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Isolamento, vídeos e cuidados domésticos: como ex-jogadores encaram a quarentena

Ídolos do passado que estão na idade de risco do novo coronavírus contam como têm enfrentado o período de dificuldade

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Por Ciro Campos e Wilson Baldini Junior

Emerson Leão, Zé Maria, Clodoaldo, Muricy Ramalho e César Maluco cravaram seus nomes na história dos grandes times de São Paulo. Eles fizeram parte de times eternos e travaram duelos inesquecíveis entre si. São todos da mesma geração. Atualmente, os cinco têm mais de 60 anos e fazem parte do grupo de risco ao novo coronavírus, mas demonstram a mesma disposição e garra que os tornaram ídolos em seus respectivos clubes para combater a covid-19 nesse momento. Uma das referências da seleção na Copa de 70, Jairzinho, com 75 anos, segue a mesma linha dos colegas e se encontra isolado em um sítio no Rio, conforme disse ao Estado seu filho, Jair Ventura. A 'Velha Guarda' do futebol se protege e respeita o isolamento.  

Assim como dentro das quatro linhas, o sexteto possui estilos diferentes para lidar com os dias de confinamento. Aos 70 anos, Leão, goleiro do Palmeiras por uma década (1968 a 1978) e da seleção brasileira em quatro Copas do Mundo (1970, 1974, 1978 e 1986), mantém seu estilo regrado de dormir e acordar cedo, além de manter a forma ao cortar a grama e limpar a piscina de casa.

Seleção na Copa de 1970: jogadores do passado agora vivem tensão com pandemia Foto: Arquivo/Estadão

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Zé Maria, lateral-direito do Corinthians de 1969 a 1983 e da seleção nas Copas de 1970 e 1974, continua com a mesma determinação que o tornou um dos maiores símbolos do time de Parque São Jorge para cuidar da horta e dar suas "dez ou 12" corridinhas todos os dias no quintal de casa.

Clodoaldo, substituto do inigualável Zito na cabeça de área do Santos, utilizou parte do tempo de isolamento social para rever a final da Copa de 1970, no México, mostrada na TV, e se divertir com o gol da seleção marcado por Carlos Alberto Torres no final, quando o Brasil venceu a Itália por 4 a 1. "Achei bonita a jogada que fiz no último gol", disse o volante ao Estado, sempre muito simples, ao relembrar o espetacular momento no qual driblou quatro italianos.

Se não fossem alguns problemas físicos, Muricy, com certeza, seria um dos grandes astros do futebol brasileiro pós-Pelé. Hoje, comentarista do SporTV e o mais "jovem" do grupo entrevistado, o ex-meia cabeludo do São Paulo, campeão paulista de 1975, sofre com a distância imposta à neta Maria Clara e aos filhos.

Já Cesar Maluco, um dos maiores artilheiros da história do Palmeiras e titular da segunda "Academia" e ainda parceiro do insuperável Ademir da Guia, é o mais veterano do grupo. Aos 74 anos, sente falta do dia-a-dia no Palestra Itália (como ainda chama o Allianz Parque), onde exerce sempre com entusiasmo o papel de conselheiro do clube. As reuniões acabaram e o clube está fechado.

Jairzinho está passando aquarentena em um sítio Foto: Arquivo Pessoal/Jair Ventura

Para o Furacão da Copa de 1970 e perceiro de Pelé, Jairzinho, o pedido da família foi para que ele ficasse em um sítio em Miguel Pereira (RJ). "O espaço é grande no sítio. Faz a caminhada dele, mas com moderação, até porque não é nenhum garoto mais. Tem sauna e piscina também. Então ele fica lá quietinho. O momento é este, de ficar com a família", disse ao Estado seu filho, o treinador Jair Ventura. O ex-atacante está com 75 anos e gostava de andar pelas ruas do Rio.

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Portanto, ao contrário de muitos jovens, os "vovôs" do futebol brasileiro dão uma lição de cidadania, bom humor, criatividade e força de vontade para continuar em um jogo diante de um adversário invisível, o novo coronavírus, mas que será vencido, segundo todos eles.

Muricy Ramalho, 64 anos: 'Tenho uma netinha de quase três anos e não posso nem abraçá-la'

Estou há semanas no meu apartamento, só saio um pouco para fazer atividade física em lugar que não tem ninguém. Tenho de cuidar da minha saúde. É duríssimo. Tenho três filhos, que estão longe de mim agora. A gente só fica no Facetime falando. Mas não é igual, porque não tem o abraço e o carinho. Tenho uma netinha de quase três anos e não posso nem abraçá-la. Temos de segurar essa onda. Só deixei de ser treinador porque levei dois grandes sustos (uma diverticulite em 2015 e uma crise de arritmia cardíaca no ano seguinte). É uma coisa que é importante estar ligado. Esse vírus é perigoso.

