Fair Play Financeiro: 14 clubes da Série A estariam fora das regras, segundo estudo

Sem aplicação no País, tema pouco avança e enfrenta dificuldades diante de blocos de liga rompidos

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Atualização:

Os grandes aportes alocados em clubes do futebol brasileiro, seja por transformações em SAFs, inflacionados patrocínios de bets, ou até mesmo o atraso no pagamento das contas, aquecem a discussão sobre Fair Play Financeiro. Apesar de o assunto não ser uma novidade, não há um modelo em vigor no País para que seja possível delimitar quais regras são desrespeitadas. A intransigência no debate por uma liga unificada contribui para a materialidade do tema ficar cada vez mais distante.

Na Europa, onde o assunto evoluiu para a parte prática há cerca de 14 anos, cada liga adota uma forma de mensurar a linha de permissão entre gastos e receitas. A Espanha é conhecida pela rigidez no controle, enquanto a Inglaterra recentemente puniu clubes com a perda de pontos por infringir limites de déficits financeiros.

Palmeiras é um dos poucos que estaria dentro das regras, enquanto o rival Corinthians estaria abaixo do corte do fair-play financeiro. Foto: Alex Silva/Estadao

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Também no continente europeu, os clubes estão submetidos a um modelo da UEFA, em vigor desde 2011. As regras básicas visam garantir pagamentos, manter o déficit financeiro dentro de limites aceitáveis ao longo de três anos, e restringir o percentual das receitas que pode ser destinado a salários, transferências e comissões. Se descumprido, a participação em torneios continentais pode ser vetada.

A Conmebol planejava implementar um modelo de fair-play financeiro na América do Sul em 2023. Isso poderia beneficiar clubes fora do Brasil, que têm ficado para trás na disputa da competição continental. Segundo o presidente da entidade, Alejandro Domínguez, o conselho já havia aprovado um modelo, mas não foram divulgados detalhes ou dado um novo prazo.

Brasil vê ruptura na tentativa de liga como obstáculos para implementar modelo

Por meio do economista Cesar Grafietti, a Convocados, consultoria de investimentos especializada no mercado do futebol, desenvolveu um modelo de Fair Play Financeiro a ser aplicado no País. O projeto foi entregue à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 2019, e foi atualizado após a criação da Libra, em 2023, antes da cisão que originou o bloco antagonista Liga Forte União (LFU).

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A partir da edição 2024 do “Relatório Convocados”, publicado em parceria com as gestoras Galápagos e Outfield, é possível ter uma ideia de quais clubes estariam atuando dentro do Fair Play Financeiro. A base do ranqueamento vem de demonstrativos financeiros oficiais e auditados dos próprios clubes. A consultoria, então, desenvolveu índices para monitorar e avaliar o equilíbrio da condição econômico-financeira de cada um.

Os índices combinados geram uma nota (rating). A situação equilibrada é medida por meio de uma régua de corte da demonstração financeira. Segundo a Convocados, a volatilidade da economia brasileira gera fenômenos como oscilação de câmbio, renda, inflação e PIB, por exemplo, impactando nos demonstrativos. Assim, a forma de controle das informações precisa ser mais ampla, por meio dos seguintes índices:

  • Performance: conforme Lucros antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização (EBITDA, da sigla em inglês) e a EBITDA Recorrente
  • Alavancagem: por meio do controle de dívidas totais e de curto prazo em relação às receitas
  • Investimentos: para monitorar se os clubes estão operando em situação de conforto ou risco

A relação foi desenvolvida por meio dos balanços dos clubes brasileiros nos últimos 12 anos. A partir dessa base de dados, foram delimitados os índices para monitorar gastos compatíveis com as receitas, endividamento compatível com a capacidade de pagamento e investimentos dentro das possibilidades dos clubes, por exemplo. Cabe ressaltar a necessidade de os modelos serem continuamente ajustados. Os números referentes à 2024 serão publicados no primeiro semestre do próximo ano.

Seis clubes aprovados e 14 fora das regras

Levando em consideração os índices apresentados, apenas seis clubes do futebol brasileiro estariam jogando dentro das regras do Fair Play Financeiro: Flamengo (AAA), Athletico Paranaense (AA), Red Bull Bragantino (AA), Cuiabá (A), Grêmio (A) e Palmeiras (A). Equipes classificadas com “B” também estariam dentro das normas, mas o estudo não apontou nenhuma com essa nota.

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Outros 14 clubes da primeira divisão de 2023 estariam fora dos conformes: Corinthians (C), Fortaleza (C), Goiás (C), São Paulo (C), América-MG (D), Atlético-MG (D), Bahia (D), Botafogo (D), Coritiba (D), Cruzeiro (D), Fluminense (D), Internacional (D), Santos (D) e Vasco (D).

