Corinthians e Caixa Econômica Federal formalizaram neste mês a proposta para o encerramento da dívida da Neo Química Arena, que perdura desde 2013, quando o clube tomou R$ 400 milhões de empréstimo para a construção de seu estádio. O desejo das partes é de que um acordo seja finalizado ainda neste ano. Ao Estadão, Carlos Vieira, presidente da instituição financeira, revelou que um acerto está sendo avaliado pelos diretores da Caixa.
O estádio do clube, desejo antigo de torcedores, teve seu projeto revelado ao público em 2010, para se tornar sede do Estado na Copa do Mundo de 2014. Assim como outras arenas construídas ou reformadas para o Mundial, a Neo Química Arena – que ainda não tinha este nome – precisou de financiamento público para sair do papel. Em 2022, a dívida do clube com a Caixa passava dos R$ 600 milhões.
Vieira visitou a Arena neste mês. “A visita institucional serviu para o presidente conhecer nossa casa, reforçando a parceria entre as partes”, afirmou o clube em nota. A expectativa é de que, até o fim do ano – “Natal”, nas palavras de Andrés Sanchez – e antes de Duílio Monteiro Alves passar a presidência do Corinthians para Augusto Melo, a Arena já esteja quitada. Na mesma semana em que o projeto para o acordo foi formalizado, Duílio também visitou o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Brasília.
“O Sport Club Corinthians Paulista informa a todos os seus associados e torcedores que apresentou uma proposta à Caixa Econômica Federal para a realização de um dos nossos objetivos mais desejados: a quitação do saldo devedor do contrato de financiamento para a construção da Neo Química Arena. A proposta foi recebida pela Caixa e, agora, aguardaremos a obtenção dos documentos necessários à sua formalização”, diz a nota, divulgada pelo clube nas redes sociais. O anúncio ocorreu às vésperas da eleição presidencial do clube para o triênio 2024-2026.
Como o Corinthians irá quitar suas dívidas?
Títulos prectórios. É por meio deles que o clube conseguirá encerrar seu débito junto à Caixa. Eles são originários de uma condenação judicial definitiva contra um ente público e materializam uma obrigação de pagamento, que, por lei, entra no orçamento público e deve ser quitada de acordo com regras previstas na Constituição Federal. De uma forma simples, é uma dívida que uma pessoa ou empresa tem a receber.
“Imagina que alguém é dono de um título contra a Caixa. Um outro alguém paga esse título por um valor menor, mas ele vale muito. Eu pego esse ativo que vale muito, além dos naming rights, que para o futuro vale R$ 400 milhões, e trago para o valor presente. Esse contrato, mais o título que comprei, eu estou somando e falando para a Caixa que é tudo dela”, explicou, em entrevista ao portal MeuTimão, Wesley Melo, diretor financeiro do clube paulista. “Imagina que uma empresa tenha uma disputa com o Governo. Ele emite um título para essa empresa, mas que o pagamento seja em 15, 20 anos. Como esses títulos têm um prazo longo, ele tem um valor de mercado. Alguém pode comprar esse título por um valor fixo e existe um mercado só disso.”
A negociação e os valores são sigilosos, não tendo sido divulgados pela Caixa ou pelo Corinthians. No entanto, a dívida total do clube com a empresa está na casa dos R$ 610 milhões. Para que os valores entre as partes sejam quitados, o Corinthians irá utilizar o valor pago pela Neo Química pelos naming rights do estádio somado a esse título, adquirido por um valor inferior – deságio, que é o desconto de um investimento em relação ao seu valor real.
“A Caixa possui uma ou mais dívidas a pagar com terceiro, cujo prazo para pagamento está alongado no tempo, de modo que se está fazendo uma equivalência deste título com o conceito de precatórios emitidos pela Fazenda Pública”, explica ao Estadão Daniella Spach Rocha Barbosa, sócia do escritório Ambiel Advogados e especialista em Contencioso Cível e Resolução de Conflitos.
