Antes do início da temporada, nem o mais otimista torcedor do Napoli arriscaria dizer que o time daria certo. Na janela de transferências de agosto, o clube perdeu peças importantes, como o zagueiro Koulibaly, vendido ao Chelsea, o goleiro Ospina, Fabían Ruiz e Insigne.
Ao todo, acumulou mais de 80 milhões de euros com as vendas, o suficiente para montar um elenco que encantou seus torcedores. Nesta quinta-feira, o clube conquistou o Campeonato Italiano após 33 anos - pela primeira vez sem Diego Armando Maradona. É o terceiro scudetto do time de Nápoles, uma cidade ao sul da Itália e a terceira mais populosa do país, atrás de Roma e Milão.
O Napoli teve a oportunidade de comemorar o título em seu estádio, mas a desperdiçou ao empatar com a Salernitana diante de sua torcida. Ao empatar com a Udinese, fora de casa, em 1 a 1 finalmente sacramentou o título, que já estava desenhado há tempos. De acordo com a Associated Press, 11 mil torcedores napolitanos acompanharam o jogo no estádio, cinco mil fora dele e outros 50 mil nos telões disponíveis no Estádio Diego Armando Maradona. Údine, onde a partida foi disputada, e Nápoles estão separados por mais de 800 km.
A reconstrução do Napoli passou diretamente por três nomes: Khvicha Kvaratskhelia, Osimhen e Min-jae Kim. Comandados por Luciano Spalletti, os jogadores foram capazes de suprir as ausências deixadas pelas transferências na janela do verão europeu. Pilar da defesa, Min-jae comandou a equipe com o setor menos vazado do Italiano; na frente, Osimhen e Kvaratskhelia marcaram, juntos, 34 gols – 49% do time com o melhor ataque na competição. A cada rodada, a certeza de ser campeão só aumentava. José Mourinho, técnico da Roma, disse isso lá atrás, quando seu time se encontrou com o Napoli. Estava certo.
Kvaratskhelia foi um achado da diretoria napolitana. Natural da Geórgia, saiu diretamente do Dinamo Tbilisi, maior clube do país, para ganhar a idolatria nas ruas de Nápoles. Não por acaso, ele recebeu o apelido carinhoso de Kvaradona, em referência ao ídolo Maradona, o último – e, até então, o único – capaz de liderar o clube à glória nacional na década de 1980.
O outro destaque da equipe é uma joia lapidada em Nápoles mesmo. Comprado junto ao Lille, em 2020, o nigeriano Victor Osimhen é um dos destaques do time desde que chegou. Nesta temporada do Italiano foram 22 gols em 27 jogos; sem ele, o Napoli sofreu sua pior derrota na temporada, 4 a 0 para o Milan. A temporada foi tão boa que o clube voltou a figurar também na Liga dos Campeões com muita competência. Caiu em fase aguda diante do próprio rival de Milão, mas não sem antes despertar lembranças do passado. O Napoli voltou.
Nas ruas da cidade, tudo remete à idolatria de Maradona. Não à toa o primeiro título Italiano desde a saída de “Díos” viria com um jogador escolhido pela torcida para carregar seu nome. Antes mesmo da confirmação do título, torcedores lotaram as ruas para receber a equipe da viagem à Turim, após vitória de 1 a 0 sobre a Juventus, na última semana.
A festa “antes da hora” foi mais um sinal da temporada histórica para o Napoli. Mesmo após a eliminação para o Milan, nas quartas de final da Champions League, milhares de torcedores recepcionaram a equipe nas ruas, apesar de que, naquele momento, ainda existia a chance, mesmo que remota, de a Lazio ser campeã – fato que não ocorreu.
“Estamos fazendo história. Estar na competição é importante, mas queremos vencer. Ficar aqui para defender o que já conquistamos significa não acreditar no que ainda podemos conquistar. Não é preciso ter medo dos riscos, devemos jogar para alcançar a felicidade infinita”, afirmou o técnico Spalletti, antes da eliminação para o Milan na Liga dos Campeões.
Liderança de Maradona e de brasileiros
Renomeado após a morte de Maradona, o estádio agora chamado Diego Armando Maradona foi mais um toque especial à conquista do clube – o terceiro do Napoli em sua história. Na década de 1980, o argentino colocou, pela primeira vez, o time no topo do futebol italiano e mundial.
O futebol chegou a Nápoles, assim como a maior parte das cidades europeias, por meio da região portuária. Após crises e refundações no início do século 20, o Napoli tomou a forma atual a partir de 1926. Sessenta anos depois, com Maradona, conquistou seu primeiro Campeonato Italiano, após diversos rebaixamentos e crises financeiras ao longo das décadas.
A equipe repetiu a dose na temporada 1989/1990 e alcançou a glória a nível europeu um ano antes, ao vencer a Copa Uefa – antiga Europa League. Na década mais vitoriosa de sua história, Maradona construiu sua idolatria ao lado de brasileiros, principalmente o zagueiro Alemão e o atacante Careca, titular da seleção brasileira na Copa de 1990, disputada na Itália.
Foi neste Mundial que o mundo, além de Nápoles, ficou cientes da força de Diego Armando Maradona na Itália. Na semifinal, Argentina e Itália disputaram uma vaga para a decisão, na cidade napolitana. Apesar de jogar em seu próprio país, a seleção italiana não teve o apoio nas arquibancadas, que clamavam por outros nomes: o da Argentina e, principalmente, o de Maradona.
Após o craque argentino ser pego no doping no ano seguinte ao segundo título do time, o clube, que já tinha seus problemas financeiros, entrou em um período entre campanhas ruins e medianas, até falir em 2004. Comprado pelo produtor cinematográfico Aurelio De Laurentiis, recuperou-se a partir das divisões inferiores e voltou à elite na temporada 2007/2008.
Desde o seu retorno, flertou diversas vezes com o título nacional, que se concretizou nesta temporada. Foram quatro vice-campeonatos italianos e dois títulos da Copa Itália desde que retornou à primeira divisão. A conquista, aliada à sua história e de Diego Armando Maradona, tem força para recolocar o futebol italiano num cenário mais favorável e valorizado das ligas europeias. O futebol italiano perdeu terreno com o crescimento de outras competições no continente e também porque sua seleção nacional ficou fora das duas últimas Copas do Mundo. O Napoli pode ajudar a reconstruir esse cenário.
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