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Gabigol vai de Rei do Rio ao banco de reservas do Flamengo sob o comando de Tite

Atacante tem status de ídolo ofuscado, perde lugar no time para Pedro e amarga fundo do poço no clube carioca

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Por Toni Assis
Atualização:

Atenção: procura-se cartazes na torcida do Flamengo com a frase “Hoje vai ter gol do Gabigol”. A cena, que se tornou rotina nas arquibancadas mostrando torcedores empunhando mensagens de incentivo ao seu ídolo, atualmente dá lugar ao descontentamento com seu principal jogador. Na derrota do meio de semana para o Atlético-MG por 3 a 0, resultado que afastou a chance de título do Brasileirão, Gabigol só entrou no segundo tempo.

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O polêmico atacante está a quilômetros de qualquer protagonismo no time. Com apenas cinco gols em 26 duelos no Nacional deste ano, Gabi não balança as redes desde a vitória de 3 a 2 sobre o Coritiba, no dia 20 de agosto. O efeito desta seca foi perder o lugar para Pedro. Pior, a exemplo de Bruno Henrique, que deixou de ser intocável no elenco, Gabriel Barbosa ainda viu seu espaço ser ocupadono ataque por Luiz Araújo e Cebolinha.

A queda vertiginosa contrasta com um ano que se iniciou cercado de expectativas. No fim de 2022, além de ter feito o gol do título da Libertadores, o atacante ficou marcado por sua conexão com a torcida na decisão da Copa do Brasil. A comemoração efusiva após converter seu pênalti fez o Maracanã se incendiar para a fase de cobranças alternadas na disputa de penalidades. O título veio dos pés de Rodinei, que superou o goleiro Cássio. Não bastasse isso, ainda herdou, num Maracanã lotado, a camisa que foi de Zico, na despedida de Diego Ribas.

Essa idolatria, porém, foi ofuscada desde a abertura de 2023. Gabigol balançou as redes 20 vezes em 58 partidas, o que dá uma média de 0,34 gol por confronto. Pouco para um atacante que está entre os dez maiores goleadores da história do Flamengo (153 bolas na rede). Com a camisa rubro-negra, ele tem no currículo duas artilharias do Campeonato Carioca (2020 e 2022), duas da Libertadores (2019 e 2021) e ainda foi líder entre os goleadores no Nacional de 2019, o que justificava a frase espalhada pelo Rio: ‘hoje tem gol do Gabigol’'.

Gabigol vive péssimo momento no Flamengo Foto: Ricardo Moraes / Reuters

Com o poder de despertar paixão e descontentamento, a certeza é que Gabigol tem o seu nome na mais alta prateleira de ídolos da Gávea. Também canhoto, e ídolo da torcida entre 1994 e 1997, o ex-atacante Sávio conviveu com a pressão de não só ser um dos principais jogadores da equipe, mas também encarar a responsabilidade de usar a camisa 10. Ao Estadão, o ex-jogador falou sobre a fase de Gabriel.

Recado de Sávio

“Qualquer jogador passa por momentos ruins e eu também já passei por isso. A única solução para ele superar isso é trabalho. Treinar, treinar e treinar muito. Outro ponto muito importante é a sustentação da família. Esse apoio faz toda a diferença”, comentou Sávio.

Sobre o peso de ser comparado a Zico desde os primeiros dribles na equipe principal, Sávio não vê o número 10 como peso que justifique uma queda técnica de Gabigol. “O Gabigol é um jogador que já estava na história do Flamengo pelo que tinha feito. Para mim, vestir a 10 foi um sonho. Era um prazer enorme porque era a camisa do meu ídolo e do maior jogador do clube. "

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De fato, a relação do atacante com as conquistas impressiona. Desde a chegada em 2019, foram dois títulos da Libertadores, dois Brasileiros, um tricampeonato carioca, uma Copa do Brasil, além de duas Supercopas do Brasil e uma Recopa Sul-Americana , dando um total de 11 taças.

POLÊMICAS MARCAM ANO DE SECA

A fase de bonança, no entanto, parece ter sofrido uma pausa. Junto com a seca de gols e a má fase técnica, vieram também as mais diversas polêmicas. Desde a comemoração de um aniversário que provocou protesto de um grupo de torcedores por causa do mau momento do clube, a um beijo direcionado ao técnico são-paulino Dorival Júnior após a derrota do rubro-negro para a equipe paulista no primeiro jogo da final da Copa do Brasil.

