Publicidade

Jogador 'gato', bastidores e 116 clubes: como o Brasileirão virou uma bagunça há 20 anos

Copa João Havelange de 2000 resgata período em que desfazer regulamentos e mudar regras eram rotina no futebol brasileiro

PUBLICIDADE

Incerteza sobre realização do Campeonato Brasileiro, calendário apertado, movimentos políticos e uma decisão só disputada no ano seguinte. Embora a descrição pareça se referir ao cenário atual, marcado pela pandemia do novo coronavírus, na verdade se trata de uma das edições mais confusas da competição nacional. Há 20 anos, o mês de julho foi marcado por uma enorme reorganização e pelo lançamento da Copa João Havelange, utilizada na ocasião como o Brasileirão do ano 2000. Foi o único campeonato da história a não ter sido organizado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

O Estadão buscou conversar com personagens da época e pesquisou informações antigas para explicar os motivos de tantos elementos inusitados. A origem de toda essa confusão está em 1999. Naquele ano a CBF decidiu que a média de pontos dos anos anteriores seria utilizada para definir a classificação final. Por esse modelo, o Gama foi rebaixado, mas a equipe se sentiu prejudicada por causa de um fator inusitado ligado ao São Paulo.

Clube dos 13, presidido por Fábio Koff, assumiu a missão de organizar o campeonato Foto: Otávio Magalhães/Estadão

PUBLICIDADE

O clube do Morumbi escalou em partidas de 1999 contra Botafogo e Inter o atacante Sandro Hiroshi. O jogador atuou com a idade adulterada nos seus documentos de registro, esquema conhecido como "gato". O São Paulo acabou punido com a perda dos pontos conquistados nessas duas partidas e graças à mudança no resultado, o Botafogo se livrou do rebaixamento e sobrou para o Gama ter de ficar nas últimas posições. Mas o time do Distrito Federal não se conformou.

Disposto a se manter na elite, o Gama acionou a Justiça Comum contra a CBF. A entidade acabou punida e ficou impedida de organizar o Brasileirão de 2000. O clube teve apoio político do então senador José Roberto Arruda na empreitada. Até meados de julho daquele ano, não se tinha a certeza de como o Brasileirão seria disputado. Ou seja, foi uma grande bagunça. "Foi um enorme impasse para todos. Até chegou a ser ameaçada a realização do campeonato", contou ao Estadão o presidente do Grêmio na época, José Alberto Guerreiro.

Publicidade

Foi um enorme impasse para todos. Até chegou a ser ameaçada a realização do campeonato

José Alberto Guerreiro, Presidente do Grêmio em 2000

O impasse foi solucionado pelo Clube dos 13. A organização criada em 1987 para defender o interesse político das equipes assumiu a responsabilidade de cuidar da competição, diante da impossibilidade da CBF em encarar essa missão. Em maio de 2000 o Clube dos 13, presidido por Fábio Koff, anunciou que iria planejar o torneio. Mas até os jogos começarem, no fim de julho, foram dezenas de reuniões, ações na Justiça e acordos nos bastidores.

Em uma longa queda de braço, o Gama venceu e não foi rebaixado. O clube contou até com uma ameaça da Fifa feita à CBF para que resolvesse o impasse. No fim das contas, o Gama entrou na elite e teve outros novos companheiros. O Clube dos 13 promoveu automaticamente à Série A times que eram filiados à organização: Fluminense, Bahia e América-MG. Para contornar toda essa confusão, a competição mudou radicalmente o formato e teria 116 participantes.

Caso Sandro Hiroshi deu início à revolução no Campeonato Brasileiro de 2000 Foto: Paulo Pinto/Estadão

Todos esses clubes foram divididos em quatro divisões, como se fosse hoje em dia as Séries de A até D. Para a fase decisiva, de cada um desses módulos sairiam alguns representantes para compor os 16 times nas oitavas de final. "Naquela época o futebol era muito conturbado. Eram viradas de mesa a toda a hora, insegurança sobre cumprimento de regulamentos e muita disputa por liderança política. As decisões não eram discutidas, mas tomadas de cima para baixo", explicou o presidente do Santos em 2000, Marcelo Teixeira.

Naquela época o futebol era muito conturbado. Eram viradas de mesa a toda a hora, insegurança sobre cumprimento de regulamentos e muita disputa por liderança política

Marcelo Teixeira, Ex-presidente do Santos

Quando a bola começou a rolar as polêmicas nos bastidores esfriaram. O confuso regulamento teve na fase final 12 times do principal módulo, três do segundo escalão e um representante das outras duas séries. "Foi um formato injusto de Brasileirão", disse o então técnico do Vasco, Oswaldo de Oliveira, ao Estadão. "Um time saía de uma divisão inferior, depois de enfrentar adversários mais frágeis, e tinha um atalho para chegar às fases finais", completou.

Publicidade

Um time saía de uma divisão inferior, depois de enfrentar adversários mais frágeis, e tinha um atalho para chegar às fases finais

Oswaldo de Oliveira, Técnico do Vasco em 2000

O intenso Brasileirão de 2000 só terminou no começo do ano seguinte. A decisão foi entre o Vasco, já sob o comando de Joel Santana, e a zebra São Caetano, que veio do segundo módulo. Como não poderia deixar de ser, o encerramento do tumultuado calendário também foi bagunçado. A queda do alambrado no jogo disputado em São Januário em 30 de dezembro levou a partida a ser remarcada só para semanas depois.

Em 18 de janeiro de 2001 o Vasco fez 3 a 1 no São Caetano e levou a taça do Brasileirão mais inchado da história. O torneio ficou na memória pela série de fatos inusitados, mas para o presidente do Grêmio na época, aquela Copa João Havelange deixou um aprendizado. "O legado principal de tudo foi os clubes se unirem para discutir calendário. Naquela época cada Estadual terminava em um mês diferente. Não tinha padronização alguma. Infelizmente por pressão política da CBF, o Clube dos 13 não voltou a organizar mais nada, mas vejo que se a gente tivesse feito o campeonato por mais um ano, tudo seria aprimorado", afirmou.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.