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Diniz no Brasil e no Fluminense: conciliar clube e seleção é mais comum do que você imagina

Emerson Leão e Vanderlei Luxemburgo foram os dois últimos a dividir a atenção e o trabalho nas duas frentes

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Foto do author Ricardo Magatti
Atualização:

Anunciado pela CBF como técnico interino da seleção brasileira com contrato de um ano, Fernando Diniz não será o primeiro treinador a ter jornada dupla em clube e seleção. No século passado, não era incomum treinadores conciliarem seus compromissos nas equipes e no time nacional. Mas fazia tempo que isso não acontecia no Brasil.

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O último técnico a dividir suas atenções entre clube e seleção foi Emerson Leão. O ex-goleiro treinou a seleção brasileira entre novembro de 2000 e junho de 2001 e, nos primeiros meses, continuou à frente do Sport, onde estava quando foi convidado. No Brasil, prometeu “futebol alegre, ofensivo, bailarino e com responsabilidade”, mas barrou medalhões, como Cafu e Rivaldo, acumulou maus resultados, incluindo um quarto lugar na Copa das Confederações, e foi demitido após 11 jogos no aeroporto do Japão.

Mais de duas décadas depois, Leão está fora do futebol e é um entusiasta do trabalho de Fernando Diniz. Para ele, a CBF errou a usá-lo como “tampão” até a chegada do italiano Carlo Ancelotti, que começará seu trabalho, segundo o presidente Ednaldo Rodrigues, em junho de 2024, na Copa América. O treinador europeu ainda não se manifestou sobre o assunto.

“O Diniz tem capacidade pra treinar sozinho a seleção brasileira e não servir de escada”, criticou Leão, opositor de um estrangeiro no comando do Brasil, em entrevista por telefone ao Estadão. O Diniz vai ficar um ano pra depois entrar outro. Que conversa é essa? Não concordo. Tem que colocar um treinador brasileiro”.

Depois que aceitou comandar a seleção, Leão preparou sua saída do Sport. Eram outros tempos, mais fácil de fazer essa transição, com menos cobrança. Ele sabia que passaria o bastão do time pernambucano, diferentemente da condição de Diniz.

Fernando Diniz vai se dividir entre Fluminense e seleção brasileira  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Diniz assinou contrato de um ano, até junho do ano que vem, mas a CBF lhe ofereceu a possibilidade de continuar o trabalho depois disso. Leão entende que não deveria haver a figura de treinador temporário. “É desagradável”.

Mano Menezes, treinador do Brasil entre julho de 2010 e novembro de 2012, tem opinião parecida à de Leão. “Eu acho isso muito arriscado para o Diniz, para a seleção e para o Fluminense. Misturar as coisas, não definir, deixar aberto, é um caminho perigoso no futebol. Ainda mais no alto nível da seleção brasileira”, opinou o técnico do Inter em entrevista aos canais ESPN. Mano não descarta a possibilidade de as três partes se darem mal, principalmente pelo acúmulo de trabalho.

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Vanderlei Luxemburgo foi o predecessor de Leão na seleção brasileira, estreando em setembro de 1998. Na época, ele comandava o Corinthians e decidiu permanecer no clube por mais cinco meses enquanto dirigia a equipe nacional, conquistando o bicampeonato brasileiro. Seu nome era o mais indicado para assumir o cargo, como foi Tite anos mais tarde.

Com o Brasil, Luxemburgo ganhou a Copa América de 1999, no Paraguai, quando lançou Ronaldinho Gaúcho em uma partida diante da Venezuela. Foi nesse jogo que Galvão Bueno, então da Globo, cunhou a frase “Olha o que ele fez, olha o que ele fez”. Luxa foi demitido após o fracasso nos Jogos Olímpicos de Sidney, em 2000, com eliminação para a zebra Camarões. Também lhe atrapalhou a investigação da Receita Federal por sonegação de impostos.

Como o Corinthians era um time já montado, com Ricardinho, Rincón, Marcelinho e Vampeta, por exemplo, foi fácil para o treinador continuar na vida dupla. Havia também mais jogadores na seleção que atuavam no futebol brasileiro. Atualmente, Diniz terá de olhar para a Europa, fazer viagens ou mandar representantes e se debruçar em relatórios e análises de sua nova comissão técnica. A dificuldade de Diniz se dará, principalmente, porque a seleção não está montada. Tite não deixou um trabalho de transição. Diniz terá de começar do zero para as Eliminatórias.

Emerson Leão treinou o Sport e a seleção brasileira em 2000 Foto: José Patricio/AE

Seleções de clubes

Há também casos de técnicos que comandaram a seleção representada por algum clube. Dorival Knippel Yustrich, em 1968, treinou a seleção representada pelo Atlético Mineiro, em amistoso contra o selecionado da Iugoslávia no Mineirão.

Filpo Nuñez ostenta até hoje o feito de ser o único argentino a dirigir o Brasil. Ele esteve à frente da seleção na partida inaugural do Mineirão, em 1965, quando o time nacional foi inteiramente representado pelo Palmeiras e venceu o Uruguai por 3 a 0.

Antes, em 1960, Oswaldo “Foguinho” Rolla, comandou uma seleção formada só por atletas de times gaúchos no Pan-Americano daquele mesmo ano.

Conflito de interesses?

Em sua apresentação, Fernando Diniz foi questionado diversas vezes sobre eventuais questionamentos éticos que possam surgir por dividir a função de técnico de seleção e de clube. Não tratou o cenário como um problema e reforçou que seu comportamento será ético em suas convocações e decisões.

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“Meu critério será baseado na ética. O fato concreto tem que acontecer. Antecipamos a chance de acontecer, mas vou convocar o melhor para a CBF, olhando o cenário como um todo”, afirmou. “Você sabe que sempre há questionamento na convocação, mas não em falta de ética. Farei o melhor do que tenho de conhecimento, justiça e ética, algo que preservo muito”, acrescentou.

Ele admitiu que a questão é “complexa”, mas vai se pautar pelo “senso de justiça” nas convocações. “Vão avaliar, não estou aqui para pedir para que pensem de um jeito ou não. Estou tranquilo e, nesse ponto da ética, a CBF apontou para a pessoa certa”, assegurou.

Ednaldo Rodrigues corroborou o pensamento do treinador que escolheu para o time pentacampeão e rechaçou qualquer possibilidade de conduta antiética da CBF e do técnico. “Isso é de quem não se respeita e quer desrespeitar outros. O mundo mudou, as ações e atitudes também. Não compactuamos com isso. Tem de ser abastado de dignidade e caráter. Aqui tem treinador de respeito, dignidade e ética”, enfatizou.

Mário Bittencourt, presidente do Fluminense, participou da negociação e também não vê problema na fragmentação das tarefas. “Eu não vejo conflito, da mesma maneira como não vejo quando nosso preparador é convocado. Acreditamos na ética e dignidade do Fernando. Se formos pensar dessa forma, todo treinador tem um empresário. Aí, se convocam mais jogadores desse mesmo empresário, as pessoas vão falar”.