‘Guardiola teria dificuldade em treinar uma equipe no Brasil’, afirma Renato Gaúcho

Treinador do Grêmio, em entrevista ao ‘Estadão’, fala sobre a pressão sobre técnicos, sobre futebol feminino e a falta que o torcedor sente de jogadores com opiniões fortes

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Por Eugenio Goussinsky
Foto: Alex Silva / Estadão
Entrevista comRenato GaúchoTécnico do Grêmio

Em meio a um grupo de jogadores do Grêmio que acabou de chegar ao hotel em São Paulo, surge a figura do técnico Renato Gaúcho, de 60 anos, não muito diferente dos tempos de jogador. Ele logo se destaca. De forma firme e vigorosa, deixando de lado o cansaço do voo e da rotina, se dirige ao espaço da entrevista prometida ao Estadão.

E começa a falar com naturalidade sobre diversos temas, iniciando pela insatisfação que demonstrou com sua equipe na partida anterior, quando empatou em casa com o Bragantino. Antes da primeira rodada do Brasileirão, ele havia colocado o Grêmio no patamar dos favoritos. Não coloca mais. Mal sabia ele que seu time perderia feio um dia depois para o Palmeiras: 4 a 1.

Com 23 anos como treinador, Renato não teme parecer contraditório e encara cada pergunta do repórter como um prazeroso desafio. Prossegue em ritmo de bate-papo, discorrendo sobre a pressão que os técnicos sofrem no Brasil e utilizando o caso de Dorival Júnior, no Flamengo, como exemplo.

O técnico também elogiou o português Abel Ferreira, realçou a opinião de Vanderlei Luxemburgo sobre as inovações do futebol e as dificuldades de um treinador em função da mudança do comportamento dos jogadores nos últimos anos. Também comentou sobre o sucesso de Pep Guardiola no Manchester City, mas com a ressalva de que se viesse para o Brasil, teria dificuldades, e falou ainda sobre a seleção brasileira e a necessidade de se manter o respeito ao futebol do Brasil.

Este início de Brasileirão está sendo mais difícil do que você imaginava no momento em que colocou o Grêmio no mesmo patamar de outros favoritos?

Não estava pensando nada diferente, sabia que o campeonato seria bastante difícil como são os Campeonatos Brasileiros todos os anos. Quando falei, estávamos bem, com o grupo nas mãos e ninguém no departamento médico. Tínhamos um plano A, com jogadores inteligentes, que gostam da bola, como o Franco (Cristaldo), o Vina, o Bitelo e o Nathan, que chegou agora. E tínhamos um plano B sempre com a velocidade do Ferreirinha, que teve um problema sério. Muita gente também foi para o departamento médico e no futebol hoje em dia é difícil você ter somente um esquema. Velocidade no futebol é fundamental. Hoje não temos esses jogadores, por isso dei essas declarações, mas nada contra ninguém.

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O Grêmio continua ou não entre os candidatos ao título?

Eu penso grande, o Grêmio é grande e para disputar títulos tem de estar sempre com o grupo cada vez mais forte para a gente competir com os demais. Até porque não vamos dar moleza para ninguém. São 38 rodadas, 38 decisões, não só para o Grêmio como para os demais. Hoje em dia é muito difícil você apontar dois times que vão cair ou ser campeões. Com todos os problemas, nossa situação na tabela é controlável, estamos bem posicionados, daqui a pouco teremos todos de volta, abre a janela e vamos ver o que iremos fazer.

Renato Gaúcho afirma que hoje em dia é necessário ter muita paciência com os jogadores Foto: Alex Silva / Estadão

A reclamação após o terceiro gol do Bragantino no empate foi um tipo de desabafo em relação à pressão sobre os treinadores, quando eles orientam de uma maneira e são os jogadores que erram?

Infelizmente no futebol sempre o treinador é culpado em tudo, mas ali fiquei chateado porque treino bastante, mostro no vídeo e depois vou na prática. E ali a gente cometeu um erro infantil, coletivo, não poderia. E o adversário não perdoa. Deixamos escapar uma vitória dentro de casa. Esse foi o meu aborrecimento porque eu treino os atletas, falo para eles ficarem concentrados o tempo todo, enquanto o juiz não apita o final, isso pode acontecer e aconteceu com a gente.

