Criar falcões é estilo de vida e tradição no Catar; ave de rapina tem até hospital exclusivo

Prática ancestral, de quando o país da Copa do Mundo ainda era um deserto habitado por tribos beduínas, hoje possui uma sociedade protetora da espécie

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Por Elcio Padovez

Os falcões são uma das tradições que o Catar, país da Copa do Mundo, desenvolveu ao longo de sua história, que eles fazem questão de preservar e é considerada pela Unesco como herança imaterial. A veneração por eles, que eram responsáveis por caçar presas no deserto para que tanto a ave quanto os beduínos se alimentassem juntos, também se desenvolveu em outras regiões da Península Arábica. Hoje, a caça é feita de maneira recreativa, na época do inverno, que vai de setembro a março, e dentro de competições oficiais.

Eles também se tornaram símbolo de status e muitas famílias ricas, incluindo a real catariana, possui seus exemplares das raças hurr e shaheen e quando viajam pelo mundo para participar de competições, reservam assentos na classe executiva de aviões para que funcionários do governo transportem as aves no maior conforto possível e fora de gaiolas. A arte da falcoaria no Catar também possui uma sociedade protetora em cuidados e legado a novas gerações, além de hospitais e clínicas veterinárias especializados na espécie.

SOCIEDADE DO FALCÃO

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Fundada em 2008, a Sociedade Al Gannas nasceu intuito de preservar a tradição da falcoaria no Catar, estimular o cuidado com as aves e promover torneios e exibições que duram todo o ano. “Amamos falcões e cria-los é uma das formas de mantermos nossas raízes vivas. Além disso, temos preocupação ambiental e após a temporada, recolhemos alguns animais utilizados e após uma análise de um especialista, viajamos pela região para soltar as aves em seus lugares de origem. Foram cerca de 200 até hoje. Assim, garantimos a continuidade delas”, aponta o presidente da instituição, Ali Bin Khaten Al-Mashadi.

Os falcoeiros também mantêm pesquisas em parceria com a Universidade do Catar, desenvolvem um programa pioneiro de genética para monitorar como os falcões estão indo na natureza e possuem uma biblioteca com mais de 400 livros sobre falcoaria em árabe, inglês e outros idiomas no centro em que mantém a associação, em um prédio em formato de venda para olhos da ave, localizado na região da Katara. Dentro do país, há fazendas no centro do país e norte que criam falcões para comércio, tanto interno quanto externo.

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Mercado onde é possível comprar dos falcões no Catar  Foto: Elcio Padovez / Estadão

“É fácil comprar um falcão, mas nem todos os que compram são falcoeiros. É preciso aprender processos e técnicas para que o animal se familiarize com as pessoas ao redor, seja bem cuidado e treinado.”

Os Al Gannas organizam, entre janeiro e fevereiro, o Festival Marmi, o maior dedicado a falcões no Catar, no qual a ave disputa corridas aéreas com pombos e há concursos de habilidade e beleza. A associação também promove corridas com os cachorros árabes, os salukis, que junto do camelo e do falcão, formavam o trio de animais favoritos dos beduínos de antigamente, enquanto eles enfrentavam condições adversas para sobreviver no deserto e buscar comida e água.

TRATAMENTO VIP

Também em 2008, o governo do então emir, Hamad bin Khalifa Al-Thani, decidiu pela criação de um hospital dedicado exclusivamente para o cuidado da população nacional de falcões. Atualmente, existem duas unidades no país: uma em Doha, que tem servido mais como centro educativo, de exposição para turistas e para as primeiras orientações quando alguém chega com uma ave doente. Alguns dos motivos, segundo a direção do local, são que, por ele estar dentro do maior mercado da capital, haver um grande tráfego de pessoas por conta da Copa do Mundo e dificuldade para se estacionar o carro, foi tomada a decisão de ele servir, temporariamente, como ponto de orientação para os tutores que chegam com uma ave em busca de ajuda.

Caso seja recomendado algum procedimento, o dono do falcão precisa dirigir a outra unidade do hospital, na cidade de Al-Khor, distante 30km da capital, onde são oferecidos check-up, cirurgias e tratamentos. O microbiologista indiano Prasun Ibrahin, que trabalha a uma década na instituição, conta que são disponibilizados cerca de 100 serviços, como análises médicas, higiene das penas e pedicure, por exemplo. Na alta temporada, que vai de setembro a março, chegam a atender 200 falcões diariamente.

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Os procedimentos são pagos, apesar de o governo ter criado os hospitais. Não há plano de saúde para falcões e uma ave da espécie que seja saudável chega a viver, em média, 25 anos.

A falcoaria é uma prática ancestral, quando o Catar ainda era um deserto habitado por tribos beduínas Foto: Elcio Padovez / Estadão

COMO COMPRAR UM

Dentro do Souq Wakif, há um setor dedicado apenas para o comércio desse tipo de ave e de itens para a criação dela. 16 lojas se espalham pelos corredores do mercado e os falcões que podem ser comprados ali, por qualquer pessoa que tenha interesse, custam inicialmente o valor de 5.000 rial (R$7.450) e são importados e não treinados de países como Irã e Azerbaijão, de acordo com o comerciante Hassek Shinrai. Há animais que chegam a custar o dobro, dependendo da espécie, da beleza e do pedigree. Um kit básico, com todos os itens que são necessários para se cria-lo, como luvas para proteger as mãos das garras, cordas próprias e venda com chapéu que cobre os olhos do animal, para ele não ficar agitado, custa 500 rial (R$745) aproximadamente e dependendo da qualidade dos itens. Um falcão também come, em média, 3kg de carne por dia. Os que não vivem na natureza costumam ser alimentados com frango.

Prasun explica que, após se comprar um falcão no mercado, é preciso levá-lo ao hospital para se fazer um check-up completo, para se checar o estado de saúde do animal, se ele tem alguma doença. Se o caso for de um comprador não-catariano, é preciso que ele cheque as leis do país de origem para importação de aves para ver se é possível levar um falcão para casa. Esse tipo de ave não é só comum no Oriente Médio e na Ásia. Há clubes de falcoaria na América do Norte, Europa e quatro no Brasil, sendo um em Penha (SC), Foz do Iguaçu (PR), Camanducaia (MG) e Campinas (SP).

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