Denilson cita ‘grande erro’ de Dorival e analisa Vini Jr. na seleção: ‘Parece que sente o peso’

Em conversa com o ‘Estadão’, ex-jogador pentacampeão avalia astros da seleção brasileira e conta como superou início ruim no Betis

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Foto do author Leonardo Catto
Foto: Denilson via Facebook
Entrevista comDenilsonEx-jogador, pentacampeão mundial e apresentador na Band

Denilson é show e não apenas no apelido. O ex-jogador campeão do mundo em 2002 sempre tem uma resposta para falar de futebol. Não a toa já são 14 anos como comentarista e apresentador na Band. Nem sempre foi assim. Em 1998, quando saiu do São Paulo para o Real Betis, da Espanha, no que foi a maior venda do futebol até 2013, ele viveu em baixa.

A situação é semelhante com o que vivem Endrick, no Real Madrid, e Vitor Roque, no próprio Betis. O futebol vistoso e driblador que apresentou no Brasil não se repetiu nos campos espanhóis. Foi quando o jogador precisou colocar os pés no chão e pensar. O amadurecimento do passado é visto na desenvoltura apresentada no decorrer dos anos.

“Desenvoltura”, aliás, talvez seja a melhor definição de Denilson. Com a língua solta, ele não tem medo de pedir paciência com Dorival e falar que jogadores da seleção precisam assumir mais responsabilidade. Já com as pernas soltas, ficou marcado pelos dribles e uma cena em que é perseguido por quatro jogadores da Turquia na Copa do Mundo de 2002. Não tivesse sofrido falta, a impressão é que levaria os dribles até o apito final.

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Revelado no São Paulo, Denilson foi campeão da Copa Conmebol (1994), da Copa dos Campeões Mundiais (1995 e 1996), da Copa Master Conmebol (1996) e do Paulistão (1998) com o clube tricolor. Foto: Edu Garcia/Estadão

Denilson fez história no Betis, com o título da Copa do Rei 2004/05, feito que, desde então, só se repetiu na temporada 2021/22. Já tinha no currículo conquista são-paulinas e rodou por Europa e Estados Unidos antes de desembarcar no lado verde da Barra Funda para defender o Palmeiras, pelo qual fo campeão paulista em 2008.

Além do penta, com a amarelinha, ele soma as conquistas da Copa América de 1997 e da Copa das Confederações do mesmo ano. Nesta última, foi escolhido o melhor jogador do torneio.

Às vezes me veem e falam: ‘você é o tio da Turquia, da jogada e tal’. Muitos jogadores são reconhecidos por gols, por serem artilheiros, e as pessoas me reconhecem pela característica que eu tinha de driblador

Denilson, sobre jovens que o conhecem pelo lance icônico da Copa de 2002

Denilson conversou com o Estadão na WatchParty ElClásico, promovida pela LaLiga e a seguradora Chubb, em promoção à partida entre Real Madrid e Barcelona, vencida pelos catalães por 4 a 0, no fim de outubro.

Brasileiros do Betis, Denilson, Edu, Ricardo Oliveira e Marcos Assunção fizeram história com a conquista da Copa do Rei 2004/05. Foto: Denilson via Facebook

Sua venda ao Bétis, em 1998, foi a mais cara da história até 2013. Por que os clubes brasileiros não conseguem reter seus talentos?

É difícil ainda concorrer com a Europa, né? Uma questão financeira do futebol europeu. Aqui na América Latina, o Brasil fica no top-2 financeiramente. Os jogadores da América Latina circulam bastante. Com esse número de estrangeiros no Brasil, isso ficou mais a mais aflorado, né? Tem bastante jogadores estrangeiros jogando aqui.

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Nessa disputa com a Europa, é muito difícil segurar. Essa minha transferência, por exemplo, foi lá em 1998. Olha quanto tempo se passou, e a gente continua vendo os jogadores jovens sendo vendidos. O Vini Júnior foi dessa forma. O Estevão acabou sendo dessa forma. O Neymar foi dessa forma. Então assim é muito difícil a concorrência. Eu falei recentemente aqui de “plano de carreira”. Antigamente, a gente não ouvia falar sobre o plano de carreira na minha geração.

