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Escola da Holanda ensina futebol e ética de graça na ZL

Projeto foi criado pelo ex-jogador Johan Cruyff em Ermelino Matarazzo

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Foto do author Gonçalo Junior

Samuel Ramos afirma que a lição mais importante que aprendeu na aula de futebol do projeto social Cruyff Court, a quadra do Cruyff, foi jogar sem a bola. Parece um paradoxo, mas não é. Falar para um menino de 11 anos que ele tem de passar a bola, abrir espaços e deixar o drible em segundo plano representa uma mudança profunda no jeito de jogar do brasileiro. Paralelamente ao individualismo, à caneta, ao drible da vaca e ao chapéu, a escola propõe um pensamento mais coletivo.

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O projeto criado pelo ex-jogador holandês Johan Cruyff, implantado em vários países, ensina esse jogo coletivo que parece ser o caminho do futebol mundial de agora em diante. Mas não é só isso. Os 300 jovens atendidos pelo projeto gratuito em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, também aprendem a jogar lixo no lixo, a evitar palavrões e a estender a mão para o rival se levantar.

Todas essas lições, para dentro e fora da quadra, formam as “14 regras de Johan Cruyff”, ensinamentos sobre ética e cidadania que se misturam às orientações técnicas e táticas sobre o jogo, as mesmas que transformaram Cruyff em uma lenda do futebol. “São ensinamentos que servem para dentro e fora da quadra”, explica o professor Mário Ramalho.

A regra 14 de Cruyff diz que a criatividade é a beleza do esporte. Não é proibido driblar, mas é importante resolver problemas táticos. “O método brasileiro é um pouco tecnicista e coloca, por exemplo, dois alunos para trocarem passes repetidamente. Com o método Cruyff, ele aprende a técnica jogando. Dois alunos trocam passes, mas colocamos um adversário no meio para ele resolver o problema”, diz o treinador. 

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A Fundação Cruyff, dona do projeto, escolheu Ermelino Matarazzo por ser uma área de vulnerabilidade social. Exemplo: durante a aula na quadra, dá para perceber, no campo da várzea ao lado, usuários de drogas que caminham sem rumo no meio da tarde (a organização do projeto pediu reforço de policiamento para diminuir o problema e foi atendida). “O projeto procura a transformação social por meio do esporte. Holanda e Brasil são os países do futebol”, justifica Joëlke Offringa, coordenadora do projeto.  

Os meninos sabem quem é Cruyff. “Ele foi um jogador holandês muito bom”, diz Isac Quaresma. “Mas ele não foi melhor do que o Pelé. O Pelé fez mil gols”, rebate Samuel.

Cruyff foi um jogador revolucionário, que inspirou gerações a partir de suas atuações no Ajax e na seleção da Holanda na Copa de 1974. Ao lado do treinador Rinus Michels, criou o “carrossel holandês”, esquema no qual os jogadores não tinham posições fixas e buscavam sempre o gol. A ideia é tão boa que ainda vive, 40 anos depois, em cada cobrança dos treinadores para que os atacantes saibam marcar e os volantes tenham habilidade para finalizar. 

Cruyff também foi treinador do Ajax e do Barcelona e, mais do que isso, um pensador do futebol. Na Catalunha, transformou as categorias de base, fez o clube incorporar sua filosofia de futebol ofensivo e de troca de passes. Se Guardiola é o pai do “tiki taka” catalão, Cruyff é o avô.

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Os meninos do projeto que não sabem quem é Cruyff têm a chance de conhecê-lo pessoalmente. Anualmente, seis alunos vão para a Holanda encontrar alunos de outros lugares do mundo – hoje, são 180 sedes – e, claro, fazer selfies. No ano passado, Wesley Batista foi. “É um lugar muito bonito e não tem nenhum papel no chão.”

Cruyff não está sozinho em seu projeto. Ele é administrado pelo Instituto Plataforma Brasil (IPB), organização sem fins lucrativos, em convênio com a Prefeitura de São Paulo, que cede o terreno. A iniciativa privada apoia por meio da Lei Paulista de Incentivo ao Esporte e ainda há uma parceria com a Federação Holandesa de Futebol e a cidade de Amsterdam.

Desde 2010, já foram beneficiados mais de mil crianças e adolescentes. “Nossa ideia é replicar esse modelo para outros locais”, planeja Luiz Sales, secretário adjunto de Esportes, Lazer e Recreação.

O principal desafio é conseguir mais parceiros. Joëlke explica que 85% dos custos de 2015 estão cobertos. Faltam 15% dos custos. Os recursos da lei de incentivo pagam 70% dos custos. O restante do valor precisa ser pago por meio de contribuições sem incentivos fiscais.

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Faltou um detalhe sobre Samuel, aquele que aprendeu a jogar sem a bola. Ele chegou dez minutos atrasado para o início da aula. Eram 8h42, quando desceu da bicicleta, esbaforido. Ficou tenso, com medo da bronca do professor Mário. Pediu ajuda para Joëlke. A holandesa intercedeu a seu favor, e ele jogou. Depois, explicou que queria chegar na hora para não atrapalhar o professor. Respeito é a regra de Cruyff da qual ele mais gosta.

Veja algumas regras de Cruyff:

Espírito de equipe: sozinho, você não pode fazer nada. Você tem de fazer junto

Responsabilidade: cuide do que dão a você e utilize-o bem

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Cooperar: em uma equipe, os companheiros se ajudam mutuamente

Desenvolvimento: através do esporte se desenvolvem o corpo e o espírito

Aprender: tente aprender todo dia algo novo

Jogar juntos: forma uma parte essencial do jogo

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Criatividade: a beleza do esporte

Respeito: tenha respeito pelos demais

Participação social: importante dentro e fora de campo

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