CPIs e novas leis: como o Congresso Nacional impacta o esporte há mais de duas décadas

Ameaça à Lei de Incentivo ao Esporte é uma das muitas intervenções do Congresso no meio esportivo, entre CPIs performáticas de pouco têm efetividade e leis que criam confusões

PUBLICIDADE

Foto do author Leonardo Catto
Atualização:

A movimentação de personalidades do esporte em defesa da Lei de Incentivo ao Esporte obrigou o Ministério do Esporte a se manifestar sobre o PL 210/2024, um dos projetos que integra a propostas de ajustes fiscais do governo. O texto prevê a suspensão de benefícios e incentivos em caso de déficit. A proposta será votada com urgência na Câmara dos Deputados. Ela é, contudo, apenas uma das muitas intervenções do Congresso Nacional no setor esportivo, impactado por leis e “chacoalhado” por Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), no Senado.

PUBLICIDADE

O futebol é o principal tema das CPIs do esporte. Diferentes versões da “Bancada da Bola” agiram contra e pró-interesses da CBF. No começo dos anos 2000, duas comissões (do Futebol e da Nike) confrontaram a entidade máxima, ainda que tenham acabado sem publicação de relatórios e com investigações arquivadas.

Os anos seguintes foram de estreitamento da CBF com congressistas, quase sempre personalidades como ex-jogadores e dirigentes de clubes. A eleição de 2018 foi um marco na reconfiguração da bancada da bola. Nomes como Romero Jucá, acusado de abafar a CPI do Futebol no começo dos anos 2000, não conseguiram a reeleição. Outros casos, como o do ex-deputado federal e ex-presidente do Corinthians Andrés Sanchez, foram de desistência na disputa do pleito.

Romário e Jucá protagonizaram embates na CPI do Futebol, em 2016, que terminou com dois relatórios, após divergências. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

A remodelação da influência da CBF foi menos com nomes do mundo do futebol no Congresso e com aproximação da entidade com lideranças políticas, inclusive no Executivo, algo que vinha em baixo desde o fim do governo Lula. Essa convergência, porém, foi afetada por escândalos de corrupção, que culminaram na suspensão pela Fifa de Marco Polo Del Nero, José Maria Marin e Ricardo Teixeira.

Publicidade

A CPI da Máfia do Futebol, motivada por esses casos, tentou aumentar a transparência nas eleições de entidades esportivas. O resultado não é visto na prática. Atualmente, a CBF é mais pauta no Judiciário, com o presidente Ednaldo Rodrigues dependendo de um julgamento do STF para permanecer no cargo, justamente por confusões eleitorais.

Ednaldo Rodrigues foi reconduzido ao cargo pelo STF, mas depende de novo julgamento, parado desde outubro, para permanecer. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Na avaliação do sócio da Ambiel Advogados e especialista em Direito Desportivo, Marcel Belfiore, ainda que as CPIs tenham relevância, o impacto delas é restrito e, por vezes, performático. “É importante, já que traz luz em temas que precisam ser tratados a partir da CPI. Uma conclusão pode gerar uma discussão legislativa. Punição não ocorre, inclusive em casos mais graves além do esporte. É o próprio circo. Membros do Congresso mostram à sociedade a sua atuação em determinado tema”, avalia.

Recentemente, as apostas esportivas, impulsionada pelas bets online, foram temas das CPIs da Manipulação do Futebol e da ainda corrente das Apostas Esportivas (CIPMJAE). A primeira contribuiu para a discussão de regulamentação das empresas das bets, que toma seus primeiros passos desde outubro.

A outra ainda prevê oitivas e tem o prazo final para fevereiro. O senador Jorge Kajuru (PSB-GO) é presidente da comissão e acredita que o papel do Senado passa pela investigação de determinados fatos, mas que depende de um trabalho continuado por Ministério Público ou Advocacia-Geral da União. Ele ainda lamenta que “injunções políticas” impeçam parte dos trabalhos, por exemplo, na CPI da Nike, sem relatório votado.

Publicidade

“A CIPMJAE, que presido e tem Romário (PL-RJ) como relator, levantou informações detalhadas sobre manipulação de resultados em jogos de futebol relacionados a apostas esportivas, colhidas em depoimentos e documentos. Elas serão tornadas públicas em fevereiro de 2025, quando votaremos o relatório final. Faremos também propostas de mudanças na legislação esportiva”, disse Kajuru ao Estadão.

Diretor de competições, Júlio Avellar, e oficial de integridade da CBF, Eduardo Gussem, foram dois dos depoentes da CPI das Apostas Esportivas, presidida pelo senador Kajuru. Foto: Wilton Júnior/Estadão

O senador debate com o governo federal para que as apostas sejam limitadas aos resultados das partidas, sem permitir jogos em cartões, expulsões e penalidades, por exemplo. ”Acredito que tal medida, adotada, limitará bastante a ação de apostadores, financiadores, aliciadores e atletas que se dedicam a ganhar dinheiro com a dobradinha jogos manipulados”, projeta.