A mais recente controvérsia, e que movimentou até os bastidores do clube, aconteceu no dia do aniversário do Flamengo. Nas redes sociais, ele postou uma ilustração ao lado de Zico. Sentados no trono, Gabigol ostentava duas Libertadores, enquanto o maior jogador da história rubro-negra segurava um troféu. Gabigol sorrindo. Zico sério.

Titular da equipe que comandou o futebol no Brasil no início dos anos 80, o ex-volante Andrade achou a postagem inadequada e mandou um recado para o atacante ao ser questionado sobre o assunto.

“Acho que foi uma brincadeira. Ele com duas Libertadores e o Zico com uma só. Mas ele esqueceu que o Zico foi campeão mundial. Até que não fosse, não existe comparação. O Zico é o Zico e o resto não importa. Ele deveria estudar mais a história do Flamengo”, afirmou o ex-jogador durante cerimônia no saguão da Gávea.

NO SANTOS, RETOMADA APÓS FIASCO NA EUROPA TEVE AJUDA DE CHULAPA

Dono de nove artilharias na carreira, Gabigol fez história também no Santos, clube onde foi revelado. Pela equipe da Vila Belmiro, foi o goleador da Copa do Brasil em três edições e também encerrou o Brasileiro de 2018 como artilheiro. Após uma passagem discreta pela Inter de Milão e Benfica, retornou às origens em busca de uma volta por cima. Integrante da comissão técnica, o ex-centroavante Serginho Chulapa foi um dos responsáveis pelo resgate do seu futebol.

“Passei treinos específicos de finalização, força e explosão e usei de muita conversa para recolocar Gabigol novamente como protagonista. Condição de dar a volta por cima, ele tem. É um jogador completo. É bom finalizador e sabe jogar por trás dos atacantes. Acho que o fato de ter ficado fora da Copa do Mundo (do Catar) o enfraqueceu um pouco. Mas precisa voltar a ter foco. No Flamengo, depois do Zico, ele é o cara. Não é qualquer um que ganha duas Libertadores fazendo todos os gols decisivos”, afirmou Chulapa ao Estadão.

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Amigo da família e com um profundo carinho por Gabigol, Serginho adiantou que vai ter um encontro com o atleta no próximo dia 15, quando vai organizar um jogo entre amigos em Santos. O artilheiro flamenguista já garantiu presença. “Não gosto dele no banco. O Gabigol sabe que é um jogador de seleção e vamos ter uma conversa. Já o ajudei uma vez aqui no Santos e isso vai ser superado. Apenas questão de tempo. Quem nunca passou por uma situação dessas?”, questionou.

Diretor técnico do Santos na última década, Clodoaldo Tavares Santana viu de perto o surgimento do jovem atacante e lembrou dos primeiros passos do promissor jogador nas categorias de base. “O Gabriel era especial já com 13 anos. Naquela época se falava muito naquela coisa de que um novo raio estava surgindo (referência a atacantes promissores revelados no clube). O que acho é que ele precisa recuperar a autoestima. Sem a confiança, ele vira jogador comum, e sabemos o que ele é capaz de fazer. Ainda mais com a camisa do Flamengo”, afirmou Clodoaldo.

Em tempos de exposição demasiada e pressão por resultados a todo momento, a parte mental também merece um cuidado. Para João Ricardo Cozac, psicólogo do esporte, e presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte e do Exercício, vários fatores têm de ser analisados para essa queda de rendimento. O ano conturbado do Flamengo e as constantes trocas de treinadores podem ser um desses indicativos.

“Aparentemente, o futebol dele caiu de qualidade ao longo da troca de treinadores. No período do técnico Jorge Sampaoli houve muita turbulência no ambiente de trabalho. Isso foi vivido intensamente por todos. O Flamengo é um dos poucos times que não tem um psicólogo do esporte no elenco. A ausência desse amparo psicológico pode ter vulnerabilidade o futebol do Gabriel e ele não conseguiu resgatar. Acredito que o apoio da família é fundamental para que se sinta bem emocionalmente. E a dedicação no dia a dia é a receita para mostrar ao treinador que tem capacidade para ter novas chances.”

Para completar, Cozac destacou ainda mais um ponto para que essa recuperação se concretize. “É importante ter resiliência. Aprender que muitas vezes, nessa dificuldade, é importante acreditar no seu futebol para voltar bem.”

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