A notificação extrajudicial da Caixa ao Corinthians para uma possível execução do valor total do financiamento da arena em Itaquera é mais um capítulo de uma longa novela que o clube desenrola para conseguir pagar seu estádio, construído também para a Copa do Mundo de 2014 - o estádio abriu a competição com a seleção. O Estado dividiu em capítulos toda essa saga corintiana, seus principais acontecimentos desde o anúncio da construção até o princípio dessa crise entre o banco e clube.
A história ainda está longe de um desfecho, novos capítulos irão aparecer e ainda não dá para garantir se o Corinthians até 2028 terá o estádio quitado ou se estará em brigas judiciais e discussões à procura de uma solução. Hoje, estima-se que a casa alvinegra tenha custo total de R$ 1,1 bilhão. O clube já pagou cerca de R$ 160 milhões em financiamento e ainda conta também com papéis da Prefeitura de São Paulo para amortizar o total da dívida. Entenda o caso:
CAPÍTULO 1 - A CONSTRUÇÃO DO ESTÁDIO
Em 2011, quando o Corinthians acertou com a Odebrecht a construção da arena em Itaquera, a obra foi orçada em R$ 820 milhões. R$ 400 milhões seriam financiados pelo BNDES, via Caixa Econômica Federal, e os R$ 420 milhões restantes seriam pagos por meio dos CIDs, os Certificado de Incentivo ao Desenvolvimento da Prefeitura. Os CIDs são papéis que as empresas compram da prefeitura e deduzem do imposto de renda. Esse valor é abatido do custo do estádio.
CAPÍTULO 2 - JUROS DA DÍVIDA
Estava tudo certo para a construção do estádio. Mas quem já passou por alguma reforma sabe que o orçamento inicial quase sempre estoura. E foi assim também com o Corinthians. Os problemas começaram logo no início. O financiamento do BNDES demorou para ser aprovado, mas o estádio não podia ficar com as obras em atraso, pois ali aconteceria a abertura da Copa de 2014. A Odebrecht passou a colocar dinheiro na construção, a arena passou a ser erguida e os juros e encargos começaram a rolar. A Prefeitura de SP também demorou para iniciar a venda dos CIDs. Mais juros, mais encargos. A dívida foi crescendo sem freio.
CAPÍTULO 3 - ALTERAÇÕES NAS OBRAS
O estádio corintiano encareceu. A diretoria quis construir o setor Oeste todo de mármore, um luxo, apontado na época. O espaço onde ficaria a imprensa mudou de lugar durante a obra. Foram feitas adaptações. Mais gastos. Tudo isso encareceu a construção. Os custos saíram de um controle comum. A Odebrecht passou a fazer as suas contas. O Corinthians, a dele. A Caixa deixou de receber.
CAPÍTULO 4 - AMEAÇA DE CALOTE
A Arena ficou pronta depois do previsto, mas a tempo de receber a Copa do Mundo. A partir daí começaram as discussões do valor total da dívida. O clube precisava da liberação dos CIDs, tinha o compromisso com a Caixa e ainda ouvia da Odebrecht que a conta havia ficado mais alta. Um fundo foi criado para administrar a arena. Nele estavam presentes Corinthians e Odebrecht. Entre março de 2016 e agosto de 2017, o Corinthians deixou de pagar as parcelas para a Caixa. Tudo ficou fora de controle. Em dezembro de 2017, o Corinthians informou que voltou a pagar o financiamento. São R$ 6 milhões por mês. O dinheiro vem da bilheteria dos jogos: 70%. O Corinthians faz, em média, R$ 2 milhões por partida.
CAPÍTULO 5 - A VOLTA DE ANDRÉS SÁNCHEZ
Andrés Sanchez retornou à presidência no início do ano passado com a principal missão de pagar a Arena. O primeiro passo foi renegociar a dívida com a Caixa. Ficou estabelecido verbalmente que o Fundo pagaria parcelas de R$ 6 milhões entre fevereiro e outubro e nos outros quatro meses o valor seria reduzido para R$ 2,5 milhões. A explicação para essa redução, aceita pela Caixa, era o calendário menor, de menos partidas.
CAPÍTULO 6 - A ODEBRECHT
Os CIDs passaram a ser liberados em parcelas anuais pela Prefeitura de São Paulo. Faltava chegar a um acordo com a Odebrecht. Em junho, a Caixa executou a dívida da Odebrecht referente a R$ 627 milhões de debêntures que ajudariam no pagamento da construção do estádio. Debêntures são títulos de dívida que uma empresa lança no mercado para captar dinheiro. Quem compra se tornar credor. Dias depois da execução, um dos braços da empresa entrou em processo de recuperação judicial. Ao mesmotempo, a Odebrecht achava que tinha de receber do Corinthians R$ 800 milhões além do que seria repassado via CID. Andrés esbravejou e disse que o Corinthians pagaria só o financiamento e os CIDs. Em agosto, o presidente reuniu o Conselho Deliberativo do clube para informar que havia feito um acordo. Pagaria mais R$ 160 milhões para a Odebrecht.
CAPÍTULO 7 - AS DÍVIDAS
O Corinthians já pagou cerca de R$ 160 milhões até agora em financiamento para a Caixa. O valor vem de cerca de 75% da bilheteria, além das novas formas que o clube busca de arrecadação. Ações são feitas dentro do próprio estádio. Faltam cerca de R$ 450 milhões do financiamento, que é o que a Caixa está cobrando. De CIDs, incluindo os juros, deve haver uma arrecadação total de R$ 480 milhões - há um saldo de R$ 380 milhões ainda disponível que deve ser adquirido 100% pela Odebrecht. Por fim, os R$ 160 milhões a mais do acordo costurado com a Odebrecht. O Corinthians não tem esse dinheiro.
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