Na madrugada do dia 24 de fevereiro de 2022, o mundo se assustou ao ver as imagens da invasão das tropas russas na Ucrânia. Nos dias seguintes, muitos foram os vídeos e relatos de ucranianos buscando sair do país para não “viver” em guerra. Alguns deles foram de jogadores brasileiros de futebol que atuavam no país e buscavam uma maneira de deixar a região em conflito armado. Mais de um ano depois do início da guerra, o futebol da Ucrânia continua sendo visto de maneira atrativa para os atletas do Brasil e resiste aos ataques do país de Vladimir Putin.
Atualmente, mais de 15 jogadores brasileiros estão atuando na Ucrânia. Conhecido por parte do público do Brasil por ser o destino de jogadores do País, o Shakhtar Donetsk disputa a Champions League desta temporada com Pedrinho, Newerton e Eguinaldo em seu elenco. Outra equipe que disputará competições europeias nesta temporada é o Dnipro, do goleiro brasileiro Max Walef, ex-Fortaleza. O atleta chegou após o início da guerra e explica a razão de ter aceitado a proposta.
“Eu cheguei no começo da temporada passada, com a questão da guerra já acontecendo. Acho que posso dizer que um dos fatores que me fizeram optar pela vinda foi o clube deixar claro que eu não iria morar na Ucrânia, em um primeiro momento. Cheguei para morar em uma cidade na divisa do país com a Eslováquia. Nesta cidade, mandamos as partidas da Liga Conferência na temporada passada e os da Champions League e da Liga Europa agora. Só passei a realmente morar na Ucrânia agora no meio do ano, mas também em uma cidade bem perto da divisa com a Eslováquia”.
Classificado para a fase prévia da Champions League, a equipe acabou sendo eliminada pelo Panathinaikos. Agora, o time vai disputar uma vaga na fase de grupos da Liga Europa contra o Slavia Praga. Por causa da guerra, partidas internacionais não podem acontecer em território ucraniano e o Dnipro continua mandando seus jogos nos torneios continentais na Eslováquia. Essa questão permanece mesmo com a retomada da nova temporada.
O campeonato na guerra
O Campeonato Ucraniano tem como atual campeão o Shakhtar. O time é o único representante do país na fase de grupos da Champions League. Em meio aos conflitos – e sem poder mandar suas partidas em Donetsk –, jogará em Hamburgo, na Alemanha, como mandante na disputa. Os rivais também aceitaram essa condição.
Apesar do período atual ser diferente e mais brando do início do conflito entre Ucrânia e Rússia, Max Walef não esconde que alguns momentos do campeonato nacional ainda são bem afetados pela rotina de um país em guerra. “Posso dizer que tem uma melhora sim, desde que cheguei ao país. O sistema de alarme sonoro para possíveis bombardeios funciona e é respeitado. Na temporada passada, quatro ou cinco jogos meus foram paralisados por causa do sinal sonoro e a partida retornou normalmente após o fim dele. Sobre as localidades dos jogos, o país está meio dividido. É como se fosse de Kiev até a Rússia, quase não temos jogos. O Dínamo de Kiev manda os jogos na capital, mas basicamente ele só. As partidas acontecem da capital para o lado contrário à Rússia, por questão de segurança”, explicou o goleiro do Dnipro.
O futebol também é uma forma de resistência à guerra. Com a bola rolando, a Ucrânia tenta ter uma vida normal, com as pessoas podendo fazer o que faziam antes de as bombas russas caírem sobre suas cabeças. Há muita movimentação no país para que o futebol ajude nessa reconstrução das cidades e dos hábitos de seus moradores. O Campeonato da Ucrânia está em sua segunda rodada. São 16 clubes na primeira divisão. Os jogos serão realizados no oeste do país, mais longe da fronteira com a Rússia e mais próximo dos países amigos como Polônia e Eslováquia. Se a sirene dos ataques russos soar, a partida para e todos se protegem.
Brasil na Ucrânia
O time ucraniano mais brasileiro da atualidade não é mais o Shakhtar Donetsk e, sim, o Vorskla Poltava. O clube conta com quatro jogadores do Brasil em seu elenco: Lucas Ramires, Tiago Santana, Felipe Rodrigues e Thiago Cunha.
Como a grande maioria dos jogadores na atualidade, Max Walef buscou entrar em contato com outros atletas que já tinham passado no Dnipro ou que estavam no clube quando a oferta para a ida para o futebol ucraniano lhe foi feita. Contudo, por causa da guerra, a quantidade de brasileiros no país era baixa. Agora, após mais de um ano do conflito, a situação vem mudando.
“Quando a proposta chegou para mim no ano passado, tentei contato com mais brasileiros para saber como estava o país e, principalmente, para saber do time, mas não tinha atletas do Brasil na equipe. Hoje, já temos mais estrangeiros além de brasileiros. Eu tenho argentinos aqui na equipe, e posso dizer que a presença estrangeira aumentou de uma temporada para a outra”, disse Max Walef ao Estadão.
Rescisão contratual
Quando a guerra começou, em meio às incertezas que cercavam o futuro da Ucrânia, a Fifa liberou uma normativa que permitia que os jogadores e profissionais estrangeiros que estivessem no país poderiam suspender seus contratos até o fim da temporada europeia de 2022/2023.
Com o conflito entre Ucrânia e Rússia continuando por mais tempo, a Fifa atualizou recentemente a normativa e os atletas estrangeiros que possuem vínculo com os clubes da Ucrânia puderam manter a suspensão por mais uma temporada, até junho de 2024. Desta forma, jogadores como o zagueiro Vitão, do Internacional, e o meia Pedrinho, do Atlético-MG, puderam renovar o empréstimo com as equipes brasileiras.
Política no futebol
Em meio aos conflitos bélicos, os clubes do país se envolvem com questões políticas ucranianas. Na capital Kiev, o Dínamo utiliza seus meios de comunicação para repassar informações do governo do presidente Volodymyr Zelensky às pessoas. Nesta semana, o site oficial do clube divulgou um pronunciamento oficial do político à nação sobre o desenvolvimento da região da Transcarpátia.
Além disso, o time, que fica na capital ucraniana, também publica vídeos de Zelensky em seus canais e plataformas nas redes sociais, a Dynamo TV. O clube é um dos que mais se envolvem na questão política em meio ao futebol. “Enquanto nosso país está em guerra, o princípio do ‘esporte fora da política’ não funciona para nós”, dizia um comunicado do clube, em julho. A Fifa sempre mandou o futebol não se envolver com a política, mas não vai aplicar nenhuma punição aos times da Ucrânia por isso.
Assim como o Shakhtar, que disputará suas partidas da Champions na Alemanha, o Dínamo recebeu propostas para que os jovens talentos do time treinassem nas dependências do Estrela Vermelha, em Belgrado, na Sérvia. O clube recusou formalmente, por meio de uma nota, agradecendo o convite. “Nosso clube tinha essa opção, mas por uma série de razões compreensíveis (incluindo a participação do clube sérvio Crvena Zvezda no torneio da Rússia), o convite foi rejeitado”, afirmou.
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