Do recorde de títulos à condenação por agressão sexual: relembre a trajetória de Daniel Alves

Referência na lateral-direita, jogador brasileiro vive derrocada na carreira após crime sexual cometido na Espanha

PUBLICIDADE

Foto do author Bruno Accorsi
Atualização:

Daniel Alves já foi um dos nomes mais respeitados do futebol. Até agosto do ano passado era o maior campeão da modalidade de forma isolada, com 42 títulos, mas foi alcançado por Lionel Messi. Quando isso aconteceu, a relevância do lateral-direito como futebolista era bem menor, pois, àquela altura, já estava preso preventivamente há oito meses, acusado de estupro. Nesta quinta-feira, dia 22, Daniel Alves foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão pelo Tribunal de Barcelona por agredir sexualmente uma jovem no banheiro de uma boate. A decisão judicial complementa a derrocada de um atleta que já foi tratado como “exemplo” no passado.

Em 2017, o site Players Tribune, que dá tom literário a relatos em primeira pessoa de grandes esportistas, publicou um texto sobre a história de Daniel Alves. A narrativa lembra a infância do jogador em Juazeiro, na Bahia, onde trabalhava na colheita com o pai e o irmão. “Por horas, eu fico competindo com meu irmão para ver quem é o trabalhador mais dedicado. Porque aquele que mais ajudar a nosso pai vai ter mais direito ao uso da nossa única bicicleta. Se eu não ganhar a bicicleta, eu terei de caminhar 20 quilômetros da nossa fazenda até a escola. A volta da escola é ainda pior, porque eu tinha de voltar correndo para conseguir chegar a tempo de jogar a pelada”, diz um trecho do texto.

Daniel Alves deu sua versão dos fatos no início de fevereiro, em audiência na cidade de Barcelona. Foto: Alberto Estevez/Pool via Reuters

PUBLICIDADE

Os percalços enfrentados quando garoto, caso do dia em que teve seu novo conjunto roubado do varal e da fome sentida no tempo em que frequentava uma academia de futebol para jovens, são outros episódios destacados da trajetória do baiano. A história de vida, a eloquência e o jeito extrovertido, aliados ao sucesso futebolístico, transformaram Daniel em uma figura bastante midiática. Em alguns momentos, ele chegou a ser visto como referência de conduta, como no jogo pelo Barcelona em que foi alvo de racismo e comeu uma banana atirada por um torcedor em protesto.

Apesar dos olhares positivos, antes mesmo do caso de estupro, o defensor também despertou muita antipatia, especialmente nos últimos anos. Os motivos passam pelo futebol, com a sensação de frustração deixada na torcida do São Paulo e a polêmica convocação para a Copa do Mundo do Catar.

Publicidade

Há também momentos históricos como uma entrevista ao Esporte Espetacular, da Globo, em 2017, quando se disse “bastante feminista” ao ser questionado sobre o assunto pela jornalista Fernanda Gentil. A linha de raciocínio adotada por ele foi alvo de críticas na época. “Tanto é que sou apaixonado por minha mãe, minha filha e mulher. Três mulheres da minha vida. Eu acredito que tenho uma parte feminina, gosto de bastante coisas que, entre aspas, são coisas de mulher. Gosto de moda”, afirmou.

Alves saiu jovem do Bahia, ganhou o mundo no Barcelona e frustrou são-paulinos

Depois dos esforços feitos durante a infância e adolescência, Daniel Alves firmou carreira como jogador vestindo a camisa do Bahia. Jogou profissionalmente pelo time tricolor entre 2001 e 2002, período em que conquistou seu primeiro título, uma Copa do Nordeste. Ainda com 18 anos, foi visto por um olheiro durante partida do Campeonato Brasileiro e levado para o Sevilha. Lá, venceu duas Copas da Uefa - antigo nome da Liga Europa -, uma Supercopa da Uefa, uma Copa do Rei e uma Supercopa da Espanha.

Lateral com forte contribuição ofensiva, chamou a atenção do Barcelona e foi contratado em 2008 para participar de uma das eras mais vitoriosas do clube, no início do trabalho de Pep Guardiola. Jogou ao lado de estrelas como Messi, Xavi, Iniesta e Neymar, e, após oito anos de clubes, somou 23 títulos. Os mais importantes foram três Champions League (2009, 2011 e 2015).