Em 1998, Betis pagou 32 milhões de euros (R$ 136,57 milhões) por Denilson, valor superado somente em 2013, quando o Barcelona desembolsou 57,1 milhões de euros (cerca de R$ 319 milhões) por Neymar. Foto: Denilson via Facebook

Hoje, com informação, os caras conseguem se programar, se planejar: ‘Eu vou para tal lugar, eu vou ficar tanto tempo em tal lugar, de lá eu vou para outro lugar, vou me preparar, fazer uma construção e tudo mais’. O Estevão, eu acho que é isso. Ele escolheu uma liga que hoje é uma liga vistosa, gostosa de jogar. Antigamente era né difícil. Muita bola aérea, mas (hoje) é um jogo mais jogado. Provavelmente o staff do Estevão deve ter sentado com ele e ter colocado todas as probabilidades. Financeiramente, (o Brasil) ainda está muito distante do futebol europeu.

Você foi muito jovem na Espanha. Como foi chegar ainda como promessa e finalizar sua formação na LaLiga?

Foi difícil. Eu acho que até cheguei como uma realidade, na verdade, porque... tentando fazer uma retrospectiva no sentimento, nos pensamentos, a responsabilidade foi grande, viu? Quando eu cheguei lá, eu não tava preparado. Eu tinha quase 20 anos, tinha nem completado 20 anos ainda. Eu saí com essa nomenclatura de jogador mais caro do mundo. Tinha jogado uma final de Copa do Mundo em 1998, mesmo jovem. Eu acho que a expectativa que eles tinham em relação a mim era muito alta. E eu demorei entender o que eu tinha que entregar para eles. Eu demorei duas temporadas... a minha primeira temporada foi muito ruim.

Denilson conta que demorou a se firmar na Espanha e precisou amadurecer para conseguir melhorar. Foto: Denilson via Facebook

Tanto que, quando eu venho de férias para o Brasil, eu falei para meu pai: ‘Não vou voltar, porque não dá para mim, não aguento ficar lá, não consigo jogar e tal’. Meu pai falou: ‘Não. Você vai voltar. Você vai voltar, sim’. Tanto é que eu voltei dois dias antes. Ele falou assim: “Não, vai voltar nem atrasado. Vai voltar dois dias antes” (risos).

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Fico a segunda temporada, o comecinho também difícil. O Bétis cai para a Série B, eu venho para o Flamengo. Fico pouco tempo no Flamengo, aí eu volto para o Bétis para jogar um segundo turno do Campeonato Espanhol. E aí sim, a minha vida começou lá. Minha vida profissional, a minha vida pessoal, elas começaram a caminhar assim, porque eu entendi com esse sentimento de dar um passo atrás e jogar a série B espanhola e tal.

Eu falei: ‘Cara, preciso botar o meu pé no chão, porque eu vim de jogador mais caro do mundo, vim de uma final de Copa do Mundo e eu tô jogando uma série B. Pera aí. Então abaixa a bola um pouquinho, entenda o que tá acontecendo’. Nesse momento, a minha família foi importante nesse processo. Joguei esse segundo semestre de série B. O Bétis volta pra Série A, e aí eu consigo realmente jogar no nível alto.

Tanto que depois desse período eu voltei a ser convocado para a seleção brasileira. Porque nessas duas temporadas eu fiquei fora da seleção. Merecidamente, porque eu não tava jogando nada. E aí eu comecei a jogar bem no Bétis, voltei a seleção brasileira. E a história está aí para ser contada.

Não à toa haviam quatro jogadores turcos atrás de você. Você lembra quem eram eles?

Não. O Tugay eu lembro, porque eu tenho uma camisa dele em casa, mas os outros três, eu não vou lembrar o nome. Uma jogada tão curiosa, porque, se para para pensar friamente, eu não fui produtivo. Eu segurei a bola ali na frente, o time ganhando. Minha obrigação era de desafogar um pouco o sistema defensivo. E, depois da dessa última Copa do Mundo, que a gente acabou sendo eliminado para a Croácia, eu recebi milhões de mensagens do tipo: ‘Faltou um Denilson, né?’

