A Copa do Mundo é tradicionalmente acompanhada pelo lançamento dos uniformes que as seleções irão usar especialmente para o Mundial. A divulgação das camisas também é acompanhada pelo debate informal nas redes sociais sobre qual equipe vai estar mais “bem vestida”, e qual vai entrar em campo menos ‘estilosa’. O Estadão buscou quatro especialistas em moda para opinar e comentar sobre quais são os melhores uniformes do Mundial do Catar. Os mais citados serão colocados para votação dos leitores, que vão escolher o mais bonito.
Nove marcas vão fornecer material esportivo para as 32 seleções da Copa do Mundo. A americana Nike lidera o número de países em seu portfólio, com 13 equipes, entre elas o Brasil. As alemãs Adidas e Puma aparecem em segundo e terceiro lugares, com sete e seis times representados, respectivamente.
A Nike está com: Brasil, França, Inglaterra, Portugal, Holanda, Catar, EUA, Polônia, Arábia Saudita, Austrália, Canadá, Croácia e Coreia do Sul). A Adidas veste Argentina, Alemanha, Espanha, Bélgica, México, Japão e País de Gales. Puma assina os modelos de Uruguai, Sérvia, Suíça, Senegal, Gana e Marrocos. Também vestem seleções da Copa do Mundo as empresas Kappa (Tunísia), Hummel (Dinamarca), Le Coq Sportif (Camarões), Marathon (Equador) e Majid (Irã).

Para Lorenzo Merlino, estilista e professor da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), as cinco seleções que vão se destacar nos campos pelos uniformes são Equador, Alemanha, Japão, Coreia do Sul e Croácia. O especialista destaca especialmente os uniformes reservas equatoriano e japonês. “A segunda camiseta do Equador, em tonalidades azuis, teve um uso muito bom de uma padronagem reminiscente ao passado Inca do País. “(O Japão) conseguiu compor uma camiseta de fundo branco singular, a única camisa branca de todas as seleções que não ficou desinteressante”.
Os cinco destaques negativos citados por Merlino vão para os uniformes do Catar, Arábia Saudita, EUA, Holanda e Dinamarca. Para o estilista, o país sede perdeu a chance de mostrar aspectos da sua cultura no uniforme, o que julga ser função essencial de emblemas nacionais, enquanto a camisa reserva também passa um aspecto de “suja” quando vista de longe. Crítica similar foi feita ao uniforme alternativo dos americanos, marcado pelo uso do tie-dye. “Não faz sentido o país ocidental usar um manchado. O que isso tem a ver com a cultura desse país? Esse tipo de técnica de pintura de tecido é originária do Oriente, e foi moda entre os hippies.”
A consultora de moda Marcia Jorge vê com satisfação o universo de futebol acompanhando os processos de evolução estética no vestuário contemporâneo, evitando padrões “caretas”. Ela cita como principais destaques as camisas de titulares de Holanda, Croácia, Coreia do Sul, e as reservas de uniformes reservas de Brasil e EUA. “(A Croácia) novamente com a padronagem quadriculada conhecida e expressiva, mas eles conseguiram inovar sem perder a essência, trazendo a tradição de uma maneira diferente. E o Brasil, o animal print na manga é fora de série. Incrível. (Animal print) é algo absolutamente instituído na moda. E, no uniforme brasileiro, também conta a nossa história com a referência da onça pintada. Ficou muito legal.”
Marcio Ito, estilista e professor do curso de Moda da Faculdade Santa Marcelina, também reforça o argumento de que peças com cores mais “vibrantes” saem na frente pela preferência de torcedores e colecionadores. O especialista cita entre os seus preferidos os uniformes titulares de México, França, Croácia e Japão, além da alternativa do Brasil. “Acredito que essas representam bem seus países, onde há mais que a locação da característica física de suas bandeiras. Ter texturas simbólicas somadas a modelagem, cor e estampa trazem um entendimento mais completo do que pode ser um uniforme. É representativo e tem renovação”, explica.
Por outro lado, as camisetas de Arábia Saudita, Argentina, Irã, Gana e Polônia ficaram para trás no crivo de Marcio Ito. “Parece ter clareza de seus países, mas não renovam na completude de suas simbologias, ou aparenta literal ou repetitivo.”