Entenda as notas

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São analisados os índices financeiros, sintetizados em custos, dívidas e alavancagem, junto do desempenho esportivo de cada clube. No caso do Flamengo, único com AAA, as receitas apontavam crescimento, com venda de atletas. Isso compensou o desempenho esportivo abaixo da temporada. Os custos não tiveram destaques, enquanto a geração de caixa foi definida como “absurda para um clube de futebol”. Boa parte é utilizada em capital de giro, mas ainda há margem para investimento no elenco – como foi feito em 2024 – e quitação de contas a pagar

O Palmeiras, apenas com A, teve receitas com menor crescimento, impactado pela redução de valores de direitos de transmissão e comerciais. Os custos cresceram, atrelados a contratações, mas também houve geração de caixa com vendas de jogadores, o que aponta para bom controle da operação.

Por outro lado, o clube consumiu R$ 87 milhões de antecipações (o que significou menos entrada de caixa pelas receitas em 2023). A geração de caixa na atividade foi suficiente para cobrir quase todas as necessidades do ano, como investimentos, pagamentos de coligadas e outras movimentações. A necessidade adicional de caixa foi coberta por bancos (R$ 37,6 milhões), dentro da capacidade de gestão do clube. A avaliação é boa, mas, conforme a análise do relatório, apenas com a nota A.

Fair-play financeiro: o cenário de Flamengo, Palmeiras e Corinthians

O destaque para o Flamengo fica por conta do contínuo aumento no crescimento de receitas, que alcançaram R$ 1,2 bilhão em 2023. Com custos (R$ 800 em 2023) e dívidas (R$ 391 mi) controlados, o clube consegue investir volumes relevantes em elenco e despesa de capital, além de reduzir as pendências financeiras de maneira parcelada, garantindo resultado positivo nas finanças — os gastos com encargos salariais representaram 63% da receita. Reestruturado e com um potencial comercial ímpar, por causa dos 45 milhões de torcedores, o Flamengo nada de braçada e dificilmente vai encontrar problemas para realizar operações no futebol.

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Flamengo desembolsou R$ 78 milhões ao River Plate para ter De La Cruz a partir desta temporada. Foto: Marcelo Cortes/Flamengo

Outro que consegue operar sem problemas é o Palmeiras. Segundo estudo, a geração de caixa na atividade foi suficiente para cobrir quase todas as necessidades do ano, como investimentos, pagamentos de coligadas e outras movimentações. A necessidade adicional de caixa foi coberta por bancos (R$ 37,6 milhões), dentro da capacidade da gestão. O clube ganhou recorrência na negociação de atletas, impulsionada pela venda do trio de bilhão (Endrick, Estêvão e Luis Guilherme), o que ajudou na redução constante do EBITDA Recorrente. Os gastos com encargos trabalhistas, porém, aumentaram, alcançando 63%.

Venda de Estêvão ao Chelsea foi um dos elementos que manteve saudáveis os cofres palmeirenses.  Foto: Cesar Greco/Palmeiras

O potencial comercial do Corinthians pode ser comparado ao do Flamengo quando lembramos o tamanho da Fiel torcida. Tanto é que o clube não possui problemas de operação, com boa geração tanto de caixa e receita. O desafio são os custos financeiros, como a dívida exorbitante da Arena. Com um passivo de R$ 2,3 bilhões, o clube não consegue gerar caixa suficiente para se manter, e precisa usar de estratégias que, em teoria, ferem o Fair Play Financeiro, como atraso de salários e aumento de parcelamentos, entrando em um espiral negativo sem fim.

Corinthians tem potencial como o do Flamengo, mas esbarra na grande dívida. Foto: Werther Santana/Estadão

Líder do Brasileirão, semifinalista da Libertadores e figura central no debate do Fair Play Financeiro, o Botafogo seria outro exemplo fora dos conformes. A SAF aumentou os custos, mas ainda paga muitas dívidas do clube associativo, gerando novas pendências — há expectativa de queda brusca no passivo de R$ 1,3 bi no balanço de 2024. O acionista majoritário John Textor investe forte no futebol alvinegro, contratando nomes como Thiago Almada (R$137,4 milhões) e Luiz Henrique (R$ 106,6 milhões), as duas mais caras da história do futebol brasileiro, para alavancar o negócio. A operação em déficit, conflitando com o alto investimento, é o que desperta questionamentos dos rivais.

“No Brasil vejo com dificuldade tentar limitar um teto para gastos, justamente pelo fato de não ter entendimento entre os dirigentes. Nem uma liga conseguimos formar, o que dizer de implementar o Fair Play Financeiro?”, questiona o presidente do Cuiabá, Cristiano Dresch.

“O Fair Play está ligado ao que você gasta em relação ao que arrecada, mas o que adianta arrecadar e não pagar? E não adianta terceirizar a culpa para CBF ou Fifa, a responsabilidade neste caso é inteira dos clubes. Por isso que no Cuiabá procuramos sempre oferecer o melhor dentro da nossa realidade, e para manter o clube vivo, eu preciso cortar na carne todos os dias”, completa Dresch.

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Recentemente, o mandatário do Cuiabá acusou o Corinthians de “dar um golpe no futebol brasileiro”. O motivo seria o atraso em parcelas do volante Raniele, negociado entre os clubes no começo do ano. O CEO corintiano Fred Luz classificou a fala como “exagero”.

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