Denunciada por delator do PCC, fintech que negociava com Corinthians é alvo da PF e diretor é preso

Empresa de policial civil ofereceu R$ 100 milhões ao Alvinegro e foi alvo de busca de operação que desarticulou um grupo formado por 3 fintechs que teriam movimentado R$ 6 bilhões em cinco anos; 2 Go Bank diz que colabora com investigações, e clube diz ter travado processo de avaliação

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Atualização:

A Polícia Federal prendeu hoje o policial civil Cyllas Elia, presidente e fundador do 2 Go Bank, uma fintech que é investigada sob a suspeita de lavar dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC). Ele foi citado na delação feita pelo empresário Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, assassinado no dia 8 de novembro quando desembarcava no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. O delator havia denunciado a fintech dias antes, ao depor no dia 31 de outubro.

O policial civil Cyllas Elia, presidente da fintech 2 Go Bank, que foi alvo de operação dfa PF Foto: Reprodução / Estadão

A fintech negociava um contrato com o Corinthians para abrir uma espécie de banco do clube. Em nota, a 2GO Instituição de Pagamento informa que está colaborando com as investigações e segue à disposição das autoridades. A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Elia. A direção do Corinthians confirmou a negociação com a fintech, mas disse que ela foi descartada no começo do mês de um processo seletivo que o clube está fazendo.

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O Corinthians tem o interesse de fazer uma integração financeira em diferentes áreas, especialmente na ligada à Neo Química Arena, cuja dívida é superior aos R$ 700 milhões. O Estadão teve acesso ao projeto de 31 páginas apresentado pela Fintech ao Corinthians. Ele é assinado por Cyllas Elia.

Nesta quinta-feira, os conselheiros do Corinthians vão decidir se abrem processo de impeachment contra o presidente Augusto Melo. Melo é acusado de suposta gestão temerária do clube e diz ser vítima de uma tentativa de golpe.

O projeto Corinthians, apresentado pela 2 Go Bank à diretoria do Corinthians Foto: Reprodução / Estadão

A 2GO Bank havia procurado o clube ainda em fevereiro para oferecer uma plataforma de unificação das operações relacionadas ao programa Fiel Torcedor, vendas de alimentos e bebidas, aplicativo do clube, CRM exclusivo voltado ao engajamento e consumo do torcedor, e banco oficial do Corinthians. À época, outras 20 empresas do ramo também entraram em contato com a diretoria para apresentar projetos.

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A parceria teria como princípio compartilhamento de receita líquida, com as partes dividindo os lucros gerados após a dedução dos custos operacionais. O Corinthians também se comprometeria a permitir que a 2GO implementasse a solução em todas as áreas estratégicas, incluindo a Arena em Itaquera, loja oficial, o clube social e os canais de relacionamento com os torcedores. Pela exclusividade do projeto no período de 10 anos, o banco ofereceu luvas de R$ 100 milhões, com pagamento parcelado em quatro vezes.

Ao longo do processo, a 2GO Bank ficou entre seis empresas mais bem avaliadas pelo Corinthians por apresentar uma proposta considerada interessante ao clube. O projeto foi enviado pelo banco no dia 31 de outubro. A diretoria informou ao Estadão que foi pega de surpresa com a informação envolvendo o nome da empresa na delação de Vinicius Gritzbach e travou o processo de avaliação. A proposta da fintech não chegou a ser levada para o setor de compliance.

Gritzbach foi executado pelo PCC no aeroporto de Guarulhos em 8 de novembro Foto: Italo Lo Re /Estadao

O reportagem apurou ainda que o projeto do banco não está entre os três considerados mais favoráveis ao Corinthians. Pesou contra a oferta de exclusividade por uma década. A diretoria considerou o período longo demais e entendeu que poderia ficar com a gestão engessada para novas negociações.

