O primeiro verão de Markus Krösche no seu novo emprego foi frenético. Alguns meses depois de assumir o cargo de diretor esportivo do Eintracht Frankfurt, ele se viu não apenas com um técnico para substituir, mas também com algumas estrelas no elenco.
Krösche, 41 anos, transferido do RB Leipzig, pôs as mãos à obra. Contratou Oliver Glasner como treinador. Fechou um complicado negócio para contratar o atacante colombiano Rafael Santos Borré do River Plate. E adquiriu dois jovens alas para acompanhá-lo. No total, trouxe 11 jogadores naquele verão e vendeu ou emprestou mais uma dúzia.
A aquisição que talvez seja a mais significativa, porém, passou quase despercebida. Silenciosamente, Krösche voltou ao seu ex-clube para contratar Bastian Quentmeier, um ex-jogador de hóquei com cabelos rebeldes e barba de pescador, para chefe de análise de dados de seu novo clube.
Mesmo no mundo relativamente pequeno do futebol alemão, poucos tinham ouvido falar de Quentmeier. Menos ainda sabiam exatamente qual era seu papel em Leipzig - olheiro de dados. Aqueles que sabiam, no entanto, o tinham em alta conta. “Ele tem algo único”, disse Ralf Rangnick, o visionário técnico do Manchester United que aprovou a contratação de Quentmeier em Leipzig. "Muito bom e extraordinário."
A nomeação não gerou manchetes. Na verdade, a chegada de Quentmeier foi tão discreta que o Eintracht nem viu a necessidade de confirmá-la no site do clube. Não houve anúncio além de uma sutil atualização no perfil pessoal de Quentmeier no LinkedIn.
Essa modéstia contrastava com sua importância. Krösche deu um golpe - fortalecendo a posição de seu clube e enfraquecendo a de um rival - em uma corrida armamentista tão nova que ainda está tomando forma. Ele tinha contratado Quentmeier não apenas por suas habilidades, mas por algo de crescente valor para os clubes de toda a Europa: seu conhecimento.
A MARÉ VIROU
A melhor maneira de avaliar a velocidade com que o futebol adotou os dados talvez seja comparar as circunstâncias de Quentmeier em seu novo emprego com as de seu cargo anterior. No Eintracht, ele é responsável por uma equipe de três analistas: outro funcionário em tempo integral, além de dois estagiários. E não há nada de incomum nisso.
Quando chegou ao Leipzig, em 2016, as coisas eram um pouco diferentes. Ele se juntou ao clube, inicialmente em regime de meio período, depois de esbarrar com Johannes Spors, seu olheiro-chefe, em uma conferência em Munique. Na época, Quentmeier trabalhava para uma subsidiária da Scout7, empresa que fornece dados e imagens de vídeo para clubes.
“Nós tínhamos jogos de um monte de ligas do mundo todo”, disse ele. “Tínhamos que pagar pelos jogos, mas descobrimos que os clubes de algumas ligas, nossos clientes, não estavam interessados”. Seu trabalho era rastrear quais ligas estavam sendo observadas pelas equipes que assinavam o serviço e quais não estavam.
Quentmeier não ligou muito para o encontro até que, alguns meses depois, Spors voltou a entrar em contato. Apesar de seu apoio corporativo, Leipzig sempre cultivou uma energia de start-up, e Spors queria descobrir a melhor maneira de usar os dados para ajudar na contratação de jogadores. Ele perguntou se Quentmeier aceitaria o “mini-trabalho” de aconselhar o clube sobre quais provedores de dados poderiam ser mais úteis.
O pagamento não era lá essas coisas - algumas centenas de euros por mês, disse Quentmeier - mas o período probatório deu resultados positivos. Alguns meses depois, Spors e Rangnick perguntaram se ele integrar o clube permanentemente.
Oficialmente, ele seria um olheiro de dados - um dos poucos empregados na Alemanha à época - mas isso não capturava toda a extensão de seu papel. Quentmeier não estava se juntando a uma equipe já estabelecida. Ele seria responsável por um departamento de um homem só. “Não tinha nada”, disse ele. Seu trabalho era, na verdade, descobrir qual seria o trabalho de um olheiro de dados.
Ele passou os primeiros meses vasculhando os vários provedores de dados, descobrindo quais lhe dariam a melhor qualidade de informação. Ele conversou com Opta, Wyscout e InStat, três fornecedores bem conhecidos, e então partiu para fora do mundo do futebol, escolhendo os cérebros de qualquer pessoa em quem pudesse pensar que trabalhasse com análise de dados.
Acima de tudo, porém, ele tentou descobrir os tipos de perguntas que o sistema de dados de um time de futebol precisava responder. “Cada treinador e cada diretor esportivo e cada olheiro tem suas próprias ideias”, disse ele. Ele sabia que seu modelo precisava ser flexível o suficiente para se adaptar aos gostos particulares. Não bastava comparar os zagueiros, por exemplo. “Era necessário distinguir entre alguém que sabia jogar e alguém que era mais guerreiro”, disse ele.
