Pouco mais de 24 horas depois de confirmada a morte de Pelé, aos 82 anos, a movimentação na Vila Belmiro, palco de 210 dos 1116 jogos do Rei do Futebol pelo Santos, permaneceu intensa. A chuva não afastou centenas de pessoas do entorno do estádio. Havia fãs e torcedores, famílias com crianças - até mesmo de colo - curiosos, turistas e testemunhas de Jeová pregando sua doutrina em frente a um dos portões da Vila.
Os fãs se aglomeraram para tirar foto perto do busto e da estátua de Pelé, localizados no Memorial das Conquistas, e deixar arranjo de flores no chão. No portão ao lado, a loja do Santos estava cheia. A procura, claro, era por alguma camisa com menção ao maior de todos os tempos. A venda dessas camisas comemorativas de Pelé aumentou desde a morte do Rei, vítima de um câncer de cólon contra o qual lutava há mais de um ano. O gerente, porém, não quis dizer à reportagem quantas foram vendidas.
Alguns santistas tomavam cerveja no Bar do Alemão, conhecido reduto de santistas em frente à Vila. Outros aguardavam para falar com Didi, histórico barbeiro de Pelé durante mais de 60 anos, que atendeu os clientes mesmo em luto pela morte do amigo. Na quinta-feira, ele havia fechado o local. Estava triste demais para trabalhar. “Perdi um grande amigo e cliente”, resume o barbeiro, sentindo um certo desconforto com as perguntas em espanhol de jornalistas estrangeiros. Havia japoneses, argentinos e até uma repórter da Al Jazeera, emissora de televisão ligada ao governo do Catar.
A torcida Jovem, principal organizada do Santos, não esteve no entorno da Vila nesta sexta-feira. Membros da uniformizada renderam homenagens ao Rei apenas na quinta, horas após sua morte.
Neto do ex-ponta esquerda Tite, o décimo maior artilheiro da história do Santos, Daniel Augusto, 41 anos, passou a tarde nos arredores da Vila acompanhado da irmã e das sobrinhas. Comprou mais uma camisa do Santos com o 10 nas costas. Foi uma forma de ter mais uma lembrança do ídolo.
“Eu cresci ouvindo histórias dele. Tive contato pessoalmente com Pelé, não de amizade, mas tive. Encontrei ele em festas no Santos”, relata. O avô, Tite, jogou seis anos com Pelé no Santos. Cantor em bares e eventos na Baixada Santista, ele ensinou o Rei do Futebol a tocar violão e ajudou a despertar o gosto de Pelé pela música. “Meu avô tinha muitas histórias com o Pelé. Foi como perder um parente”, descreve Augusto.
Mesmo que a saúde de Pelé já estivesse debilitada há anos e o câncer, progredido, existe ainda entre os fãs um sentimento de incredulidade pela morte do ídolo. “A gente sentia já essa perda, percebia que era um cenário irreversível, mas quando vi a notícia da morte foi difícil acreditar”, diz o aposentado José Maria, 51 anos.
Ele não é santista e não viu ao vivo Pelé desfilar nos gramados, mas construiu idolatria pelo eterno camisa 10 por meio do relato do pai e dos vídeos com lances geniais do atleta. “Fico triste porque hoje não se veste mais a camisa como na época do Pelé, com brilho e vontade. Ele deixa saudade. Era o maior da história. Nenhum é igual”.
O aposentado Ademir Peres, 70 anos, estava pescando em Santos quando recebeu a notícia indesejada. A morte do ídolo lhe fez lembrar de quando jogava bola com os amigos nos arredores da Vila Belmiro e sempre encontrava o Rei.
“A molecada jogava bola na rua da Vila Belmiro e sempre encontrava os jogadores saindo do estádio. Eu tinha 10 anos na época. A bola espirrava, ele pegava e chutava pra gente”, conta ele, cujo item mais valioso é uma camisa autografada por Pelé que diz não vender por nenhum dinheiro. Ele também se gaba de ter assistido ao vivo diversos jogos históricos do Santos de Pelé.
Peres é um dos milhares que visitaram o Museu Pelé no dia seguinte à morte do Rei. O espaço, situado a três quilômetros da Vila Belmiro e cuja entrada é gratuita, costuma encher nessa época do ano. Mas não havia recebido tanto público como nesta quinta e sexta desde a sua inauguração, em 2014. “Pelé é ídolo eterno. Perdemos o Pelé, mas fica seu legado, sua história”, constata Peres.
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