidades esportivas”, exemplifica Belfiore.
Novo regime fiscal pode suspender Lei de Incentivo e preocupa meio esportivo
O projeto de lei 210/2024 prevê alterações no regime fiscal, buscando estabilidade e crescimento socioeconômico. O relator é o líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE). Na semana passada, foi aprovada a votação com urgência, para que aconteça ainda em 2024.
“(É) para darmos um sinal de que este Congresso tem responsabilidade com o País e não com o governo”, afirmou Guimarães, sobre a possibilidade de apreciar o projeto já no Plenário, sem passar pelas comissões.
O projeto prevê que não serão concedidos, ampliados ou prorrogados benefícios e incentivos fiscais caso o governo federal tenha déficit primário. Outro caso é o de que as despesas discricionárias do governo caiam de um ano para outro.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal, projeta que o déficit fiscal deve perdurar pelos próximos dez anos. O governo tem meta zero de resultado primário em 2024 e 2025. A projeção aponta endividamento público de 98,6% do PIB em 2033, e 100,6% do PIB em 2034.
A Lei de Incentivo de ao Esporte, com previsão de expirar em 2027, não poderia ser renovada. Mais do que isso, poderia ser suspensa já no primeiro caso de déficit após a aprovação do PLP 210/2024.
Foram convidados os ministros da Fazenda e do Esporte, Fernando Haddad e André Fufuca, para prestar esclarecimentos à Comissão do Esporte. O pedido foi feito pela deputada Roberta Roma (PL-BA).
Segundo a Diretoria de Programas e Políticas de Incentivo ao Esporte, foram apresentados 5.883 projetos em 2023, sendo 2.851 da Manifestação Educacional, 1.714 da Manifestação de Rendimento/Formação e 1.318 da Manifestação de Participação. As três modalidades esportivas mais apresentadas no ano passado foram futebol (2.488), basquete (668) e voleibol (514).
Em nota, o Ministério do Esporte negou que a LIE será extinta. “Essa legislação permite que pessoas físicas e jurídicas destinem parte do imposto de renda devido ao patrocínio de projetos esportivos, contribuindo de forma significativa para o desenvolvimento do esporte no Brasil”, explica a pasta, que afirmou reforçar seu compromisso com o fortalecimento de políticas públicas no setor.
O projeto, porém, já havia mobilizado personalidades do esporte, que pediram que o PLP 210 não inclua a LIE. “Tal medida representaria um retrocesso sem precedentes para o esporte nacional”, escreveu o Comitê Olímpico do Brasil (COB), em nota.
“Estes recursos são fundamentais em ações que promovem a prática esportiva em todo o país, tornando-a acessível a crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. No topo da cadeia, são essenciais para que atletas olímpicos atinjam sua máxima performance”, diz o texto.
Ex-ministra do Esporte, Ana Moser também se manifestou sobre o projeto. “Isso seria o maior retrocesso à exclusão social por meio do esporte. Pedimos que os parlamentares retirem a LIE dos impactos do PLP 210/2024″, falou, em vídeo publicado no Instagram.
Apesar da urgência e do PLP já ter designado o deputado Átila Lira (PP-PI) como relator, ainda não há data prevista para a votação.