Alexandre Bourgeois e Antonio Carlos Castanheira sentavam frente a frente na sala do presidente da Portuguesa quando receberam a reportagem do Estadão. Eles contam que estavam na mesma disposição em maio, quando se reuniram pela primeira vez para debater o projeto de SAF para o clube. Pouco mais de seis meses depois, a ideia ganhou amplo apoio de torcedores, com aclamação no conselho deliberativo e aprovação de 83% (128 a 26) na assembleia de sócios.
Para o presidente Castanheira, esse era o único caminho viável para que a Portuguesa continuasse a existir. Com baixa geração de renda, o clube acumula R$ 450 milhões em dívidas. O time conseguiu voltar à elite do Paulistão em 2022, na qual se mantém desde então. Em 2025, também estará na Série D do Brasileirão.
A gestão acredita que a Portuguesa pode mais. A proposta apresentada pelas empresas Tauá, Revee e XP Investimentos é de colocar o clube novamente na Série A, o que não acontece desde 2013. Para esse e outros objetivos, o aporte chega a R$ 1,2 bilhão. Bourgeois, presidente da Tauá Futebol, é o responsável por gerir o futebol nesse sentido.
O caso de sucesso do empresário é a atuação como consultor junto ao Lens, da França, vice-campeão da Ligue 2 em 2019/20 e vice-campeão da Ligue 1 em 2022/23. Quando se olha para a atuação no Brasil, contudo, o histórico não é tão próspero, com polêmicas passagens em São Paulo e Figueirense.
O que pode ser diferente na atuação de Bourgeois na Portuguesa? Para ele, sequer há comparação. “O São Paulo é uma associação, eu fui lá na condição de CEO, mas é uma associação. De investidor por trás, não tinha nada não. Figueirense, mesma coisa. Eu fui como executivo. Aqui eu venho como investidor, um dos sócios que está fazendo investimento aqui. Então, a gente tem, aqui, o poder da caneta. A gente vai fazer o que a gente acredita que tem que fazer”, resumiu ao Estadão.
A trajetória de Alexandre Bourgeois no futebol brasileiro
Alexandre era diretor da Teisa em 2014, quando a empresa fez uma parceria com o Santos para transferências. A companhia chegou a comprar 5% dos direitos de Neymar, em 2010. O empresário já não estava mais por lá quando as partes se envolveram em uma briga judicial por causa da confusa transferência do brasileiro ao Barcelona.
A carreira de Bourgeois no futebol não parou por ali. Em 2015, ele foi levado por Abilio Diniz ao São Paulo, como CEO. Ocupou a função por apenas três meses, de junho a setembro, na gestão de Carlos Miguel Aidar. Com a renúncia do então presidente, assumiu Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, que reconduziu o empresário ao cargo.
A gente tem, aqui, o poder da caneta. A gente vai fazer o que a gente acredita que tem que fazer
Alexandre Bourgeois, gestor da SAF da Portuguesa, sobre comparação com outros trabalhos já desenvolvidos por ele no Brasil
O retorno não deu certo logo após um mês. Na época, Bougeois disse que o São Paulo não estava pronto para uma gestão profissional. Depois, chegou a cobrar o clube na Justiça. Isso foi argumento até mesmo para que nomes importantes da política são-paulina desistissem de uma candidatura e definissem apoios, nas eleições de 2017.
O próximo negócio de Bourgeois foi no Figueirense, como representante da Elephant, com promessas de grande investimento, em 20 anos. O empresário saiu com apenas dois meses, por discordâncias na gestão.
A parceria do clube com a empresa foi marcada por falta de dinheiro, um título estadual e até derrota por W.O. diante do Cuiabá na Série B do Campeonato Brasileiro de 2019. Desde 2020, os catarinenses jogam a Série C e recentemente tiveram aprovada sua recuperação judicial, já como SAF.
Tecnologia para ser eficaz e meta de voltar a servir seleção brasileira são base da SAF da Portuguesa
Um tanto do poder de decisão que o Bourgeois lamenta não ter tido nos outros trabalhos e dispõe agora na Portuguesa envolve uma das principais mentalidades da iniciativa privada: a competitividade. “Um trabalho em que você tem menos recursos, você tem que ser mais inteligente seu concorrente, porque você não pode errar tanto”, elabora.
“Se você é o Flamengo, você pode errar mais. Contratar três jogadores, gastar muito dinheiro. E, se não der certo, está ótimo. Se você não tem tanto dinheiro, você não consegue fazer isso, você tem que ser mais assertivo”, conclui.
Mais do que uma boa execução, a tônica é de que isso gere os objetivos planejados. É a busca por eficácia. Não há detalhes ainda sobre softwares que serão usados internamente na Portuguesa, mas é esperado que a tecnologia seja a base da análise do negócio para tomar decisões que afetam o campo.
“Uma das diferenças (para outros trabalhos) é usar bastante tecnologia para poder melhorar a qualidade do jogador, aperfeiçoar especialmente o trabalho de base. No resto é trazer jogadores que a gente quer formar aqui. A gente tem um projeto importante na base, e queremos resgatar a história de revelação do jogador para a seleção brasileira”, projeta o gestor, que cita Djalma Santos, Enéas, Zé Roberto e até mesmo a curta passagem do garoto Dener, morto aos 23 anos.
