Futebol no streaming pesa no bolso e dificulta vida de idosos: ‘Tenho de ver no computador?’

Fragmentação de direitos de transmissões esportivas e proliferação das plataformas de streaming deixaram o torcedor confuso e encareceram exibição das partidas

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Foto do author Ricardo Magatti
Foto do author Murillo César Alves
Atualização:

O aposentado José Finelli, de 85 anos, não consegue mais assistir a todos os jogos do seu Palmeiras. Ele frequenta pouco as arquibancadas do Allianz Parque. Gosta, mesmo, é de ver as partidas de futebol pela televisão, no conforto do seu sofá, seja em canais pagos ou na TV aberta. Ultimamente, porém, algumas delas são transmitidas por plataformas de streaming, pelo celular ou computador. Aí é que está o problema.

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Ao contrário de seus três filhos e três netos, todos também palmeirenses, Finelli não sabe como acessar os aplicativos de streaming. Por isso, por exemplo, ele não viu os dois jogos do Palmeiras contra o Tombense pela Copa do Brasil. Os duelos tiveram exibição exclusiva no Amazon Prime Vídeo. Antes, a reclamação era porque os torneios estavam todos nas mãos de uma única emissora de TV. Hoje, o cenário é diferente.

“Eu tenho de assistir as partidas no computador?”, questiona ele, sem saber que os conteúdos do streaming podem ser vistos nos televisores mais modernos atualmente. Mas nenhum de seus quatro televisores têm esse recurso, por ora. “A dificuldade é essa. Fico incomodado. Quando não passa na TV, eu não assisto. Só vejo depois os melhores momentos e os gols”, relata. Seu problema também é o de outros torcedores até bem mais novos.

Funcionário por três décadas da Pirelli, gigante italiana fabricante de pneus, Finelli fez um curso para aprender como navegar pela internet depois que se aposentou. Usou o tempo livre para saber como ler as notícias nos portais jornalísticos, por exemplo. É por esses sites que ele descobre onde o jogo do seu time será transmitido. O Estadão é um deles.

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“Até aí eu aprendi, mas como chegar no streaming eu não sei. Nem tento saber como chegar lá”, diz. Sem esse conhecimento, ele tem de abrir mão de acompanhar o Palmeiras em algumas ocasiões. Se o jogo é muito importante, recorre aos filhos ou aos netos. O vizinho é outra opção.

José Finelli, 85 anos, fica sem ver o Palmeiras quando o jogo é exibido apenas no streaming Foto: Taba Benedicto/Estadão

“De vez em quando vou ao bar na esquina também”, conta o morador da Lapa, apontando para um boteco perto de sua casa que transmite as partidas exibidas pelo Première, canal de televisão por assinatura que utiliza o formato pay-per-view para exibir os jogos do Brasileirão.

MAIS CARO

A fragmentação dos direitos de transmissões esportivas, não mais restritos aos mesmos canais de televisão, e a entrada das plataformas de streaming nesse mercado ofereceram novas possibilidades ao torcedor. O valor para acompanhar futebol, entretanto, subiu. Hoje, os principais torneios de futebol do País são transmitido em seis plataformas de streaming diferentes - Amazon Prime Vídeo, CazéTV, DAZN, HBO Max, Star+ e Paramount+ - mais o Premiere. Se o torcedor assinar o pacote mensal de todos esses serviços, terá de desembolsar R$ 207 por mês. O valor mensal baixa caso o consumidor opte por assinar o pacote anual.

“O streaming veio para ficar, a gente sabe, mas é difícil e caro. Tenho de vender o almoço para comprar o jantar”, reclama o corintiano Mauro Proença. “Essa fragmentação é que quebra as pernas”, constata o músico e jornalista. Ele tem 58 anos e não encontra problemas para ver jogos do Corinthians pelo streaming, mas prefere a televisão pela praticidade e economia.

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A missão de Proença, ainda incompleta, é ajudar o pai, idoso como Finelli, a mexer no streaming. “A gente manda link, fala pra ele assinar, mas ele não confia. Às vezes faço um ligação por vídeo pra explicar direitinho. Tenho de fazer o beabá, mesmo assim é difícil pra ele”, comenta o corintiano. “É confuso para o torcedor de forma geral”.

O principal vilão de Alison Pereira dos Santos, 57 anos, é o delay maior do streaming em comparação com as transmissões pela televisão. A razão para o atraso é a conexão com a internet. Por mais que o pacote de dados do torcedor seja veloz, a decodificação para essas transmissões é ainda mais demorada.

“Não tenho mais assinatura de streaming por causa do delay. É muito chato quando você sabe do gol porque seus vizinhos gritaram antes”, reclama o vigilante patrimonial. Natural de Recife, Pereira é torcedor do Náutico, mas em São Paulo seu time é o Palmeiras.

BARES

O problema para acompanhar as transmissões digitais não é exclusividade de idosos. Longe disso. Os bares de São Paulo passam por situação semelhante. Além dos proprietários não saberem qual aplicativo ou canal terá a transmissão das partidas de Corinthians, Palmeiras e São Paulo, a variedade de opções aumentou os custos que os estabelecimentos têm para oferecer os principais jogos de futebol aos seus clientes.

No Mac Fil, bar próximo à Universidade Mackenzie, na região central da cidade, optou-se por não assinar os novos serviços de streaming. O local ainda transmite alguns jogos, mas somente aqueles que estão disponíveis nos decodificadores tidos como “clássicos”: TV aberta, fechada e pay-per-view.