A especialista cita como as menos bonitas os uniformes do Catar, Irã, Tunísia, Costa Rica e Alemanha. Para Marcia, as seleções não apresentaram novidades em suas novas camisas, ou trouxeram estampas mais tímidas, que não vão chamar atenção durante as transmissões. Ela argumenta que o outfit esportivo deve “gritar”, independentemente se o conceito seja apresentar algo clássico, como os de França e Inglaterra. Para ela, para uma peça se tornar objeto de desejo entre os fãs de esporte é necessário apresentar cor e ser disruptivo. “Nosso olho tende a ir sempre para as cores mais intensas, mais vibrantes.”
Influenciadora de moda, com mais de 113 mil seguidores no Instagram, Amanda Pieroni listou como as mais bonitas as camisas titulares de Equador, França e Tunísia, além das reservas de Bélgica e País de Gales. Para a influencer, as seleções têm camisas simples, mas com detalhes que fazem a diferença e dão uma charme a mais para as peças. Ela cita ainda o sucesso na difícil combinação de cores do uniforme equatoriano, e as referências culturais na roupa do time tunisiano. “A combinação entre cores primárias mais o preto, do Equador, ficou muito bonita! Além de que combinar azul marinho com preto é difícil e essa camiseta mesclou de maneira perfeita”, comenta. “Amei (a da Tunísia) porque a camisa traz a história do país. É uma camisa que traz cultura e história, sem contar que o design está muito bonito. Os símbolos, bastantes discretos, perto da parte superior ficaram bem visualmente.”
Para Amanda, os piores uniformes são os reservas de Inglaterra, EUA, Espanha e Suíça, além da titular do Catar. A influenciadora reprovou a escolha das cores no tie-dye americano, e questionou o uso do azul na camisa 2 espanhola. “O tie-dye dos EUA poderia seguir as mesmas cores do símbolo da confederação. Em vez de azul e preto, poderia ser azul e branco, cores que conversam muito mais. Acabou ficando estranho e destoando do símbolo”, explica. “A camiseta (da Espanha) acaba parecendo de outra confederação porque é toda azul e branco. Esse tom de azul também não conversa com o vermelho do símbolo do escudo, ficou destoando muito. O patrocinador e o símbolo também têm cores bastante diferentes que não combinam. As cores que geralmente ornam entre si fazem com que as pessoas gostem mais. Vemos isso por meio do círculo cromático, juntando duas cores a identificando a combinação se torna mais agradável aos olhos. "
IDENTIFICAÇÃO E INOVAÇÃO
Lorenzo Merlino explica que as camisas das seleções auxiliam na identificação de um povo com o seu país, sendo cruciais na transmissão subjetiva de valores e expectativas, transmitindo conceitos estéticos em determinada época. Grande parte dos modelos apresentados para a disputa na Copa do Catar têm características próximas ao streetwear, nicho que vem ganhando cada vez mais espaço no futebol. A Bélgica, por exemplo, usará uma camisa branca, feita em parceria com o Tomorrowland, principal festival de música eletrônica do mundo.
A seleção dinamarquesa também inovou, mas utilizará os mantos de jogo para protestar contra o governo do Catar, alvo de denúncias pela violação aos direitos das mulheres e LGBTs no país. Os modelos são monocromáticos, com a intenção de não ‘“visível’” em um torneio marcado por polêmicas sociais e diversas mortes de trabalhadores imigrantes.
“Os uniformes possuem uma força imensurável de transmitirem mensagens para a sociedade. Seja o conceito utilizado, a camisa do time é a principal representação de uma equipe ou de uma seleção. Em nossa linha, por exemplo, temos o projeto da ‘Consciência Negra Todo Dia’, produtos que fortalecem a luta contra a discriminação racial, problema que, infelizmente, ainda está presente no Brasil”, conta Fernando Kleimmann, sócio-diretor da Volt, empresa de material esportivo 100% brasileira.
A CBF por sua vez teve o cuidado de tentar “despolitizar” a camisa da seleção brasileira, que nos últimos anos foi muito associada à imagem dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). O lançamento contou com a participação do rapper Djonga, crítico declarado do presidente e torcedor fanático do Atlético-MG. O uniforme principal do Brasil traz detalhes que remetem a pele de uma onça. A camisa azul também conta com referências ao animal, um dos mais emblemáticos da fauna brasileira.
No site da Nike, cada camisa oficial da seleção custa R$349,99, valor equivalente a quase 30% do salário mínimo no país. Mesmo assim, o manto azul do Brasil se esgotou em poucas horas. “A questão da identificação não é só por causa do patriotismo. Estamos falando de uma indústria que move milhões também pela questão comercial, com pessoas que ficam em filas de espera esperando essas camisas serem lançadas”, afirma a consultora Marcia Jorge.