Projetar e construir o sistema ocupou a maior parte de seu primeiro ano. “Era mais fácil fazer tudo sozinho, desde o início”, disse ele, do que simplesmente comprar um sistema externo e tentar ajustá-lo para atender às necessidades do Leipzig.
O modelo construído por Quentmeier não lhe permitia apenas avaliar jogadores e performances. Também possibilitava que ele e seus superiores analisassem como determinado treinador jogava. Previa o desenvolvimento de jovens jogadores, com base em paralelos históricos. E o ajudava a discernir se um jogador estava brilhando porque fazia parte de um time bom ou porque tinha algum talento especial.
Acima de tudo, o modelo deu ao RB Leipzig uma outra vantagem. “O Leipzig gastou muito tempo e dinheiro para estar na ponta”, disse Rangnick em entrevista por telefone no ano passado. E no futebol esse tipo de coisa não fica em segredo por muito tempo. Quentmeier acredita que, quando começou, poucas equipes na Alemanha estavam investindo em dados.
Agora, disse ele, é “normal” que os clubes tenham uma equipe de analistas de dados. Isso significa que também é normal que as equipes façam todo o possível para garantir que tenham os melhores analistas de dados. Isso pode significar uma busca por conhecimentos fora do esporte. Ou, cada vez mais, pode significar uma abordagem que trouxe Quentmeier ao Eintracht e lhe arrancou de um rival direto.
LISTAS DE COMPRAS
Assim como Quentmeier, a grande maioria dos cientistas de dados - mesmo nos clubes mais condecorados do esporte - continua essencialmente anônima. Só às vezes, quando uma equipe faz um contrato particularmente significativo ou especialmente incomum, seus nomes vêm à tona.
A contratação de Dominic Jordan pelo Manchester United, em outubro, como seu primeiro diretor de ciência de dados foi saudada como um grande passo à frente para uma equipe travada pelo conservadorismo. No ano passado, quando o Manchester City contratou Laurie Shaw, uma acadêmica com PhD em astrofísica computacional que anteriormente era conselheira do governo britânico, a transação pareceu exótica o bastante para atrair a atenção.
A paisagem dentro do esporte, porém, é diferente. “Há muito mais conhecimento sobre pessoas inteligentes, pessoas fazendo um bom trabalho, pessoas tendo destaque em outros clubes”, disse Omar Chaudhuri, diretor de inteligência da consultoria de dados Twenty First Group. “Os executivos conhecem essas pessoas pelo nome. E estão muito mais propensos a botar esses nomes nas suas listas de compras”.
Mas, na maioria dos casos, não é fácil fazer esses contratos. Krösche conhecia Quentmeier desde a época do Leipzig e podia atestar a qualidade de seu trabalho em primeira mão. Nem todo mundo tem essa vantagem. Os clubes são reticentes em compartilhar conhecimentos e informações que consideram sigilosas. Poucos estão preparados para tornar público o trabalho realizado por seus departamentos de dados. Isso faz com que seja extremamente difícil estabelecer as credenciais de qualquer membro de uma equipe de dados.
“Às vezes, a prova de seu sucesso é suficiente para convencer as pessoas”, disse Chaudhuri, observando que os clubes tidos como bem-sucedidos logo veem seus funcionários na mira de outros times, ansiosos para adquirir um pouco da magia. Mesmo assim, é difícil saber exatamente de quem é o crédito.
“Executivos que não são especialistas em dados não necessariamente sabem o que é um bom trabalho”, disse ele. “Sofisticação de análise e sofisticação de apresentação nem sempre são a mesma coisa”.
Em alguns casos, isso levou os clubes a procurarem o Twenty First Group e a Nolan Partners, uma empresa de headhunting com sede em Londres especializada em esportes, para entender quem está fazendo o quê e quem está fazendo bem.
“Fornecemos uma imagem do que existe nesse espaço para algumas equipes”, disse Stewart King, líder da Nolan Partners para a Europa. O Twenty First Group também foi contratado para conduzir processos de recrutamento, participando de painéis e elaborando testes práticos para potenciais candidatos, disse Chaudhuri.
Muitas vezes, há uma ênfase na comunicação: Quentmeier descobriu que os analistas e os modelos que eles usam precisam ser capazes de prever e responder aos tipos de perguntas que os treinadores e olheiros provavelmente farão. Isso, disse Chaudhuri, é o que os clubes procuram acima de qualquer outra coisa.
Ambos esperam que esse tipo de aquisição fique mais comum nos próximos anos, com os clubes se esforçando cada vez mais para acompanhar os rivais. A habilidade não é mais a única moeda no mercado de transferências. Agora a informação e a capacidade de interpretá-la também são importantes. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.