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Brasil vencia a Turquia por 1 a 0 com gol de Ronaldo, quando Denilson entrou para segurar a bola, empurrado pela narração de Galvão Bueno, que entoava: 'Denilson neles!'. Foto: Alaor Filho/ Estadão

A imagem é muito muito legal de ver assim, os quatro turcos enfileirados atrás de um pontinho amarelo. Hoje eu fico muito feliz quando as crianças com 12, 13, 14 anos... essa molecada não me viu jogar futebol, às vezes me veem e falam: ‘você é o tio da Turquia, da jogada e tal’. Muitos jogadores são reconhecidos por gols, por serem artilheiros, e as pessoas me reconhecem pela característica que eu tinha de driblador.

São Paulo de Denilson, Raí e França foi campeão paulista em 1998 em cima do Corinthians de Vampeta, Edílson Capetinha e Marcelinho Carioca. Foto: @SaoPauloFC via X

Sobre seleção, temos jogadores da elite do futebol europeu, os melhores do Brasileirão, o que falta para o time do Brasil deslanchar?

Eu acho que funcionar um pouco mais coletivamente. Por ironia, não funcionou. Eu acho que o Neymar é o nosso principal jogador, continua sendo nosso principal jogador. Era muito criticado quando jogava na seleção. Na ausência, a gente sentia falta do Neymar. Então é meio contraditório.

Esse momento sem Neymar, eu achei que coletivamente a seleção ia dar uma resposta positiva, até para a volta do Neymar ser mais tranquila para ele, individualmente falando, apesar de eu achar que ele lida bem com a pressão. Eu esperava que o coletivo funcionasse. Mas tem uma série de situações que a gente pode falar. Primeiro: a tomada de decisão da CBF em demorar e escolher um treinador. Ancelotti, depois escolhe o Diniz, o Ramon (Menezes) vem antes.

A escolha para um amistoso contra Marrocos, que tinha então uma p*** Copa, os caras estavam voando, e aí vai jogar contra Marrocos logo no primeiro jogo? Os caras engoliram a seleção brasileira com o Ramon. Nada contra o Ramón, mas enfim era o treinador da seleção sub-20.

Então, teve várias escolhas que o Brasil perdeu tempo. Porque o cenário ideal é o Tite anuncia a sua saída, o Ednaldo tinha que chamar o Tite falar assim: ‘Me dá três nomes’ ou ‘Me dá quatro nomes’. Você trabalha em cima desses quatro nomes. Teve negativa do primeiro, mas você tem quatro nomes para trabalhar.

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Quando você levanta essa questão de que o Ancelotti aceitou, vai esperar... Então esse tempo que a gente perdeu foi prejudicial para a seleção brasileira. Assumindo o Dorival, a gente vai para a parte dele. O Dorival até antes do Flamengo tinha passado pelo Ceará, e até chegar lá, ele ficou um tempo sem trabalhar. Então, se você pegar os últimos cinco anos, o Dorival estava praticamente sem emprego. Ele vai para o Ceará, se destaca. De repente aparece no Flamengo, faz um trabalho bom, mas o Flamengo é um time que exige muito.

Até fazendo analogia com seleção brasileira, não comparando o Flamengo com seleção, mas tem a característica de um time que tem que jogar. O Tite foi mandado embora porque não faz o time jogar. Então a seleção é isso. Você precisa convencer, você precisa sufocar o adversário, não pode ser sufocado contra Paraguai, contra Venezuela, contra qualquer outra seleção.

Argentina, legal, né? A última campeã do mundo, mas as outras, com todo respeito, você não pode ser sufocado. Então, o Brasil tem que tomar conta do jogo. E aí vem o Dorival. Às vezes é o jogador que precisa bater no peito e assumir essa responsabilidade. E aí eu sinto falta disso na seleção brasileira.

Em 2008, Denilson desembarcou no Palmeiras, pelo qual voltou a ser campeão paulista 10 anos depois do título com o São Paulo. Foto: Sérgio Castro/AE

Quem do atual grupo é capaz de fazer isso?

Eu fui de uma geração que tinha referências dentro da seleção brasileira. Essa seleção de agora não tem referência. Então, na transição dessa geração, faltou. A gente tinha o Neymar e não tinha mais ninguém. Eu tinha Roberto Carlos, Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo.

