Emirados Árabes recorrem a brasileiros para voltar à Copa após 30 anos e com ‘ajuda’ da Fifa

‘Esquadrão’ comandado pelo português Paulo Bento mantém estratégia que não deu certo em 2022, mas que ganha força para 2026, com ampliação de vagas no Mundial

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Foto do author Leonardo Catto

Os Emirados Árabes Unidos participaram apenas de uma Copa do Mundo, a de 1990, em que foram eliminados com três derrotas na fase de grupos. De olho no Mundial de 2026, a Associação de Futebol do país (UAEFA, na sigla em inglês) convocou oito brasileiros para sua seleção. A prática não é novidade, mas deu errado em 2022. Agora, com o aumento da Fifa no número de vagas, a equipe do técnico Paulo Bento, ex-Cruzeiro, tem mais chances de retornar à Copa.

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Às vésperas da disputa no Catar, os EAU haviam chegado até a quarta fase das Eliminatórias Asiáticas para decidir quem jogaria a repescagem intercontinental. Perderam para a Austrália, que acabou por eliminar o Peru e ir ao Mundial. Quem marcou o gol emiradense na derrota por 2 a 1 foi Caio Canedo, nascido em Volta Redonda (RJ).

“O povo tem um carinho enorme pelos brasileiros, gostam da nossa alegria e da forma como nos expressamos dentro e fora de campo”, conta ao Estadão, o atacante de 34 anos, revelado pelo Volta Redonda. No Botafogo, virou talismã e foi campeão carioca em 2010, antes de passar Internacional, Figueirense e Vitória, até chegar ao Al Wasl.

Ele desembarcou por lá em 2014, ainda por empréstimo do clube gaúcho. A determinação da Fifa é de que um jogador tenha vivido cinco anos em um país para poder defender a seleção local, nos casos em que os pais, os avós ou o próprio atleta não nasceram no território.

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Brasileiros se juntam a atletas locais na seleção dos Emirados Árabes Unidos por sonho de jogar Copa do Mundo. Foto: Divulgação/UAEFA

A estreia de Caio na seleção foi em 2020. Na época, ele atuava pelo Al Ain, o maior campeão dos EAU, com 14 títulos (um deles com Caio). Desde então, são 53 jogos e 10 gols e quatro assistências pela seleção. Em 2023, voltou ao Al Wasl e foi campeão da liga na temporada 2023/24.

“Ainda carrego comigo o sonho daquele menino de Volta Redonda, sempre querendo ganhar. Ao mesmo tempo, busco manter a alegria do jogador formado no futebol brasileiro. E, claro, também evoluí muito com a experiência nos Emirados Árabes, aprendendo a me adaptar ao estilo de jogo deles”, avalia.

Talismã no Botafogo, Caio Canedo é uma das principais esperanças dos EAU para retornar à Copa do Mundo. Foto: @Caiocanedo via x

Para a atual Data Fifa, Paulo Bento convocou oito brasileiros. Além de Caio Canedo, outros três já jogaram pela seleção: Marcus Meloni, Fábio Lima e Bruno Conceição. Os outros quatro são os estreantes Lucas Pimenta, Jonatas Santos, Luan Pereira e Caio Lucas.

Apesar de novato na seleção, Caio Lucas já tem 30 anos. O atacante estava no Al-Ain que foi vice-campeão mundial em 2018, ao perder para o Real Madrid na final, após eliminar o Team Wellington, da Nova Zelândia, Espérance de Tunis e o River Plate. A equipe jogou aquela edição do Mundial de Clubes como representante da sede. Caio marcou na semifinal contra os argentinos e foi eleito o segundo melhor jogador do torneio.

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Outro destaque da lista é o veterano Fábio Lima. O meia de 34 anos tem 290 jogos com a camisa do Al-Wasl e 197 gols marcados. Camisa 10 e capitão da equipe, ele é considerado ídolo do clube e faz parte da leva de brasileiros convocados desde 2020.

Fabio Lima chegou no país em 2014 e desde então defende o Al-Wasl, que o levou para a seleção seis anos depois. Foto: Divulgação/UAEFA

Os Emirados Árabes em Copas do Mundo

  • Pôde participar a partir de 1978.
  • Disputou a primeira eliminatória em 1986.
  • Classificou em 1990: perdeu para Colômbia (2 a 0), Alemanha Ocidental (5 a 1) e Iugoslávia (4 a 1).