Lei Geral do Esporte contrasta com Lei Pelé e cria ‘monstrinho’, diz especialista

Sancionada em 2023, a Lei Geral do Esporte pretendia cobrir toda legislação esportiva do País. O processo para avaliação da proposta, porém, tomou um período longo e alterou pontos que a descaracterizaram.

Na visão do advogado Marcel Belfiore, a demora em análises, deixou a lei desatualizada. “Como ficou muito tempo parado, ele (o projeto) acabou não se modernizando. Se o processo legislativo é lento, naturalmente, ele estará desatualizado”, pontua.

Publicidade

“Na sanção presidencial, teve itens que foram vetados pelo presidente. No fim, a LGE não revogou a Lei Pelé, mesmo que em vários aspectos a substitua. Em outros, elas se contradizem, e vale a mais nova. Há situações em que as duas estão em vigor”, aponta.

Nesses casos, é necessário consultar as duas leis. “É um ‘monstrinho’ que já cria dificuldades para verificar o que se aplica. Por exemplo, na atuação do agente. A Lei Pelé nunca tratou isso. A Lei Geral do Esporte coloca como regulação pelas entidades esportivas”, exemplifica Belfiore.

Novo regime fiscal pode suspender Lei de Incentivo e preocupa meio esportivo

O projeto de lei 210/2024 prevê alterações no regime fiscal, buscando estabilidade e crescimento socioeconômico. O relator é o líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE). Na semana passada, foi aprovada a votação com urgência, para que aconteça ainda em 2024.

(É) para darmos um sinal de que este Congresso tem responsabilidade com o País e não com o governo”, afirmou Guimarães, sobre a possibilidade de apreciar o projeto já no Plenário, sem passar pelas comissões.

Publicidade

O projeto prevê que não serão concedidos, ampliados ou prorrogados benefícios e incentivos fiscais caso o governo federal tenha déficit primário. Outro caso é o de que as despesas discricionárias do governo caiam de um ano para outro.

Lei de Inventivo ao Esporte expira em 2027, mas pode ser suspensa antes em caso de déficit público. Foto: Abelardo Mendes Jr/Ministério do Esporte

A Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal, projeta que o déficit fiscal deve perdurar pelos próximos dez anos. O governo tem meta zero de resultado primário em 2024 e 2025. A projeção aponta endividamento público de 98,6% do PIB em 2033, e 100,6% do PIB em 2034.

A Lei de Incentivo de ao Esporte, com previsão de expirar em 2027, não poderia ser renovada. Mais do que isso, poderia ser suspensa já no primeiro caso de déficit após a aprovação do PLP 210/2024.

Foram convidados os ministros da Fazenda e do Esporte, Fernando Haddad e André Fufuca, para prestar esclarecimentos à Comissão do Esporte. O pedido foi feito pela deputada Roberta Roma (PL-BA).

Publicidade

Segundo a Diretoria de Programas e Políticas de Incentivo ao Esporte, foram apresentados 5.883 projetos em 2023, sendo 2.851 da Manifestação Educacional, 1.714 da Manifestação de Rendimento/Formação e 1.318 da Manifestação de Participação. As três modalidades esportivas mais apresentadas no ano passado foram futebol (2.488), basquete (668) e voleibol (514).

Em nota, o Ministério do Esporte negou que a LIE será extinta. “Essa legislação permite que pessoas físicas e jurídicas destinem parte do imposto de renda devido ao patrocínio de projetos esportivos, contribuindo de forma significativa para o desenvolvimento do esporte no Brasil”, explica a pasta, que afirmou reforçar seu compromisso com o fortalecimento de políticas públicas no setor.

O projeto, porém, já havia mobilizado personalidades do esporte, que pediram que o PLP 210 não inclua a LIE. “Tal medida representaria um retrocesso sem precedentes para o esporte nacional”, escreveu o Comitê Olímpico do Brasil (COB), em nota.

“Estes recursos são fundamentais em ações que promovem a prática esportiva em todo o país, tornando-a acessível a crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. No topo da cadeia, são essenciais para que atletas olímpicos atinjam sua máxima performance”, diz o texto.

Publicidade

Ex-ministra do Esporte, Ana Moser também se manifestou sobre o projeto. “Isso seria o maior retrocesso à exclusão social por meio do esporte. Pedimos que os parlamentares retirem a LIE dos impactos do PLP 210/2024″, falou, em vídeo publicado no Instagram.

Apesar da urgência e do PLP já ter designado o deputado Átila Lira (PP-PI) como relator, ainda não há data prevista para a votação.