CT de elite, ambiente familiar e ‘ares’ do interior fazem Mirassol colher acesso à Série A; assista

Time do interior paulista conta com estrutura de ponta que custou R$ 15 milhões, com parte bancada por venda de joia formada no clube

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Foto do author Leonardo Catto
Atualização:

A estrutura de ponta contrasta com ares de interior. A área de 1,5 mil m² do centro de treinamento do Mirassol fica em uma região afastada do centro, próximo da divisa com São José do Rio Preto. É na cidade vizinha, inclusive, que os clubes visitantes vão pousar para jogar contra o novato da Série A em 2025, já que o município em si não dispõe de um aeroporto.

O ambiente familiar é amplificado pelo pátio que integra alojamentos a outras instalações. A sombra de um coreto tomado de plantas e flores - amarelas como o Mirassol - criam um espaço de confraternização. Também é um alívio para o calor do noroeste paulista. Até os pássaros que por ali passam ostentam as cores do clube.

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Para quem sai de carro de São Paulo e vai a Mirassol, o tempo desacelera - e não somente pelas quase seis horas de estrada. Por outro lado, parece que o Mirassol pôde viver uma vida inteira em seis anos. Em 2019, quando o CT foi inaugurado, e o clube sequer tinha divisão.

Primeiro, em 2020, veio o título da Série D. Em 2022, a conquista da Série C. Na primeira participação na Série B, o acesso escapou por um ponto. Em 2024, essa foi a diferença para o campeão Santos. Aos 100 anos, o Mirassol jogará a Série A pela primeira vez e chegou até lá do modo que as coisas acontecem no interior: sem pressa.

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Kayky Figueiredo de Souza tem 18 anos e há quatro saiu de casa, no Rio, para viver sozinho e realizar o sonho de ser jogador de futebol. Ele já passou pelo Paraná e outras partes do interior de São Paulo, até chegar no Mirassol, em agosto de 2023. O garoto é um dos atletas de base que mora no centro de treinamento do clube, inaugurado em 2019, graças à venda de Luiz Araújo, joia revelada por lá, em negócio do São Paulo com o Lille, da França.

“Poucos lugares têm isso aqui. É um ambiente que todo mundo se ajuda. Todos acolhem”, resume Kayky à reportagem do Estadão, que visitou o CT no começo de dezembro. O local virou trunfo para o clube da base ao profissional e fez parte da ascensão que o levou à Série A.

Goleiro, Kayky divide o quarto no alojamento da base com mais três colegas. Ao todo, o CT tem 14 suítes para atletas do sub-11 ao sub-20 e conta com mais dez suítes que podem abrigar 20 atletas, para concentração do elenco profissional e comissão técnica. A capacidade total é de 96 hóspedes.

Área de convivência converge diferentes pontos do CT em espaço com "ares de interior". Foto: Alex Silva/Estadão

“O CT é local de trabalho da equipe. Você ter condições com mais aceite, tem melhores resultados. O CT é certamente de grande importância nessa caminhada, principalmente na formação de atletas”, avalia o presidente Edson Antonio Ermenegildo, há 30 anos na gestão do Mirassol, sobre o impacto do local na ascensão recente.

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A estrutura é um diferencial. Quando se entra na academia, logo surgem equipamentos de recuperação da Max Recovery, empresa que fornece materiais também para os comitês Olímpico do Brasil (COB) e Paralímpico Brasileiro (CPB) e ao Bahia, do Grupo City.

Ali também fica um dos aparelhos mais caros, o Kineo, que custa cerca de R$ 400 mil. Ele serve para avaliação e fortalecimento muscular. Na parte de fisiologia, o protocolo diário é acompanhado de imagens via câmera térmica, e a reabilitação conta com equipamentos de laserterapia, magnetismo, ultrassom e relaxamento, no sentido de auxiliar cicatrização e aliviar dores.

Uma “estrela” tem outra sala somente para si. O Mirassol foi o primeiro clube da América Latina a comprar uma câmara de flutuação, por cerca de R$ 110 mil. Ela funciona como uma “banheira” fechada. A água tem uma alta concentração, mantendo a flutuação. O propósito é que o corpo chegue a um relaxamento profundo, incentivando a recuperação pós-prática de treinos e jogos. Uma sessão costuma levar 30 minutos e pode ser acompanhada por uma música de preferência do atleta. Depois do Mirassol, o Flamengo também comprou o equipamento.

