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Leifert: ‘Torcedor organizado está mais propenso a se machucar. Há tempos falo de tragédia iminente’

Gabriela Anelli, de 23 anos, torcedora do Palmeiras, morreu na última segunda-feira vítima de estilhaços de uma garrafa de vidro antes do jogo com o Flamengo, no Allianz Parque, pelo Brasileirão

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Foto do author Robson Morelli
Atualização:


Entrevista comTiago Leifertjornalista

Tiago Leifert afirmou ao Estadão que nunca deixou de dar opiniões sobre casos polêmicos no futebol. Já falou do racismo de Vini Jr, de Cuca no Corinthians e mais recentemente da morte de Gabriela Anelli, a torcedora do Palmeiras de 23 anos que estava perto do confronto e teve o pescoço cortado por estilhaços de vidro do lado de fora do Allianz Parque, sábado, em jogo do Palmeiras contra o Flamengo.

O jornalista se viu no olho do furacão nesta semana ao comentar de forma clara o que pensa das torcidas uniformizadas, rebateu que estivesse criando fake news ao errar uma informação que muitos outros sites se confundiram também no dia do jogo, inclusive o Estadão, que depois corrigiu a nota sobre o portão da briga, D e não A, e não entendeu o motivo de tanta revolta nas redes com ele. Gabriela era membro da Mancha Alvi Verde e foi enterrada na terça-feira.

Por que você acha que está sendo cobrado no caso da palmeirense que morreu?

A Gabriela morreu na segunda-feira de manhã. Naquela hora (do jogo), não só eu, como todos os grandes portais, o Estadão, o G1 e o UOL, tinham informações desencontradas sobre a situação. A gente acreditava que havia acontecido um confronto só. No portão A do estádio. Depois, ao longo da tarde, apareceu a informação do confronto do portão D. Eu disse na live, e mantenho, que o fato da Gabriela ser de uma organizada e estar próxima ao conflito, isso é relevante. A gente não pode ignorar o fato de que ela é a oitava morte de torcedor organizado em 2023. Morre um por mês. Fora as brigas. Fora tudo. Eu, em nenhum momento, nenhum, disse que ela teve culpa, mas eu mantenho o que disse. Que hoje o torcedor organizado está mais propenso a se machucar. Hoje, quem é de torcida organizada está mais propenso a morrer. Todas as brigas são de torcida organizada. Todas as brigas são causadas por torcida organizada. Os mortos são de torcida organizada. A gente não vê famílias de torcedor comum, que eu já odeio o termo, que não precisava nem existir, brigando no estádio.

Muita gente confundiu no sábado, dia do jogo, as duas brigas, a da Gabriela e aquela outra da polícia, que usou gás de pimenta.

A informação de que ela tinha morrido entrando com o ingresso no portão C, que o Estadão deu e muita gente deu, estava errada. Pouca gente corrigiu. A gente veio depois a descobrir que não era isso, ela não estava entrando no portão C. Ela estava tentando invadir o portão de visitante D no momento do confronto. Tudo o que acontece depois, é uma tragédia enorme, que precisa ser evitada. A melhor forma de respeito ao luto, a melhor forma de respeito ao que aconteceu, é a gente falar a verdade. E a verdade é que torcedores de organizadas estão morrendo. E ela era uma torcedora organizada. Esse fato não pode ser ignorado.

Nota da Redação: A informação foi publicada pelo Estadão às 9h41 de segunda-feira, com base em nota da Secretaria de Segurança Pública. O texto foi corrigido por volta das 13h, informando que foram duas brigas em locais diferentes, após nova informação divulgada pela SSP.

E por que você acha que as pessoas nas redes não entenderam isso?

Não faço a menor ideia porque as pessoas não entenderam o que falei. Quem me acompanha sabe que estou há mais de um ano avisando que uma tragédia era iminente, não só com morte de uma torcedora ou torcedor de organizadas, mas de torcedor ou torcedora comum, alguém vai morrer. E jogadores de futebol também. Acho que a gente está correndo risco. Eu venho há um ano falando isso. Eu coloquei essa coletânea no meu Instagram para todo mundo ver que estou há muito tempo falando que a gente estava com uma tragédia iminente. Então, fico muito surpreso com o cancelamento (nas redes). A manchete, por exemplo, do Estadão, que foi a mesma do Choquei, era que espalhei desinformação, eu não espalhei desinformação. Não espalhei informação em momento nenhum. Espalhar desinformação é você, deliberadamente, criar uma notícia para induzir o público ao erro. Eu não estou induzindo o público ao erro. A Gabriela morreu num momento de confronto entre torcedores uniformizados e ela estava perto do confronto. Foi exatamente o que falei, eu só errei o portão. Isso é um erro factual. Um erro benigno.

Será que é porque você é um cara famoso, está na mídia?