Daniel Alves saiu do Barcelona ressentido, em 2016, para defender a Juventus, onde foi campeão italiano e da Copa da Itália. “Fui desrespeitado pela cúpula dos dirigentes quando eu saí do clube no verão passado? Certamente que sim. É simplesmente a maneira como me sinto a respeito, e você jamais pode dizer algo diferente a esse respeito para mim”, disse, no texto da Players Tribune, no ano seguinte à saída.

Publicidade

O lateral teve, ainda, uma passagem pelo PSG, clube no qual reeditou parceria com Neymar e conquistou mais cinco títulos antes de voltar para o Brasil. Escolheu o São Paulo, seu time de coração, e causou enorme furor em razão de seu status de craque mundial. Foi campeão paulista em 2021, no encerramento de um jejum de nove anos dos são-paulinos, mas viu a relação com o clube tricolor se deteriorar.

O desgaste começou quando o jogador deixou o São Paulo, que sofria com maus resultados no Campeonato Brasileiro, para defender a seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021. Aos 38 anos, o lateral-direito foi um dos três jogadores, acima dos 23 anos, convocados por André Jardine para a disputa do torneio. Capitão da equipe, recebeu o apelido de “Vovô Olímpico” nas redes sociais por conta de ter uma idade muito mais avançada quando comparado à de seus companheiros.

Após conquistar a medalha de ouro olímpica no Japão, algo que tratava como um de seus sonhos na carreira, Daniel Alves se recusou a retornar ao São Paulo. O clube anunciou, por meio de suas redes, que o lateral-direito não fazia mais parte do elenco. Havia uma dívida de R$ 11 milhões do clube com o jogador. “Eu estava há dois anos com esse problema de grana e nunca dei uma declaração falando sobre isso. Nunca quis ser maior do que o São Paulo. Se o problema tivesse sido esse, já tinha cortado a raiz”, disse o lateral ao Estadão, em maio de 2022. “Quando nos reunimos para discutir sobre isso, eu perguntei: ‘vocês têm certeza de que querem me trazer para o São Paulo? Porque a conta não vai fechar em algum momento e nós podemos nos prejudicar’”.

A criticada convocação de Tite para a Copa de 2022 e história na seleção

Daniel chegou a ter uma nova chance no Barcelona, mas ficou pouco tempo. Em julho de 2022, foi para o Pumas, do México. O planejamento do atleta tinha como objetivo a convocação para a Copa do Mundo do Catar. Enquanto estava com o futuro indefinido, chegou a fazer uma publicação nas redes sociais dizendo que era visto como “velho e desacreditado” no futebol, mas afirmou que estava convicto em dar continuidade à carreira. Ao final, o lateral-direito atingiu seu objetivo. Em novembro, Tite anunciou que o jogador estaria na lista dos 26 convocados pela seleção brasileira para a Copa do Catar, como reserva de Danilo na lateral.

Publicidade

PUBLICIDADE

Jogador mais velho do elenco, com 39 anos, Daniel Alves foi mais criticado após a convocação de Tite. Durante o Mundial, Danilo, titular da posição, ficou fora do jogo contra a Suíça e Alex Sandro, na lateral-esquerda, não atuou contra Coreia do Sul e Croácia. Apesar de ser o único jogador da posição disponível, Tite optou por improvisar Éder Militão.

Contra Camarões, na última rodada da fase de grupos, Daniel Alves jogou seu único jogo pelo Mundial e foi colocado como capitão da seleção, já que Tite estava poupando os titulares. “Estou a serviço da seleção brasileira. Se tiver de tocar pandeiro, vou ser o melhor pandeirista que você já viu na sua vida”, declarou o jogador, o atleta mais velho a atuar pela seleção em Copas do Mundo, superando Thiago Silva. O Brasil perdeu o jogo por 1 a 0, mas se classificou em primeiro lugar do grupo. Mais tarde, foi eliminado nas quartas de final pela Croácia, nos pênaltis.