Transformação do Canindé em arena para ‘jogar bola e fazer shows’ foi atrativo para proposta
A Revee irá administrar o estádio do Canindé, para transformá-lo em uma arena multiuso, capaz de receber até 45 mil pessoas em shows e 30 mil em jogos. O projeto foi uma das propostas que cativou Castanheira. Muitos investidores já haviam demonstrado interesse na Portuguesa, por causa do Canindé, que tem uma localização privilegiada na capital paulista. Nenhum, segundo o presidente, o convenceu como Alexandre.
“O projeto de arena, eu venho perseguindo há nove anos. Só que vinha acoplado de shopping, prédios residenciais... mas quando ele (Alexandre) falou, foi na nossa simplicidade: ‘É uma arena para jogar bola e fazer show’. Simples assim. Uma arena para jogar bola e fazer show. É na simplicidade que você começa o grande projeto”, declarou Castanheira ao Estadão.
O presidente foi eleito em 2020 e reeleito em 2022. Ele conta que defende a profissionalização do clube desde a primeira campanha. O balanço da gestão de dois mandatos é resumido, para Castanheira, na palavra “dignidade”.
“A gente conseguiu deixar a Portuguesa de pé, digna. Porque, quando a gente chegou aqui, estava um caos. Cinco buracos de piscina, não tinha receita alguma, e a gente conseguiu restabelecer um certo equilíbrio. Não só na parte financeira, mas também dentro de campo. O time até correspondeu. Na segunda gestão, subimos para o Paulista. Estamos indo para o terceiro ano, mas a Portuguesa precisa muito mais que isso. E para esse ‘muito mais do que isso’ era necessário a SAF”, argumenta.
Subimos para o Paulista. Estamos indo para o terceiro ano, mas a Portuguesa precisa muito mais que isso. E para esse ‘muito mais do que isso’ era necessário a SAF
Antonio Carlos Castanheira, presidente da Portuguesa
A assembleia dos sócios parecia ser meramente protocolar no caminho da SAF, mas vieram dúvidas. O Conselho de Orientação e Fiscalização (COF) questionou se o negócio não seria prejudicial no longo prazo, diante de incerteza sobre investimentos.
A situação foi amenizada por Castanheira, que se reuniu com conselheiros junto do investidor para sanar dúvidas. “Um contrato desse tamanho tem dúvida toda hora, todo instante. Normal. O que importa é que, na minha visão, quem manda é a torcida. A torcida clama por uma Portuguesa profissional. A década de 2010 foi péssima para Portuguesa. Estou atendendo um anseio da torcida. Estamos aqui para profissionalizar de futebol”, argumenta o presidente.
Castanheria aponta que foram considerados os ritos e exigências dos poderes do clube. Entretanto, ele destaca que não seria viável para a Portuguesa disputar o Paulistão já com a SAF, se não fosse feito um trabalho paralelo de estruturação de elenco e comissão técnica. Tanto que o técnico Cauan de Almeida já foi anunciado três dias após a assinatura oficial do contrato da SAF.
“Foi uma velocidade implantada. Não me lembro, na história da Portuguesa, de ter feito três citações, de uma atrás da outra: COF, conselho e assembleia. Nessa velocidade, toda hora vai ter dúvida no contrato. Lógico que vai. E aí sempre tem aqueles que: ‘Ah, mas espera aí ó, antes de assinar tem que tirar essa dúvida’. Não tem tempo para isso, as principais ressalvas foram feitas”, diz Castanheira, que garante que novos questionamentos continuarão elucidados durante a nova forma de gestão.
Entre um dos pontos de dúvida, estava que a proposta citava um “aporte no valor de até R$ 120 milhões”. Segundo o COF, isso não garante “certeza do investimento na sua totalidade”. Entretanto, o entendimento é de que esse valor seja gerado pela própria SAF, sem precisar de investimento. Se a SAF não gerar essa verba, a XP financia.
Quem manda é a torcida. A torcida clama por uma Portuguesa profissional
Presidente da Portuguesa, sobre transição para SAF
Dos R$ 1,2 bilhão de todo o projeto, R$ 263 milhões serão aplicados diretamente no futebol, diluídos em cinco anos. Somente para 2025, serão R$ 30 milhões. O grupo encabeçado por Alexandre Bourgeois detém 80% das ações da SAF.
As empresas assumiram também as dívidas da Portuguesa, estimadas em R$ 450 milhões. Entretanto, a gestão avalia que é possível quitar em R$ 250 milhões.
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Ainda em 2025, os R$ 263 milhões seriam divididos da seguinte forma: R$ 44 milhões para o futebol de base, R$ 50 milhões para compras de jogadores, R$ 18 milhões para o CT, R$ 7 milhões para a equipe feminina e R$ 144 milhões para a folha salarial de cinco anos.
A meta é alcançar a semifinal do Paulistão até 2028 e as quartas de final da Copa do Brasil e a Série A do Brasileirão até 2029. A Portuguesa estreia no Campeonato Paulista no dia 15 janeiro. O adversário será o atual campeão Palmeiras, no Allianz Parque. O clube integra o grupo A, com Santos, Santo André e Ituano.
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