Não sei. O meu pedido de desculpas foi só esse, de que errei o portão. Eu errei o portão. Eu estou fazendo o que nenhum site fez, que é corrigir a notícia. Todas as notícias erradas sobre o portão, sobre onde foi o confronto, continuam no ar. Ninguém fez errata. Eu falei, ‘pessoal, errei o portão’. Houve um confronto entre torcida uniformizada, ela, a Gabriela, era de uniformizada e estava no confronto. Isso é um fato. Eu não tenho nada com isso. A culpa não é minha.

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Você disse que quem é de organizada tem mais risco de morrer...

Eu estou constatando uma coisa factual. Isso não é fake news, pelo amor de Deus. É totalmente factual. Qual foi a mentira, que desinformação eu espalhei? Não foi no portão A, foi no portão D, mas ela estava no confronto do portão D. As imagens do Jornal Nacional são claríssimas. As imagens da ESPN são claríssimas. Então, eu não consigo mesmo entender porque que a culpa vem para mim. Eu estou há mais de um ano avisando da tragédia. Nunca viralizou. Eu também dei opiniões sobre o Cuca, nunca viralizou. Também dei opiniões sobre gritos homofóbicos em estádios. Sou contra grito homofóbico. Acho que tem de acabar. Sou a favor das punições. Nunca viralizou. Aí essa frase minha do tipo ‘quem é de torcida organizada, infelizmente, está mais sob risco de apanhar e de se machucar, de morrer.’... Qual é a constatação absurda? Eu estou indo muito longe? Eu errei? É a oitava pessoa a morrer. Estou errado? Eu viajei? Estou espalhando fake news? Fora todas que não morreram. Porque não sei se você sabe, mas tem um código de honra, as organizadas só podem brigar com pau, pedra, soco, soco inglês, mas não pode com arma de fogo. E quando está no chão tem de parar. Você não bate em quem está caído.

Você esteve em uma conversa com o presidente da associação das torcidas?

Fiz minha parte hoje, fiz um debate com a Associação Nacional das Torcidas Organizadas. Não vai aparecer em lugar nenhum, mas é um debate extremamente interessante. Eu tenho uma posição clara. Nem todo mundo de organizado é do mal, tem muita gente organizada, eles fazem trabalhos sociais e tal, mas todos os eventos violentos no estádio, no entorno, são de torcida organizada. Eu não acho normal que quando você vai ao estádio, precisa ter escolta da polícia, com cavalo e helicóptero, para te levar ao estádio. Se tem, há um problema. Ele, da associação, é contra a criminalização das organizadas e eu sou a favor da criminalização das organizadas. Porque acho que eles fazem hoje por merecer. Eles têm na mão todos os instrumentos necessários para evitar a tragédia. Eles sabem quem é quem. Eles têm as carteirinhas, eles sabem os nomes. Então, eles conseguem muito rapidamente identificar os membros disciplinados, mas eles não o fazem. Então fica fácil você falar que a culpa é da polícia ou do vendedor ambulante. Mas eles sabem quem causa o problema e eles também não fazem nada para acabar com isso.

Gabriela Anelli morreu na segunda-feira após ser atingida por estilhaços de uma garrafa de vidro antes do jogo entre Palmeiras e Flamengo, pelo Brasileirão Foto: Facebook

Você vê alguma diferença nas torcidas?

Fiz um breve levantamento muito simples ontem à noite, antes do debate. Eu fui ao Google e digitei ‘confronto torcedores’ e consegui levantar diversas ocorrências em diversos Estados, torcida da Chapecoense, torcida do ABC de Natal, problemas em Minas, problemas no Rio, problema em São Paulo, tem em todo lugar. Eu acho que é o modus operandi. É muito parecido em todas. Conversamos também sobre o disk balada, que é um negócio absurdo que as organizadas fazem. Não acho que tenha diferença. Os membros indisciplinados estão lá e eles não são punidos. Ele fala que já está começando a punir. Eu não vejo. Então, falei que eles precisam se comunicar melhor. Estão expulsando os membros indisciplinados, ele deu um exemplo de uma torcida de Goiás, que expulsou e suspendeu por seis meses algumas carteirinhas. Eu perguntei se era por violência. Não foi. Foi porque jogaram copos no gramado e isso causa o fechamento do estádio. Se eles são tão rápidos em identificar quem joga o copo, também conseguem ser em identificar quem briga de paulada, mas eles não fazem... Os torcedores da Gaviões da Fiel que bateram no Luan, eles estavam com a câmera, eles viraram a câmera para eles, eles mesmo gravaram e postaram. Então, todo mundo sabe quem são. A Gaviões sabe. Eles confessaram o crime e escreveram ‘alvo encontrado com sucesso’. Todo mundo sabe quem são.

Como é que você vê a participação dos clubes neste processo todo?

Eu acho fundamental que os clubes conversem com as organizadas e estabeleçam regras. Porque os clubes dão os ingressos à organizada. Então, quando você convida esses caras para sua festa e eles se comportam mal, tem de fazer alguma coisa. Acho que foi o Paulo Nobre que rompeu com a organizada do Palmeiras. Quando isso acontece é um escândalo.

Trazer a torcida para dentro do clube não é uma saída?