O fisiologista Rafael Pinto é um dos nomes no planejamento do CT. Ele se inspirou no Palmeiras da Academia de Futebol, em 2017. Hoje ele integra uma equipe que conta também com o fisioterapeuta William Belo

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Ele estava no clube em 2019, saiu, mas voltou em 2023. O que é uma constante, segundo ele, é como a equipe se integra, com um entrosamento que vai além da alta tecnologia. “Vai desde o preparador físico até o médico, fisioterapeuta. Temos esse contato direto. Tentamos falar a mesma língua, sempre comunicando, que é um papel fundamental”, avalia.

Presidente Edson Ermenegildo reitera papel crucial do CT na ascensão do clube: 'É o ambiente de trabalho do jogador'. Foto: Alex Silva/Estadão

Claro que, quando se trata de saúde, os melhores equipamentos são bem-vindos. “Conseguimos otimizar o tempo (de recuperação)”, diz Belo. “Por exemplo, temos o laser de alta frequência. Conseguimos programar e deixá-lo rodando, junto de um gráfico de termografia em tempo real. É mais profundo e mais eficaz. Conseguimos ter controle do que o atleta precisa ter, e o melhor a ser realizado”, cita.

Essa otimização é exemplificada na crioterapia, que consiste na aplicação de frio em regiões de dores. Pode soar como simplesmente “colocar gelo”, mas o fisioterapeuta explica: “Imagina que seja como um ar-condicionado, mas com uma manta em que o ar percorre aquela região, envolvendo a articulação ou músculo”. Basicamente por isso que o equipamento, que chega a - 5ºC, tem uma efetividade particular.

Fisioterapeuta William Belo valoriza equipe integrada do Mirassol, que dispõe de tecnologia de ponta na recuperação e tratamento de atletas. Foto: Alex Silva/Estadão

No CT, ainda há piscina, sauna, instalações especiais para terapia de contraste (com gelo e água quente) e quadra de areia. Os quatro campos, com medidas para jogo, abrigam treinos e partidas das categorias de base.

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Em atualização após a inauguração, os garotos receberam um espaço próprio para academia e fisiologia. É lá que o grupo que se prepara para a Copinha faz avaliações com profissionais dedicados apenas a eles, em uma equipe separada da que atende o profissional. Por lá, uma TV exibe nomes revelados no clube.

“Nós acreditamos que um clube como o nosso, de poder econômico menor, tem de investir massivamente na base. É o que pode nos dar respaldo à evolução. Tanto que os recursos deste belíssimo CT foram da transação de um atleta que saiu daqui”, defende o presidente Edson.

Hoje no Flamengo, Luiz Araújo foi vendido pelo São Paulo ao Lille, negócio que rendeu R$ 8 milhões ao Mirassol, que formou o atleta. Foto: Felipe Rau/Estadão

Kayky integra os meninos que atuarão no torneio, mas já traz experiência. Neste ano, ele participou do grupo que foi à Copinha, ainda que sem jogar. Depois, esteve em campo na Copa Paulista, em que o Mirassol utilizou o elenco sub-20. “Expectativa (para a Copinha) é ótima. Esse ano vamos com mais experiência”, avalia.

Para citar um exemplo do acolhimento, Kayky menciona os conselhos de Alex Muralha e Vanderlei, de 35 e 40 anos, respectivamente. Os dois fizeram parte da defesa menos vazada da Série B 2024, com apenas 26 gols sofridos. Quando Kayky saiu do Rio, não imaginava que conviveria ao lado de referências as quais ele apenas via pela TV.

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O CT só foi construído graças à base do Mirassol. Mais especificamente, Luiz Araújo, hoje no Flamengo. O meia tinha 30% dos seus direitos vinculados ao clube do interior, quando o São Paulo o vendeu para o Lille, da França, por aproximadamente R$ 38 milhões. Do total, R$ 8 milhões foram para o Mirassol. As obras custaram, ao todo, R$ 15 milhões. O valor inicial foi de R$ 5,4 milhões. Atualizações que remodelaram o local somaram mais R$ 9,6 milhões.