Procurada pelo Estadão a respeito da parceria com o Corinthians, a 2GO afirmou que “é uma instituição de pagamento que oferece soluções inovadoras voltadas ao meio esportivo e ao universo do futebol e que busca parcerias com grandes clubes e torcidas do País, sempre pautadas por ética, transparência e respeito aos valores dos nossos potenciais parceiros”. O banco destacou ainda que “projetos e parcerias só são divulgados publicamente após a formalização dos contratos e com o consentimento das partes, em conformidade com nossa política de confidencialidade.”

Investigações do Gaeco e da Polícia Federal

O 2GO Bank processaria cerca de R$ 30 bilhões por ano em transferências entre grandes empresas e bancos. Ela entrou na mira das investigações do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, após ser alvo da delação de Gritzbach.

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Em seu depoimento à Corregedoria da Polícia Civil, o empresário disse que o banco havia sido idealizado por Rafael Maeda, um traficante do PCC e que estaria em nome do policial civil. Elia trabalhava no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), mas se licenciou do serviço para cuidar de seus negócios.

O delator do PCC Antonio Vinicius Lopes Gritzbach em relatório feito pela Polícia Civil sobre lavagem de dinheiro Foto: Reprodução / Estadão

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Com sede no Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, o 2GO Bank abriu em 2023 o chamado Banco do Torcedor, no qual fornece serviços financeiros como conta corrente, pix, cartão e seguro para o torcedores de clube de futebol. Também se apresenta como uma fonte adicional de receita para clubes, integrando serviços de compra de ingresso, e-commerce de artigos esportivos, serviços de apostas e programas de benefícios para os torcedores.

O 2GO Bank mantém acordo com a Torcida Independente, do São Paulo Futebol Clube. Também usou dois jogadores de futebol – um identificado com o Flamengo e outro com o São Paulo – com passagens pela seleção brasileira em peças publicitárias, mas nenhum deles é citado nas investigações, assim como a torcida, cujo presidente, Henrique Gomes, o Baby, informou à reportagem ter apenas contratado o “serviço do banco”.

Além do depoimento na Corregedoria, Gritzbach detalhou no Anexo II da proposta de delação, o envolvimento de Maeda com o PCCX e as fintechs. Piloto de Fórmula HB20 e vendedor de carros, Maeda agenciava atletas de futebol e enviaria dinheiro ao traficante Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, assassinado em 27 de dezembro de 2021, no Tatuapé, na zona leste.

Segundo a delação, Maeda teria participado do sequestro de Gritzbach ao lado de Cláudio Marcos de Almeida, o Django, outro importante traficante do PCC. O delator fora sequestrado em janeiro de 2022 porque o PCC o acusava de ser o mandante da morte de Cara Preta. Como Django decidiu soltá-lo, a facção decidiu, em seguida, executar o traficante.

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Rafael Maeda Pires, o Japa do PCC, chega ao prédio no Tatuapé em que foi encontrado morto, em abril de 2023 Foto: Reprodução / Estadão

Segundo Gritzbach, Maeda “estava no local de desova do corpo de Django”. O delator afirmou ainda que Maeda “morreu de forma suspeita”. O Japa do PCC foi encontrado com uma arma na mão dentro de seu carro na garagem de um prédio, no Tatuapé, em 4 de maio de 2023. Gritzbach afirmou na Corregedoria que Maeda “participava de negociações” com outra fintech e se dizia dono da 2GO Bank, onde figuraria como sócio “um policial civil”.

Na manhã desta terça-feira, a 2GO Bank foi um dos alvos da Operação Tai-Pan, feita pela PF para desarticular um grupo formado por três fintechs que teriam movimentado R$ 6 bilhões nos últimos cinco anos para “diversas organizações criminosas”. Os investigadores põem sob suspeita transações mantidas entre pessoas e empresas que somam, entre crédito e débito, R$ 120 bilhões de reais. O líder do grupo, sozinho, teria movimentado, em 2024, R$ 800 milhões.

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