Muricy durante o período de quarentena Foto: Reprodução/Instagram

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Está ruim, como para todo mundo. A gente está sempre acostumado a viajar, encontrar os amigos e trabalhar. Então é muito estranho estar isolado, como estou. Eu e a minha mulher estamos no nosso apartamento, saindo bem pouco, longe dos filhos e da neta, dos amigos. É uma rotina difícil para todos, muito dura. Vamos ter de aguentar.

A gente tem de entender que é perigoso, que não pode encontrar outras pessoas. Vale o sacrifício. Eu e minha senhora estamos no grupo de risco, pela idade. Temos de saber que esse vírus é duro e não perdoa. É difícil esta situação e também ficar sem futebol. O vírus você não controla e para nós, que gostamos do esporte, é ruim. Está sendo difícil ficar sem futebol. Mas temos de entender a situação.

Muricy aproveita o tempo livre na quarentena para ler livros Foto: Reprodução/Instagram

O problema do futebol, como no Brasil todo, é que quando acontece alguma coisa grave, se fala muito naquele momento e depois se larga tudo. Neste momento, a gente queria ver os clubes se unindo e pensando juntos. Mas não vai acontecer. Vai passar a pandemia, se Deus quiser, e depois cada um segue para o seu lado. Entre os clubes, cada um pensa no seu. Desde que me conheço como jogador, nunca vi os clubes se juntarem para resolver situações complicadas.

Clodoaldo, 70 anos: 'Revi a final da Copa de 1970 nesta quarentena'

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Estou ficando em casa e aproveitei para ver algumas reprises de jogos antigos. O último que acompanhei foi a final da Copa de 1970, acredita? Achei bonita a jogada que fiz no último gol, o do Carlos Alberto (risos). Gostei que na transmissão os comentários eram do meu irmão, o Gerson, o "Canhotinha de Ouro". Também vi um Santos e Portuguesa, acho que foi em 1973, em que dei um passe para o Pelé matar no peito e fazer um golaço. Estou gostando de rever jogos, porque eu relembro de lances e de momentos que tinha esquecido.

Campeão mundial em 1970, Clodoaldo faz exercícios funcionais em casa durante a pandemia Foto: Arquivo Pessoal/Cloadoaldo

A quarentena tem sido difícil, porque estamos acostumados com a correria do trabalho e aí de repente precisa ficar em casa o tempo todo. Tem de se cuidar. Mas estou fazendo alguns exercícios aqui dentro e até criei coragem para sair um pouco, tomar um sol e pedalada na orla da praia, ou uma caminhada curta, até para relaxar a cabeça. Mas com distanciamento das outras pessoas, né? Precisa obedecer aos médicos.

Nas últimas semanas eu não tenho recebido visitas. Tenho duas filhas, uma que mora na Bahia, e a outra aqui em Santos. Mas estamos nos falando só por telefone, por causa da doença. Estamos torcendo. Estou feliz que pela manhã finalmente consegui tomar a vacina contra a gripe. Tinha feito várias tentativas. Até que agora deu certo. Eu e minha mulher conseguimos ficar imunizados.

Clodoaldo durante os treinos para a Copa de 1970 Foto: Arquivo/Estadão

Eu até tomei cuidado esses dias quando saí para comprar comida. Tem vezes que a gente pede por telefone e entregam, mas queria comprar algo na padaria. Ainda bem que me ajudaram e nem precisei entrar. Fiquei do lado de fora e vieram entregar o meu pedido. Mas quero que acabe logo esse período, para voltar a ter futebol. Sinto muito falta, porque o esporte preenche os meus momentos de lazer.

César Maluco, 74 anos: 'Meus netos sempre pedem para eu me cuidar'

Eu fico sempre em casa. Vou só ao banco e volto. Aí visito minha filha na casa dela e volto para casa também. Não tenho nem ido mais ao Palmeiras, porque não pode. Está fechado. Até perdi esses dias dois grandes amigos que tive no futebol, o Serginho e o João Marcos. Eles não faleceram pelo coronavírus, mas infelizmente não pude ir ao velório dar um abraço nos familiares porque não pode ter reunião.

Ex-atacante César Maluco é atualmente conselheiro do Palmeiras Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Está difícil ficar sem futebol na TV. É duro. Depois que a gente para de jogar, a gente não fica mais tão fanático, mas gosto muito de assistir uma partida, até para se distrair. Sinto falta de ir ao Palestra Itália, de participar da política do Palmeiras, das reuniões do Conselho Deliberativo. Só que com a pandemia as opções de coisas para fazer são poucas.