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Essa geração você tem o Bruno Guimarães, que é jovem. Você tem o Paquetá, que é jovem... É a geração que a gente tem aqui, que está jogando. E são esses jogadores que vão disputar a Copa do Mundo. Essa seleção que está sendo convocada agora, já há um bom tempo. Marquinhos, Militão, Danilo, o Bruno Guimarães, Raphinha, Vini Júnior, o Neymar, que vai voltar... São esses jogadores.

É a nossa seleção, aceitem que essa vai ser a nossa seleção na próxima Copa do Mundo. São esses jogadores, independentemente do treinador que vai estar lá no cargo. O Dorival, para mim, errou quando ele fala que pode cobrar que 2026 ele esteja na final.

A Copa América 1997, ao lado de Ronaldo e Cafu, foi o primeiro título de Denilson com a seleção brasileira. Foto: @Denilsonshow via X

Foi um grande erro do Dorival, porque qualquer leigo sabe que não dá para você controlar resultado. Você não controla resultado. Muitas vezes, o time pior ganha do melhor. Isso é fato. Eu acho que o Dorival errou. Ele trouxe uma responsabilidade desnecessária para ele num começo de trabalho.

Então às vezes o jogador precisa assumir essa responsabilidade. Dorival fez um sistema, mas não está dando certo? Chama o Dorival: ‘Acho que não tá dando certo. Acho que não dá para o Rodrygo jogar como meia, o Rodrygo tem que jogar pelos lados’; ‘Ah, mas o Raphinha tá jogando pelos lados e está jogando bem’. O Rodrygo espera. Você tem que mostrar a personalidade. Vamos fazer com que o coletivo funcione, porque individualmente a gente tem bons jogadores. Eu acho que se coletivamente funcionar, essa individualidade vai ficar mais aflorada.

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A danada pesa.

Denilson, sobre vestir a camiseta da seleção brasileira.

O Vini Jr. pode ser esse líder na seleção brasileira?

O Raphinha tem um pouquinho mais de protagonismo, mostra mais personalidade que o Vini na seleção brasileira. Olha que ironia. O Vini Junior teve uma grande chance de se tornar referência da seleção brasileira, protagonista, na ausência do Neymar. E ele não se tornou. Isso aqui não é uma crítica, é uma realidade. Ele não se tornou referência da seleção brasileira na ausência do nosso principal jogador, que é o Neymar.

Eu canso de ouvir isso sobre o que ele faz no Real Madrid. Ele faz chover no Real Madrid, aí ele vem para seleção brasileira, parece que ele fica acuado, parece que ele sente o peso da amarelinha. E pesa né, pai? A danada pesa.

Para Denilson, Raphinha tem mais protagonismo na seleção brasileira do que Vini Jr.  Foto: Rafael Ribeiro/CBF

Então, ele teve essa chance de ser protagonista, ele não aproveitou. A hora que o Neymar voltar, pode ser que essa divisão de atenção faça com que ele jogue um pouquinho mais solto, mais leve, porque (antes) todo foco ficou nele. Acho que ele sentiu um pouco desse golpe.

Mas volta a falar: coletivamente quando a seleção começar a jogar bem, a gente vai ver o Luiz Henrique, do Botafogo, que está jogando para caramba, ficar mais aflorado. A gente vai ver Raphinha, Rodrygo, o próprio Vini... aí você tem Savinho, que de repente pode entrar no segundo tempo. A gente tem muitas opções do meio de campo para a frente. Eu acho que o principal desafio do Dorival é fazer com que coletivamente esse time comece a funcionar.

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Será que o Vini Jr. não terá mais chances de assumir esse protagonismo?

Na hora em que o Neymar sair, o Vini vai ter pelo menos mais duas copas, no mínimo. E aí ele vai ter essa segunda chance de ser o protagonista, muito mais amadurecido. E essa questão de amadurecimento conta para o jogador. Apesar de eu achar que jogador de futebol amadurece muito rápido por causa dessa pressão que é resultado. Então, o cara acaba amadurecendo muito rápido. Ele (Vini) já é um cara mais do que bem-sucedido com a camisa do Real Madrid, mas para ele se tornar um jogador completo, (precisa) se destacar com a seleção brasileira e ser protagonista.