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Eu acho que é uma saída melhor do que torcida única, que é uma vergonha para a sociedade. A torcida única é reconhecer que falhamos como sociedade. É o equivalente a proibir os caixas eletrônicos porque está tendo muito assalto ao invés de prender o ladrão. Torcida única nos estádios é assumir que deu tudo errado. Se tirarmos as organizadas, vai ter problema? Vai ter briga? Hoje, eu não sei te responder, eu acho que não. Como é que a Inglaterra resolveu o problema? Toda vez que eu falo isso, sou xingado porque as pessoas falam na Inglaterra que o pau come. Não é verdade. Ninguém morre mais na Inglaterra. Ainda tem problema? Claro que tem. Sempre vai ter problemas pontuais, mas nós não temos batalha campal na Inglaterra. As leis lá são duríssimas. Os caras são banidos, não é que pega um mês de suspensão ou dois. É banido do estádio para sempre. O clube tem sim de trazer para o diálogo esses caras. Eles não querem ser banidos, não querem ser criminalizados. Eles têm na mão todos os instrumentos para evitar tragédias. É só botar em prática. Eu vejo que algumas facções políticas dos clubes usam as organizadas.

A Gabriela foi a oitava torcedora a morrer neste ano...

Ela podia muito bem ter batido boca com a torcida do Flamengo e não ter morrido. E aí tudo bem, errado, beleza, mas era só se afastar. Mas ela morreu e a gente não pode seguir como se nada tivesse acontecido. A gente não pode seguir o noticiário normalmente. A gente não pode chegar agora, domingo, e fazer uma rodada e começar a reclamar do VAR... Uma pessoa morreu. E as pessoas estão mais preocupadas comigo, com a minha opinião, com o que falei numa live, sendo que horas antes uma pessoa morreu vendo futebol. Pô, num jogo de bola.

O silêncio dos jogadores, o que pensa disso?

Eu não gostaria de generalizar, mas muitos jogadores têm uma parcela enorme porque vão às organizadas, aos churrascos, trocam ideias com os membros da organizada e com os diretores em rede social e se aproximam deles. Quando o Luan foi agredido dentro de um motel, o campeonato tinha de parar. Os jogadores tinham de ter entrado em greve, porque eles vão morrer. Mais cedo ou mais tarde, alguém vai morrer. A gente segue normalizando como se nada tivesse acontecendo. É paixão. Não é paixão. Está errado. Isso não é futebol. Alguém vai se machucar gravemente. Nós perdemos agora a Gabriela, a oitava pessoa. Daqui a pouco vai ser um jogador. O que mais a gente está esperando. A gente tinha de ter parado na primeira morte desse ano. Se a gente tivesse tomado uma atitude com as organizadas lá atrás, a Gabriela não tinha morrido, ela não estaria em confronto naquele momento por causa de uniformizadas entrando com o Flamengo. E a gente tem de conversar disso.

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Podemos parar o campeonato?

A gente não pode parar o campeonato porque tanto faz. Por que só eu estou aqui apanhando, preocupado falando e gritando para o vazio? Mas ninguém está preocupado, cara. A gente está acostumado com isso, pinta uma unha de branco, levanta uma hashtag e vida que segue. Não adianta fazer homenagem, não adianta levar flores. Vai morrer de novo. Alguém vai morrer em algum confronto em algum clássico em algum estádio. É o torcedor comum do Flamengo que vai brigar? Mas quantas pessoas, torcedores comuns, morrem em confronto?

O dinheiro fala mais alto, dinheiro do futebol?

O dinheiro sempre está falando mais alto. A gente fala que com racismo não tem jogo, e vai lá e joga. Ninguém vê isso aí, ninguém fala, a gente fica gritando no vazio, como estamos gritando agora. Eu me senti sozinha essa semana. Eu nunca me senti tão sozinho das polêmicas que arrumam para mim, eu não acordo e saio atacando pessoas, chamando alguém de covarde. Mas eu me senti muito sozinha essa semana porque a minha constatação foi óbvia. Eu falei, pessoal, a água é molhada. Pessoal, organizadas são perigosas. Essa menina não estava entrando no portão C. Era organizada, isso é fato relevante. Ela estava num confronto. A gente precisa conversar sobre isso. Eu me senti sozinho. Eu não sou maluco. Porque eu tenho certeza de que dentro da organizada tem muito mais gente do bem, muito mais. Que pode ter um nível maior de paixão do que o meu, pode ser um pouco mais sanguíneo com o futebol do que eu, mas duvido que essas pessoas querem morrer, duvido. Duvido que todo mundo ali gosta de brigar. Não estou culpando a vítima. Eu só estou dizendo que quem é de organizada, está mais sob risco do que eu e vocês que não somos. Isso é um fato. Isso é triste. Isso precisa ser resolvido para que nenhuma outra Gabriela morra. Então, podem me chamar de louco, mas não acho que seja. Não acho que estou colocando minha vida em risco. O futebol é sensacional. Futebol é incrível. O esporte é maravilhoso. E a gente tem de trazer essas pessoas para perto e falar, velho, parem de brigar.

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