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Agora só fico vendo filme junto com dois netos. Eles moram comigo. Até descobri que tem essas coisas novas para ver assistir, como Netflix e Now. Estou descobrindo as novidades. Eu tenho mais dois outros netos, que são os mais velhos. Eles estão bem preocupados comigo e sempre me ligam e falam: "Vô, se cuida, por favor. Não saia de casa".

É uma doença invisível. Tem de se cuidar. O mundo parou, então não podemos fazer nada. O calendário está todo complicado, ninguém sabe quando a vida vai voltar ao normal. É preciso ter paciência e se cuidar. Eu estou atento e preocupado. Saúde é importante. Ainda mais que sou do grupo de risco, né?

César Maluco (camisa 9) em lance de ataque contra o São Paulo na final do Brasileiro de 1973 Foto: Claudine Petroli/Estadão

Eu nunca passei por algo tão estranho no futebol. Desde a gripe espanhola, lá em 1918, que o mundo não parava. Espero que seja pela última vez que a gente tenha esse problema. Acho que isso que está acontecendo é um puxão de orelha para a humanidade andar na linha. Acredito que no retorno à vida normal daqui uns dias o ser humano vai estar melhor, com mais vergonha na cara, mais sensibilidade e mais companheirismo.

Leão, 70 anos: 'Aproveito para fazer trabalhos domésticos'

Muita gente achou que iria resolver esse problema em alguns dias,mas acho que a quarentena será mesmo de 40 dias. Não importa. Nesses momentos surgem muitas pessoas com outros interesses e palpiteiros. Temos de seguir o que as autoridades de saúde nos orientam. Só desta forma vamos conseguir eliminar esta situação o mais rápido possível.

Émerson Leão foi goleiro, treinador e dirigente Foto: Hélvio Romero/Estadão

Eu sempre me exercitei e aproveito este momento para fazer trabalhos domésticos. Ajudo a cortar a grama, a limpar a piscina e dou comida todos os dias para os meus passarinhos, mas eles não estão na gaiola. São os que vêm me visitar no quintal todas as manhãs. Eu sempre dormi cedo, levanto cedo e busco ter uma vida normal. Moro em casa, então tenho uma liberdade maior nesse momento de confinamento.

Eu fiquei muito triste nos últimos dias pois tive três notícias muito tristes. A morte dos ex-companheiros de Palmeiras João Marcos e Serginho, além de uma imagem do Marco Antônio (lateral-esquerdo na Copa de 1970) alcoolizado em uma bar no Rio de Janeiro. Tudo isso em um momento desse, deixa a gente muito triste.

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Leão em 1971 durante treino do Palmeiras Foto: Arquivo/Estadão

Acho que essas repetições de jogos antigos são muito legais para o público jovem. Não são jogos da minha época, mas são disputas diferentes dos de hoje, pois mostram equipes ofensivas, que procuravam o gol o jogo todo. Para os mais novos é bom. Também é muito bom rever Guga, Ayrton Senna, Emerson Fittipaldi, que foram atletas importantes na história do esporte brasileiro.

Zé Maria, 70 anos: 'Cuido da minha horta, corro no quintal e me cuido'

O momento é muito complicado, mas é preciso ser comedido, equilibrado. Tanto em casa como na política do país, que precisa seguir as determinações dos órgãos competentes. Eu trabalho na Fundação Casa e, por causa da minha idade (71 anos), fui liberado para ficar em casa.

Zé Maria defendeu o Brasil nas Copas de 1970 e 1974 Foto: Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians

Eu cuido da minha horta, corro no quintal, me cuido, afinal vou fazer 71 anos em maio. Este é um momento de solidariedade, de tentar falar com familiares e amigos. Falo com o Rivellino, Ado, Geraldão (seus ex-companheiros de Corinthians). Me preocupo com eles e sei que eles se preocupam comigo. Mas essa é uma situação na qual todos se devem preocupar com todos.

Não estou acostumado a ficar parado. Passei minha vida de jogador viajando e gosto de conviver com amigos e familiares. Depois que parei de jogar profissionalmente, sempre busquei me movimentar e agora não podemos nem sair de casa para trabalhar. Mas tenho certeza de que vamos conseguir superar todo este problema em breve.

Zé Maria pelo Corinthians em jogo contra a Ponte Preta, em 1980 Foto: Arquivo/Estadão

Acompanho jogos antigos que os canais de TV de esporte estão passando. Na quinta-feira, vi Brasil x Holanda, de 1998. Mesmo sendo uma outra geração, gosto de acompanhar. São grandes jogos e sempre é bom ver mais uma vez. Também teve um documentário do Tostão, muito bem feito. Essas transmissões nos ajudam a passar o tempo e também colabora para matar a saudade.

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