O time começa esta Data Fifa como terceiro colocado do Grupo A, com 10 pontos, três a menos que Uzbequistão e seis a menos que Irã. Os dois primeiros de cada grupo desta fase ganham a vaga direta para a Copa do Mundo. Os terceiros e quartos colocados disputam mais jogos, em dois novos grupos, em que o vencedor de cada um se classifica. Depois, os dois segundos colocados da quarta fase se enfrentam por uma chance de jogar a repescagem contra seleções de outras confederações.

Os dois compromissos serão fora de casa. O primeiro desafio é o mais difícil, contra o Irã, nesta quinta-feira, às 13h (de Brasília). No primeiro encontro, o líder venceu por apenas 1 a 0.

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Na terça-feira, o time dos EAU enfrenta a Coreia do Norte, às 15h15 (de Brasília). Os norte-coreanos são os lanternas do grupo, com apenas dois pontos. O primeiro duelo, porém, foi um tropeço emiradense, com um empate por 1 a 1, em casa.

Até aqui, contudo, a campanha também chama atenção. Desde a chegada de Paulo Bento, o time já registrou goleadas contra Catar (5 a 0) e Nepal (4 a 1), além de um 4 a 1 em amistoso contra a Costa Rica. “A meta é essa (chegar à Copa do Mundo). Devemos pensar no que podemos fazer para atingir a meta e como podemos fazer isso”, disse o técnico, ainda no ano passado.

“Sabemos que a oportunidade é maior do que antes, mas não é só para nós, mas também para as outras equipes”, avalia Bento, que disputou a Copa do Mundo de 2022 no comando da Coreia do Sul, eliminada pelo Brasil nas oitavas de final.

Para o atacante Caio Canedo, vestir a camisa da seleção emiradense é também uma forma de cumprir objetivos. “Já tive o privilégio de enfrentar seleções e jogadores que, no início da minha carreira, eu jamais imaginava estar dividindo o campo. É uma sensação de realização muito grande. E, mais do que isso, seguimos com chances reais de disputar uma Copa do Mundo, o que seria a realização de um sonho”, projeta.

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Caio Lucas foi 'bola de prata' no Mundial de Clubes de 2018, quando ainda atuava pelo Al-Ain. Foto: @FIFAcom via X

Acusações de ‘sportswashing’ e exploração de petróleo marcam Emirados Árabes

Os EAU são vizinhos de Arábia Saudita, Bahrein e Catar e reproduzem técnicas semelhantes de sportswashing, o uso do esporte para propaganda do país, na tentativa de acobertar regimes autoritários. Além do alto investimento na liga de futebol, outro exemplo são os aportes da companhia aérea Fly Emirates, fundada por Ahmed bin Saeed Al Maktoum, cuja família governa Dubai. A marca patrocina Milan, Arsenal, Lyon, Real Madrid, Benfica, a Copa da Inglaterra, a NBA e ligas de críquete e golfe.

A Anistia Internacional denuncia restrições à liberdade de expressão e prisões de dissidentes do presidente Mohamed bin Zayed Al Nahyan, que acumula o cargo de chefe das Forças Armadas. Algumas das críticas foram feitas em 2023, quando o país sediou a COP-28, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.

“Nenhum Estado pode ter qualquer credibilidade na abordagem da crise climática enquanto continuar a apertar o cerco à sociedade civil”, denunciou a secretária-geral da Anistia Internacional, Agnès Callamard, na época.

Companhia aérea Emirates estampa camisas de clubes europeus como o Real Madrid, de Vini Jr. Foto: Jose Jordan/AFP

A organização também denuncia abuso com trabalhadores migrantes. É apontada a falta de direitos trabalhistas e deportações sem processos legais. Os EAU são um dos países que não assinou, tampouco ratificou o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966.

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A existência do país se dá em torno da exploração de petróleo. Foi no começo da década de 1930 que as primeiras pesquisas começaram no território, ainda colônia do Reino Unido. Quando a primeira carga foi exportada de Abu Dhabi, em 1962, o local sequer era uma federação, o que só aconteceu em 1971. O território concentra 6% das reservas mundiais e é a sétima maior concentração comprovada de gás natural.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Produto Interno Bruto (PIB) dos EAU cresceu 23 vezes nos últimos 50 anos, indo de US$ 19,21 bilhões em 1975 para US$ 442,1 bilhões em 2022.

Um relatório do FMI publicado em outubro de 2024 apontou o país como a 27ª maior economia do mundo, com PIB de US$ 545,053 bilhões, quase um terço disso oriundo da exploração de petróleo. A expectativa do governo local é atingir um PIB de US$ 800 bilhões até o final da década, conforme projeção da Embaixada dos Emirados Árabes nos Estados Unidos.