Nos anos anteriores ao questionável desfecho de 2022, o lateral-direito foi um nome inquestionável como dono da posição na seleção brasileira por algum tempo. Bicampeão da Copa América e da Copa das Confederações, esteve nas Copas 2010 e de 2014, mas era reserva de Maicon no fatídico 7 a 1 para a Alemanha, após perder a posição. “Não entendo por que saí do time. Eu estava jogando bem, ninguém me explicou por que eu saí, mas eu respeito, sou um jogador de grupo, mas me surpreendi por ter saído do time, porque acredito que o problema na nossa seleção não era eu”, disse meses depois do Mundial, ao jornal Lance. Em 2018, não foi à Copa da Rússia porque estava machucado.

Daniel Alves teve longa história com a camisa da seleção brasileira e jogou três Copas. Foto: Sergio Neves/Estadão

O caso de estupro em Barcelona

O caso teve sua primeira repercussão na imprensa espanhola ainda no ano passado. No dia 31 de dezembro, o diário ABC revelou que Daniel Alves teria violentado sexualmente uma jovem na casa noturna Sutton no dia anterior. A mulher esteve acompanhada por amigas a todo o instante e a equipe de segurança da casa noturna acionou a polícia, que colheu o depoimento da vítima.

Publicidade

No dia 10 de janeiro, a Justiça espanhola aceitou a denúncia e passou a investigar o jogador brasileiro, que, por muitos anos, defendeu a camisa do Barcelona e disputou a Copa do Mundo de 2022. Inconsistências nas versões dadas pelo atleta à Justiça, além da possibilidade de fuga do país europeu, fizeram com que a juíza Maria Concepción Canton Martín decretasse a prisão do atleta no dia 20 de janeiro.

Durante o período em que está recluso, o brasileiro mudou o seu depoimento por mais de uma vez, trocou de advogado e teve negado outros recursos para responder à acusação em liberdade. Além disso, entrou em um processo de divórcio com a modelo e empresária espanhola Joana Sanz, que acabou não indo adiante. Nas contradições, Daniel Alves chegou a dizer que não conhecia a mulher que o acusava. Depois, argumentou que houve relação sexual com ela, mas de forma consensual, e usou o consumo da álcool como atenuante.

O julgamento de Daniel Alves, iniciado dia 5 de fevereiro, foi presidido por uma mulher, a juíza Isabel Delgado Pérez, acompanhada pelos magistrados Luís Belestá Segura e Pablo Diez Noval. As sessões aconteceram de forma aberta, com a presença da imprensa em sala à parte, mas captações de áudio e imagem foram vetadas.

A mulher que denunciou Daniel Alves teve a identidade preservada e realizou o depoimento protegida por um biombo para que não tivesse contato visual com o jogador. A imagem dela foi reproduzida em vídeo para os presentes, com a imagem e voz distorcidas. A medida visou proteger a identidade da denunciante. Sua versão durou cerca de 1h30 e ela reafirmou ter sido violentada pelo atleta.

Publicidade

Na segunda sessão, foram ouvidos três amigos do jogador que estavam na boate; três empregados da casa noturna; advogado convocado por uma amiga da denunciante; 11 policiais; e policial que gravou o relato da vítima da suposta agressão do brasileiro com uma câmera na farda. Nesta semana, um preso revelou que Daniel tinha planos de fugir da Espanha caso a Justiça desse permissão de ele responder o caso em liberdade.

Joana Sanz, mulher de Daniel Alves, também depôs. A versão dela, dos amigos e do gerente mencionam o estado de embriaguez do jogador no dia do caso. Além deles, um sócio da boate foi ouvido e chegou a dizer que a mulher confessou a ele que entrou no banheiro da boate de maneira voluntária, mas foi impedida de sair depois. No terceiro e última dia foram ouvidos peritos forenses, policiais científicos e peritos da defesa, além do próprio acusado. Daniel Alves chorou durante a sua fala e afirmou que a relação foi consensual. O jogador afirmou que consumiu bebida alcoólica e disse, ainda, que não forçou a denunciante a entrar no banheiro onde a suposta agressão sexual teria ocorrido.

Após analisar o que foi exposto nos três dias de audiências, Isabel Delgado Pérez comunicou, nesta quinta-feira, a decisão de quatro anos e seis meses de prisão na Espanha por agressão sexual.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.