A eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos foi celebrada por Gianni Infantino. Poucas horas depois de ser dada como certa a vitória do republicano, o presidente da Fifa o parabenizou publicamente e reiterou a expectativa para o novo Mundial de Clubes e a Copa do Mundo, que ocorrem no país em 2025 e 2026, respectivamente.
Os dois têm boas relação desde que Trump exercia seu primeiro mandato, entre 2016 e 2020. Foi durante esse período que os Estados Unidos se lançou como opção para ser sede da próxima Copa do Mundo, o que terminou bem-sucedido, junto de México e Canadá. Trump também teve papel na aproximação da Fifa com a Arábia Saudita, que sediará o maior torneio do futebol em 2034.
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Contraditoriamente, a candidatura (a qual se chamava United, por reunir os três países da América do Norte) utilizou como argumento para angariar votos de algumas federações na época a possibilidade de Trump não estar mais na presidência em 2026. A política de imigração e vistos no seu governo foram um tema sensível, com restrições a países de maioria islâmica e rivais políticos. O retorno de Trump ao cargo levanta dúvidas sobre esse cenário para daqui a dois anos.
A apreensão foi relatada em apuração do The New York Times, junto a pessoas que integraram a candidatura United. A reportagem publicada no braço esportivo do jornal, o The Athletic, conta como foram algumas tentativas de minimizar frases xenofóbicas de Trump durante a candidatura, lançada em abril de 2017 e vitoriosa em 2018.
Durante a campanha eleitoral de 2016, por exemplo, Trump falava em construir um muro na fronteira com o México. A promessa se manteve durante os primeiros anos de governo, mas a parde não foi construída. O que de fato se concretizou foi a ordem de barrar cidadãos de Irã, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen. O Iraque, que também constava na lista, foi removido após negociações.
Dos países inclusos, o Irã tem sido presença constante nos Mundiais. Neste século, a seleção iraniana são não se classificou às edições de 2002 e 2010 e vem de três participações seguidas, no Brasil, na Rússia e no Catar. A preocupação da Fifa ia além do país asiático e focava também no longo tempo para emissão de vistos em alguns locais.
Trump chegou a escrever uma carta a Infantino na qual dizia que “todos os atletas, autoridades e fãs qualificados de todos os países do mundo seriam capazes de entrar nos Estados Unidos sem discriminação”. Não havia, porém, garantia formal para isso. A ordem executiva só foi derrubada pelo presidente Joe Biden, em janeiro de 2021.
“O governo federal pode intervir na política de visitação e imigração de diversas maneiras que poderiam impactar o evento. Por exemplo, a imposição de restrições adicionais de imigração ou mudanças nas políticas de vistos poderia afetar a capacidade de atletas e torcedores de entrar no país. Entretanto, atletas e suas comissões devem ter uma experiência relativamente tranquila devido ao uso de vistos específicos para competições, como demonstrado em eventos anteriores”, avalia André Linhares, advogado especializado em imigração que atua há 12 anos nos EUA.
A United também precisou driblar a relação geopolítica dos Estados Unidos com os vizinhos. Protecionista, Trump impôs taxas ao aço e ao alumínio de México e Canadá. Os mexicanos responderam com tarifas a agricultura americana.
Nisso, a candidatura contou com intermediação de Robert Kraft, bilionário dono do New England Patriots, da NFL, e do New England Revolution, da MLS. Trump revelou a Infantino que Kraft foi o primeiro a aproximá-lo da ideia de apoiar a candidatura para sediar o Mundial. Assim, o genro do presidente, Jared Kushner, passou a ser ponte entre a United e a Casa Branca.
México e Canadá aceitaram integrar a candidaturas, apesar dos pequenos problemas geopolíticos e mesmo como sedes “menores”. Os Estados Unidos contam com 75% das partidas da Copa do Mundo, entre os quais estão todas as partidas partir das quartas de final. Segundo o The New York Times, a única exigência mexicana foi sediar a abertura, o que foi concedido, com o jogo inaugural no Estádio Azteca, na Cidade do México.
A United se fortalecia, contando com apoio das federações mexicana e canadense. Kraft reiterava o interesse de Trump em sediar o megaevento e em contar com os países vizinhos nisso. No lançamento da candidatura, o então presidente da Federação de Futebol dos Estados Unidos, Sunil Gulati, valorizou o argumento. “Ele (Trump) está especialmente satisfeito que o México faça parte dessa candidatura e, nos últimos dias, recebemos mais incentivo sobre isso. Não estamos nem um pouco preocupados com algumas das questões que outras pessoas podem levantar”, disse.
Na votação, veio o retorno. A United venceu o Marrocos por 134 a 65 votos. Engana-se quem pensa que foi apenas a candidatura que saiu vencedora. O Gillette Stadium terá sete jogos do Mundial, incluindo dois nas oitavas e nas quartas de final. O estádio pertence ao Grupo Kraft, do empresário que aproximou Trump da disputa, mesmo que a ausência do republicano da presidência fosse um argumento para convencer outras federações.
A contradição entre aproximar Trump da campanha, mas afastá-lo da ideia de realização do evento se ilustra no distanciamento da relação entre o político e o empresário após a definição da sede. A missão deles já havia sido cumprida. Acima das divergências, há algo que reúne interesses, dito diretamente por Carlos Cordeiro, mandatário da federação estadunidense entre 2018 e 2020. Ele prometeu “a Copa mais lucrativa de todas”, estimando recente de US$ 14 bilhões e lucro de US$ 11 bilhões para a Fifa.
Trump vira ‘amigo’ de Infantino e incentiva aproximação com Arábia Saudita
O presidente eleito dos Estados Unidos também foi figura na conexão entre Infantino e o príncipe saudita Mohammed bin Salman. A federação saudita apoiou a candidatura da América do Norte. Além do futebol, os dois países têm um histórico de boas relações, com foco em segurança e petróleo.
A aproximação de Trump e Infantino aconteceu no período em que os dois estreavam nas suas respectivas presidências, entre jantares, visitas e partidas de golfe. Quando participou do Fórum Econômico Mundial, em Davos, o mandatário da Fifa exaltou o amigo.
“O presidente Trump definitivamente é um homem do esporte. Eu sou sortudo o suficiente por minha vida atravessar um dos melhores talentos do futebol. E o presidente Trump tem a mesma fibra. Ele é um competidor. Ele quer competir, quer vencer. Ele quer mostrar quem é o melhor. Ele diz o que muitas pessoas pensam, mas mais importante, ele concretiza o que fala”, disse o italiano.
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O networking se estabeleceu. A Arábia Saudita apoiou a United e a reeleição de Infatino na Fifa. O presidente da entidade máxima do futebol já tinha promessas de Copa do Mundo a cada dois anos, o que também teve apoio saudita, mas foi rejeitado. Em contrapartida, foi bem-sucedido o aumento de participantes, já válido para 2026. Mais recentemente, a definição pela país árabe como sede da Copa de 2034.
Outra aprovação foi o novo e controverso Mundial de Clubes, a ser sediado nos Estados Unidos em 2025. O calendário é questionado por dirigentes e pelo FIFPro, organização global que representa jogadores.
Sem acordo de transmissão fechado, a Fifa anunciou o primeiro patrocinador somente na última semana, em meio a questionamentos sobre o orçamento do torneio e até sugestões de cancelamento.
Conforme o britânico Independent, a Arábia Saudita pode entrar com papel de financiadora de transmissões ou em uma parceria comercial da Fifa com a Aramco, petrolífera estatal saudita. Caso isso se confirme, seria mais um movimento apoiado na rede de relacionamento construída por Trump e Infantino.
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