“A ideia do Corinthians é negociar a aquisição deste título, comprando-o com algum desconto deste terceiro. Uma vez adquirido o título, o clube se tornaria ‘credor’ desta dívida e, assim, compensaria tal montante com sua dívida original, quitando, em alguma medida, o valor que deve à Caixa”, afirma a advogada. Para a Caixa, isso é vantajoso porque ela deixará de dever este montante a um terceiro e deixará de ter em seu relatório financeiro a contabilidade de “perda” da dívida do Corinthians.
O Corinthians irá pagar, pelo título, um montante inferior a 50% do seu valor. Ao entregá-lo à Caixa, além de se ver livre da dívida, deixará de se preocupar com a quitação das parcelas junto à empresa. “A proposta está sob análise interna e depende de inúmeros fatores para ser aprovada, inclusive da própria negociação dos aspectos centrais da proposta entre as partes, bem como a redação de todos os documentos jurídicos necessários”, explica Daniella.
Neste mês, o clube também iniciou o processo para colocar 49% das ações do estádio na Bolsa de Valores. Para quitar a dívida com a Caixa, a ideia é de que o banco estatal fique com um percentual maior das cotas e uma parte menor seja oferecida a investidores na Bolsa de Valores de São Paulo (B3). Isso permitiria a qualquer investidor, incluindo torcedores de outros clubes, comprar ações da Neo Química Arena. Os donos das cotas receberiam dividendos proveniente de todas as receitas do estádio (bilheteria, alugueis de espaços comerciais, eventos, etc).
Evolução das dívidas da Neo Química Arena
Em 2010, no aniversário de 100 anos do Corinthians, o então presidente Andrés Sanchez anunciou o projeto para a construção do novo estádio em Itaquera, na zona leste de São Paulo. Na preparação para a Copa do Mundo de 2014 e com o imbróglio entre Fifa, a diretoria de São Paulo e o Morumbi para a definição do estádio-sede da cidade para a competição, o projeto corintiano acaba, além de concretizar o “sonho da casa própria” da torcida, sendo definido para receber o Mundial no Estado.
As obras foram iniciadas em 2011 e o projeto estava orçado, inicialmente, em R$ 335 milhões, que se tornaram R$ 858 milhões e mais adiante em R$ 1,2 bilhão, conforme a evolução da obra. Para arcar com os custos, o clube contraiu em 2013, pelo então presidente Mário Gobbi, empréstimo no valor de R$ 400 milhões com a Caixa, além dos Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CID) com a construtora Odebrecht. As obras, que estavam previstas para serem finalizadas em 2013, atrasaram. A arena foi inaugurada oficialmente em 18 de maio de 2014, menos de um mês antes do início da Copa do Mundo.
No projeto inicial, estava previsto que a Arena Corinthians fosse paga, majoritariamente, pela receita da bilheteria no estádio. O contrato inicial, feito via BNDES, tinha juros em torno de 9% ao ano, com aumento para 12% em caso de inadimplência. Para conseguir o financiamento da Caixa, o clube colocou como garantia do pagamento de R$ 420 milhões parte do terreno do Parque São Jorge. Em 2019, o banco e o Corinthians chegaram a um primeiro acordo verbal, que previa o pagamento de todas as dívidas até 2028 – fato que não ocorreu.
Em fevereiro de 2020, durante a pandemia, o banco cobrou na Justiça o pagamento de R$ 536 milhões (o clube afirmava que o valor cobrado deveria ser de R$ 487 milhões), que decidiu pelo bloqueio das contas corintianas. Até março daquele mesmo ano, quando as competições em todo o Brasil foram paralisadas por causa da pandemia, o Corinthians já não pagava mais as parcelas mensais do seu estádio à Caixa e sofria com a ausência da receita proveniente da bilheteria. Em comparação, na última temporada, o clube teve renda média por partida próximo a R$ 2 milhões.
Em 2021, a gestão de Duílio Monteiro Alves focou em diminuir os gastos para gerenciar as dívidas do clube em primeiro lugar. Desde então, buscou junto à Caixa o acordo que garantiria o fim das dívidas da Neo Química Arena. Em julho de 2022, as partes chegaram a um acordo para um projeto de quitação da pendência durante os próximos 20 anos. São R$ 300 milhões provenientes da negociação dos naming rights à Neo Química e os outros R$ 311 milhões, em prestações de aproximadamente R$ 16 milhões.
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