Como você lidou com aquela falha do Andreas Pereira na final da Libertadores, que acabou contribuindo para sua demissão no Flamengo?

Erros acontecem. O Andreas teve uma infelicidade e pisou na bola. Essas coisas acontecem. A mesma coisa, no caso agora do Diogo Barbosa (contra o Bragantino), ali, de repente ele não estava tão concentrado naquele lance, naquele momento em que ele levantou a cabeça procurando um companheiro, mas ele sabe que é uma área perigosa e o adversário sempre quer dar o bote. Mas quando erra um, erra todo mundo.

Você já assimilou a sua saída do Flamengo?

Tive um aproveitamento de mais de 74%, só o Jorge Jesus teve mais nas competições que disputou. Independentemente da decisão da diretoria, eu me despedi do grupo logo após a partida contra o Palmeiras (na final da Libertadores) no vestiário mesmo. Mas a cobrança é muito grande em cima do treinador no Brasil. Infelizmente o treinador é culpado de tudo. A prova está aí, basta ver quantos treinadores passaram pelo Flamengo depois de mim.

O Dorival Júnior foi um deles e hoje está conseguindo fazer a equipe do São Paulo evoluir. A situação dele foi semelhante à sua?

Acho que a situação do Dorival foi até pior do que a minha, porque ele foi campeão, ganhou Copa do Brasil e Libertadores. É difícil, tudo cai nas costas do treinador. Da minha parte, eu pelo menos estou vacinado. Por isso que não ponho multa no meu contrato. Quando estou cansado do clube, pego minha mala e vou embora e se o clube está cansado de mim, pode me mandar embora também, não precisa me pagar nada e eu não quero nada do clube. Ponto final.

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Você acha que Vanderlei Luxemburgo, agora no Corinthians e aos 71 anos, ainda pode contribuir com novas ideias para o futebol?

Em relação à idade, isso aí depende da capacidade de cada um sem importar quantos anos ele tem. Um cara de 40 anos pode saber muito, assim como um cara de 70 anos pode saber muito mais do que ele. Vi declarações do Vanderlei e concordo plenamente com elas. As pessoas falam hoje em dia de treinadores mais jovens, que estudam, que fazem isso, aquilo e que eu não tenho nada contra. Mas o que mudou o futebol? Quem inventou esquemas diferentes até agora? Ninguém. O que foi inventado, e eu concordo plenamente com ele, são palavras diferentes. Acho que o treinador não tem de falar bonito, com palavras difíceis, tem de se fazer entender pelo grupo, falo por mim, essa é a minha opinião.

Qual a sua opinião sobre o Abel Ferreira e a grande quantidade de técnicos portugueses no Brasil?

Hoje, no Brasil, os técnicos são estrangeiros ou são brasileiros mais experientes. Abel Ferreira é um vencedor, gosto muito dele, tem mostrado o tempo todo no Brasil a capacidade dele, muitos outros portugueses estão no Brasil e, se for bater o martelo, só deram certo o Abel e o Jorge Jesus. Com alguns outros, a cobrança é grande, mas os clubes brasileiros estão tendo mais paciência, algo que não têm com os próprios técnicos brasileiros. Queria ver lá fora, se os clubes de Portugal teriam a mesma paciência que os brasileiros têm com técnicos portugueses no Brasil.

Renato Gaúcho sofre com o Grêmio no começo do Brasileirão Foto: Alex Silva / Estadão

Você acha que Pep Guardiola, técnico do Manchester City, teria dificuldade em dirigir um clube no Brasil?

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Ah, sim, Guardiola teria dificuldade em treinar uma equipe no Brasil, do jeito que o brasileiro cobra. Aqui você vencendo tem pressão. Comigo mesmo, no Flamengo, no começo a gente estava ganhando de todo mundo de goleada. Depois, começamos a ganhar apertado os jogos, mas ganhando. Mesmo assim as pessoas não estavam aceitando, veja a que ponto chegamos.

O técnico Cuca deixou o Corinthians após toda a pressão sobre a condenação na Suíça. Como você vê o empoderamento feminino e a participação das mulheres no futebol?

