Alguns dos jogadores cooptados pelo grupo suspeito de fraudar apostas esportivas em partidas das séries A e B do Campeonato Brasileiro de 2022 e de Estaduais de 2023 precisaram realizar ações em campo de graça para compensar acordos não cumpridos previamente com os apostadores. Eles sofriam ameaças. Os atletas eram aliciados com a promessa de receber parte do dinheiro arrecadado em troca de serem punidos deliberadamente com cartões amarelos e vermelhos, ou cometerem faltas durante a partida.
Em troca de mensagens no WhatsApp, anexadas pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) à denúncia, Bruno Lopez, apontado como o chefe da quadrilha, conversa com outros apostadores sobre a possibilidade de manipular uma aposta de uma partida do Campeonato Goiano. Ele afirma ter um atleta disponível para participar da fraude que não havia cumprido outro trato previamente. Ou seja: o jogador estava ‘devendo’ para a quadrilha.
“Irmão, vê se, vê se no jogo do Vila Nova e Goiânia hoje vai abrir, por quê? Porque o muleque (sic) que era do Vila Nova, que tá me devendo lá, que ramelou na última rodada lá, ele foi pro Goiânia, entendeu? Ele vai fazer de graça, aí vê se hoje abre, que se hoje abrir na próxima dá pra gente usar”, diz Bruno, em conversa datada em 11 de janeiro.
Bruno Lopez, também identificado nas mensagens como “BL”, se refere à Romario, ex-jogador do Vila Nova. O chefe do grupo criminoso cooptou o atleta para que ele ou outro jogador do time goiano cometesse um pênalti no primeiro tempo da partida com o Sport, pela 38ª rodada da Série B do Brasileiro, realizada no dia 6 de novembro de 2022. O esquema acabou não dando certo porque Romario não entrou em campo nem houve penalidade a favor do Sport. Foi justamente o presidente do Vila Nova, Hugo Jorge Bravo, que denunciou o aliciamento de jogadores.
Em conversa do dia 19 de dezembro, BL diz em mensagens aos companheiros do esquema que tem a expectativa de receber R$ 2.500,00 do sinal + R$ 192.000,00 de Romario, R$ 59.099,05 de Fernando Neto, ex-jogador do Operário e que também não cumpriu um acordo anterior, além de outros R$ 106.00,00 a receber do apostador Leo Cunha, que teria entrado no esquema por intermédio de Bruno para “tapar um buraco”.
“Os jogadores aí, esses dois jogador (sic) tá no prejuízo com nós, vai trampar de graça. Então tipo, eles vão trampar de graça pra cobrir o preju deles, então tipo, é coisa que na primeira operação também nós já pega aí, nada nada, uns trezentinho, pelo menos né? Trezentos pra cobrir o preju, então tipo, dinheiro pra entrar tem irmão, é só ter um pouquinho de paciência”, diz.
Fernando Neto, de 30 anos, chegou a ser cobrado por BL por não conseguir ser expulso no duelo entre Operário x Sport, pela 37ª rodada da Série B. Foi prometido ao atleta o pagamento de R$ 500 mil, dos quais R$ 40 mil foram depositados adiantadamente, em troca de um cartão vermelho, mas o jogador foi apenas ‘amarelado’ na ocasião. Ao ser questionado pelo apostador, o meio-campista disse que fez de tudo para ser punido pela arbitragem e que o juiz Caio Max Augusto Vieira chegou a suspeitar de sua atitude em campo.
“Mano, se você viu o jogo mesmo, você viu que eu fiz de tudo. Se pudesse escutar o que falei para ele depois das faltas que fiz, falta sem bola, falta fora do lance, no início do jogo já fiz falta na entrada da área e nada. Eu chamei ele de cego, xinguei de filha da p***, mandei ele se f**** e tomar no c* quando levei amarelo. Eu não estou contando história, não. Eu tentei porque você falou que já tinha feito a operação. O árbitro no meio do jogo chegou em mim e perguntou se eu estava querendo ser expulso. Na volta do intervalo, ele falou a mesma coisa e perguntou o que estava acontecendo”, relatou Neto, em conversa interceptada pelo MP.
Caso parecido viveu Eduardo Bauermann, do Santos. O zagueiro teria recebido R$ 50 mil para levar cartão amarelo no jogo Santos x Avaí, pelo Brasileirão do ano passado, mas não foi advertido durante a partida. Em uma conversa depois do confronto, que terminou empatado, o defensor santista foi cobrado por não ter sido punido conforme o combinado — os apostadores receberiam cerca de R$ 800 mil com a operação. Mais tarde, foi decidido que o zagueiro receberia o vermelho em duelo com o Botafogo na rodada seguinte. O atleta, de fato, foi expulso, mas após os 90 minutos, o que invalidou novamente a aposta. Enrolado com os criminosos, ele ficou de pagar R$ 50 mil em sete parcelas.
Em dívida, Bauermann também cogitou, além de pegar um empréstimo no banco, forçar uma venda pelo Santos. Em diálogo com o apostador, que cobrou o prejuízo após a partida contra o Botafogo, o zagueiro comenta que chegou a receber uma proposta do Club León, do México. “Quanto vale seu passe hoje, mano?”, pergunta Romarinho. “20%, se não me engano. Recebi proposta de US$ 2,5 milhões (do León) e no final estou para receber uma de US$ 4 milhões”, revela Bauermann. “Que m**** você fez, mas infelizmente vai ser o jeito”, complementa o apostador.
Bauermann também revela que recebeu ameaças de morte após não cumprir com sua parte no acordo. A Operação apreendeu duas armas, em posse do apostador identificado como Romarinho, quando o apostador foi preso de forma provisória. O apostador também chega a questionar se o jogador não teria dois companheiros no Santos à disposição para “ajudar a sair dessa m**** que se enfiou”. “Acho que (tenho) uns dois”, comenta o zagueiro, sem citar nomes. Esse novo acordo, segundo as conversas interceptadas, não chegou a ocorrer.
A CBF acredita que jogos desta temporada do Campeonato Brasileiro não estão contaminados. A entidade pediu instauração de inquérito na Polícia Federal ao ministro da Justiça Flávio Dino. A CBF descarta, nesse momento, parar o futebol no Brasil. As casas de apostas se dizem vítimas do esquema. Elas se tornaram grandes investidoras do futebol brasileiro.
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