Velórios no Memorial Necrópole Ecumênica, cemitério vertical localizado em Santos, costumam levar curiosos a um mausoléu em especial. Mesmo de luto, muitos dos visitantes que estão velando um ente querido não perdem a oportunidade de caminhar pelo primeiro andar e passar entre as portas de vidro que levam à sala onde está sepultado o corpo de Pelé.
“Faleceu a mãe de uma amiga, que está sendo velada aqui, e a gente aproveitou para conhecer”, conta a administradora Mariana Scarparo, de 48 anos, à reportagem do Estadão, que esteve no Memorial durante a terceira semana de dezembro. Mesmo sem grande conexão com o futebol, ela fez questão de estar no mausoléu. “Futebol só por parte de filhos e marido, mas o Pelé é para todo mundo, independentemente de a pessoa gostar de futebol ou não. É um herói.”
Já são dois anos sem o Rei do Futebol, morto no dia 29 de dezembro de 2022, e o movimento no local não é mais o mesmo dos primeiros meses após a abertura ao público, em maio de 2023. Embora passada a comoção do primeiro ano depois da morte, todos os dias o mausoléu recebe visitas, perto de 100 pessoas em média, segundo a percepção de Douglas Samora, segurança que faz o controle de acesso das 9h às 18h.
“Depende do dia. Como vai completar dois anos agora, pode passar de 200. No dia 2 de novembro, Dia dos Finados, passou de 200 pessoas. Deu umas 400 pessoas ou a mais”, calcula Samora.
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O cemitério não tem números oficiais sobre a visitação, que é gratuita. No início, as visitas eram agendadas de forma online e era possível contabilizar quantas pessoas eram recebidas a cada dia, mas o método foi abandonado. “Às vezes, a pessoa pode estar em Santos no dia e não conseguir vaga no agendamento. Você tira a oportunidade”, justifica Evans Edelstein, CEO do Grupo Memorial.
Entre aqueles que engrossam os números imprecisos, estão visitantes recorrentes, especialmente familiares e lendas dos tempos de ouro do Santos. Manoel Maria, ponta-direita sempre lembrado como um dos melhores amigos de Pelé, aparece no Memorial eventualmente. “Estive com ele coisa de um mês atrás. Esteve aqui dois dias seguidos”, afirma Eldestein.
Também ídolos santistas, o bicampeão do mundo Pepe, que completará 90 anos em fevereiro, e o ex-atacante Edu, tricampeão com a seleção brasileira em 1970, são nomes que já estiveram mais de uma vez prestando homenagens ao amigo falecido, sob os olhares de Samora. “Vêm algumas pessoas que eu conheço. O pessoal da época dele vem com frequência, eles passam um tempo aqui.”
Visitas em família
Apesar dos casos daqueles que conheciam Pelé pessoalmente e dos curiosos vindos de velórios no cemitério, a maior fatia das visitas vem dos turistas, que incluem o local no roteiro de seus passeios por Santos. Geralmente, o trajeto inclui também conhecer a Vila Belmiro e o Museu Pelé.
Não é possível determinar uma faixa etária média dos visitantes, até porque, segundo Edelstein, está claro que as famílias são o principal público do mausoléu. “Vem muita família, tem todas as idades. O pai trazendo o filho, adolescentes.”
Roque Venâncio, 30, e Jéssica Rodrigues, 32, são um exemplo disso. Acompanhado do filho de 11 anos e a filha de apenas 2, o casal de Itapeva (SP) aproveitou a viagem pelo litoral paulista para ver o jazigo dourado que guarda o corpo do Rei do Futebol. “Eu sou santista, mas ela é palmeirense e fez questão de vir também. “O Pelé transcende mesmo. Não tem idade, nada, todo mundo conhece”, diz Venâncio.
Vindo de Bebedouro, no interior de São Paulo, com família e amigos, Igor Patrick, 25, foi ao Memorial trajado com a camisa do Santos para ver o mausoléu do Rei e o túmulo de Alexandre Magno, o Chorão, vocalista da banda Charlie Brown Jr e também sepultado no cemitério vertical.
“A gente está conhecendo Santos, São Vicente... tiram uns dias para conhecer os pontos históricos”, conta Patrick, acompanhado do pai e também santista João Paulo Ribeiro, 56. “A geração dos nossos pais passou um pouco do histórico do que foi o Pelé, do que ele representou para o mundo .É um personagem conhecido mundialmente, por isso fomos influenciados por nossos pais e avós a ser santista”.
Como chegou no horário de almoço de Samora, o grupo de Bebedouro teve de esperar quase uma hora. Enquanto isso, aproveitou para admirar o carro que Pelé ganhou da Mercedes por marcar seu milésimo gol, item guardado em um pequeno museu de carros antigos no local.
O veículo chegou a ser vendido pelo Rei e teve diversos donos, até ser recomprado pela Mercedes e devolvido a ele. Mais tarde, o ídolo máximo do futebol brasileiro deu o carro de presente para Pepe Altstut, dono do Memorial e morto após contaminação por covid em 2021.
Conhecido pelo apoio ao esporte, especialmente o boxe, Altstut era amigo de Pelé e, desde que teve a ideia de erguer o cemitério, já ouvia do jogador que ali estaria seu túmulo. Membros da família do atleta do século também foram sepultados lá, inclusive Celeste Arantes do Nascimento, sua mãe, que morreu em junho deste ano, aos 101 anos, e seu pai João Ramos do Nascimento, o Dondinho, que morreu em 1996. Eles estão no 9º andar em lóculos, uma espécie de gavetas que abrigam os caixões.
Estrangeiros e temporada de cruzeiros
Embora a maioria seja de brasileiros, o Memorial também recebe muitas visitas de estrangeiros. As nacionalidades mais frequentes, segundo o segurança Douglas Samora, são mexicanos, chilenos peruanos e americanos. Turistas de países europeus também marcam presença. “Esses dias recebi um rapaz da Eslováquia. Ele fez quase um bate volta. Veio só pra ver o Memorial, o Museu e conhecer a Vila”.
O fluxo de estrangeiros tende a aumentar durante a temporada de cruzeiros, que, de acordo com o Porto de Santos, se estende do dia 8 de novembro de 2024 até 20 de abril de 2025. A programação do Terminal de Passageiros Giusfredo Santini prevê a circulação de 14 navios - sete embarcações regulares e sete de trânsito de turistas estrangeiros - que realizarão um total de 152 escalas. A expectativa é movimentar cerca de um milhão de passageiros entre embarques, desembarques e turistas em trânsito.
“A Secretaria de Turismo de Santos oficiou a gente pela temporada de cruzeiros. O Memorial já é ponto turístico do Estado de São Paulo há muitos anos. O Mausoléu do Pelé foi colocado na cota faz mais de um ano. Agora, a gente recebe esse ofício mais específico para a temporada de cruzeiros, nos dizendo para estar preparado para o aumento do fluxo”, explica Edelstein.
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