As redes sociais hoje em dia, não só no caso do Cuca, quando começam a te atacar, e atacam todo mundo, isso aí é uma bala de canhão. Mas eu acho que a mulher tem todo o direito dela.

Por que você acha que a cobrança em relação à derrota da seleção feminina é menor em relação à masculina?

A seleção masculina está em outro patamar. A feminina tem pouco tempo (em comparação com a masculina). Mas daqui a pouco vai ter mais cobrança mesmo, tem de se preparar para isso.

Como você viu recentes declarações do técnico Carlo Ancelotti sobre a possibilidade de treinar a seleção brasileira. Muitos consideraram desdenhosas?

Acho que, acima de tudo, os maiores títulos quem tem é o Brasil. Quem está tratando, se é que estão ocorrendo essas tratativas, tem de ver isso. No caso, o presidente da CBF. Não tenho visto entrevista do Ancelotti e de qualquer um, mas se ele está desdenhando ou brincando quem tem de ver isso é o presidente da CBF. Acima de tudo, tem de ter muito respeito.

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Como você vê o sucesso de técnicos como Guardiola e Klopp?

Os dois são muito bons, agora uma coisa tem de ser levada em consideração. É muito fácil você pegar e montar um grupo de 1 bi de euros. Pegar dois ou três melhores por posição. O clube vai buscar quem eles quiserem. Tem condição financeira. Aí já passa a ser até uma obrigação ganhar. Você tem um grupo de 1 bi de euros, tem os melhores, tem que dar resultados com esses plantéis qualificados. Não é o caso deles, mas até um treinador mais ou menos vai se dar bem, pela qualidade do grupo.

Como você vê o estilo de jogo posicional?

Eu prefiro da minha maneira, o jogador usando acima de tudo a qualidade dele que é o que o brasileiro tem, do drible, de inventar. Muitos treinadores começam a posicionar o jogador e transformam o jogador brasileiro em um tipo de robô. Sou totalmente contra, é preciso dar liberdade se o jogador brasileiro tem qualidade. Ao posicional, sou bastante contra.

Como você vê a postura do jogador brasileiro hoje em dia?

Isso é algo que mudou muito, hoje em dia, para você falar com um jogador, não que eu seja contra o assessor, pelo contrário, mas o jogador deixa tudo nas mão do assessor de imprensa. O torcedor quer escutar o jogador, quer ver o jogador, por isso sente falta de um Romário, Edmundo, Renato, Túlio, Viola... Esses jogadores, no bom sentido, enchiam os estádios. A gente falava, provocava para ter o estádio lotado. Hoje não tem mais isso e isso faz falta para o torcedor.

E o que um técnico precisa ter hoje que não tinha no tempo em que você era jogador?

Cara, hoje em dia você tem de ter muita paciência com os jogadores, tem de saber lidar com o grupo de jogadores. Mudou de uma maneira ampla, em todos os sentidos. Além dessa questão de o atleta não dar mais entrevista, você tem o problema das redes sociais. Antes, terminava o jogo e o jogador ia fazer uma sauna, banheira, sala de musculação terminar o trabalho dele. Hoje, termina o jogo e o jogador já corre para o vestiário para ver o que tem no celular. Eu proíbo meus jogadores em algumas horas, eles têm um tempo para usar, mas é uma briga mundial. Eu falo para eles, daqui a pouco vai ter um jogador caindo em campo, saindo de maca, e um outro jogador vai tirar um celular da sunga e fazer uma ligação ou tirar uma foto. É uma doença. Até nas refeições, quando estão comendo, pelo amor de Deus. É uma briga e um desgaste a mais para o treinador, é um contra trinta.

Você ainda tem o objetivo de treinar a seleção brasileira?

Quem for contratar tem que saber se o perfil do treinador vai ajudar. Todo técnico tem o sonho de treinar a seleção, a não ser que o cara não se garanta. Lógico que quero, se um dia vai chegar, não sei, trabalho para isso, ganho títulos no clube justamente para ter uma oportunidade na seleção. Mas aí cabe ao presidente da CBF tomar essa decisão.

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