Donos de bares reclamam de jogos em várias plataformas de streaming em razão do preço das assinaturas Foto: Alex Silva/Estadão

Fernando Torra, de 42 anos, é o dono do bar. Conta que, no mês, gasta cerca de R$ 500 para conseguir transmitir os jogos, valor que não contabiliza outras opções de streaming, apenas os canais fechados e o pay-per-view do Premiere. “Em jogos especiais, assinamos para os clientes”, diz. O Paramount+, por exemplo, exibe a Libertadores neste ano, enquanto o Amazon Prime Video adquiriu os direitos da Copa do Brasil.

Aberto no horário dos jogos de meio de semana, quando a clientela se une para acompanhar as partidas, o bar recebe cerca de 2 mil clientes nessas ocasiões. Desde setembro de 2021, quando a Lei 14.205, comumente chamada de “Lei do Mandante”, foi sancionada, as transmissões passaram a ser ainda mais divididas entre os canais. A legislação permite que todos os clubes decidam, por conta própria, negociar e transmitir os jogos disputados em seu domínio.

Antes dela, para que um jogo pudesse ser transmitido, por qualquer emissora que fosse, deveria haver um acordo com os clubes envolvidos. Hoje, por exemplo, o Athletico-PR é o único dos 20 clubes que disputam o Brasileirão que não fechou acordo com a Globo para a transmissão na TV fechada. Os jogos do time paranaense como mandante têm transmissão da CazéTV, no YouTube e Twitch, e da TNT Sports.

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Torra diz que, nessa realidade digital, é comum que torcedores venham questionar - ou até mesmo reclamar - da ausência do jogo de seu time do coração nos televisores do Mac Fil. O mesmo se repete em inúmeros bares do Brasil. “É um problema para todos. A gente não sabe ao certo em qual canal ou aplicativo vai passar a partida”, relata. “Tanto o cliente quanto nós precisamos procurar onde irá passar determinado jogo, fora todos os percalços que a transmissão de streaming traz consigo.”

Uma das principais reclamações dos usuários deste novo modelo é o atraso nas transmissões pela internet, já que o sinal depende de fatores externos. O sinal emitido pela emissora precisa ser tratado para aparecer na tela da televisão da sua casa, e variações de velocidade acontecem inevitavelmente. No caso de quem assiste aos jogos por aplicativos de streaming, o delay pode ser ainda maior devido à maior velocidade oferecida pelo sinal de TV tradicional.

Palmeirense, o aposentado José Finelli vê seu time apenas pela TV Foto: Taba Benedicto/Estadão

A ERA DOS STREAMINGS

As plataformas de streaming têm atraído e fidelizado o público mais jovem. Falta, ainda, os mais velhos. Levantamento da Kantar Media, realizado em 2022, aponta que 91% dos espectadores com mais de 60 anos assistem a canais na TV aberta.

“Os idosos, naturalmente, se incluem nessa faixa da sociedade que reclama, mas preferem manter seus hábitos. O envelhecimento da população também é um fator que pode influenciar na velocidade de implementação e consolidação de novas tecnologias. Afinal, é um grupo cada vez mais numeroso de pessoas que está nessa faixa etária, isso tende a aumentar junto com a nossa expectativa de vida, e isso gera um impacto social inevitável”, explica Bruno Maia, CEO da Feel The Match, desenvolvedora de propriedades intelectuais para Web3 e Streaming, e produtor e diretor de séries audiovisuais no Globoplay.

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“O caminho de ter menos players é natural na disputa por distribuição de conteúdo. Isso vale para o cinema, para o jornalismo, para o esporte. Hoje temos muitas plataformas, daqui a cinco, seis anos, devemos ter menos, porque uma vai comprando a outra. Esses negócios irão acontecer, então tem essa curva de tempo que temos de esperar”, prevê.

As plataformas digitais levaram profissionais com larga experiência na televisão. Cleber Machado, demitido da Globo em março, tem narrado os jogos da Copa do Brasil no Amazon Prime Video. No YouTube, Galvão Bueno ganhou seu próprio canal depois de deixar a emissora da família Marinho.

O influenciador digital Casimiro Miguel transmite os jogos do Athletico-PR no seu canal na Twitch Foto: Reprodução/CazéTV

Renê Salviano, CEO da Heatmap, empresa de marketing esportivo especializada em captação de contratos entre marcas, clubes, entidades e atletas, diz que a empresa de streaming tem de se preocupar, primeiramente, com a experiência do usuário.

“Tem que ser simples e de fácil acesso. Com este cliente em sua base, as plataformas necessitam de dados complementares (além de saber seu time de coração) de quem consome o produto. Desta maneira, fica mais fácil customizar o conteúdo e até mesmo colocar outros itens dentro do mesmo pacote”, afirma.

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“Se o produto futebol for o único item a se vender, torna-se complexo ter a retenção deste cliente nas plataformas, por isso é importante entender o que realmente faz sentido para aquele determinado grupo de fãs, e assim, ter outras conexões além do próprio jogo de futebol”.

Veja os serviços de streaming, eventos que transmitem e os valores mensais de cada um:

  • Amazon Prime Vídeo: Copa do Brasil, por R$ 14,90
  • CazéTV (YouTube e Twitch): jogos do Athletico-PR no Brasileirão, por R$ 1,99
  • DAZN: Estaduais e Série C, por R$ 34,90
  • HBO Max: Champions League, Paulistão, por R$ 34,90
  • Star+: Libertadores, Copa do Nordeste, Liga Europa, Campeonato Espanhol, Inglês, Francês e Italiano, por R$ 40,90
  • Paramount+: Libertadores e Sul-Americana, por R$ 19,90
  • Première: Brasileirão, Série B, Copa do Brasil e Estaduais, por R$ 59,90