Semifinalista quatro vezes nas últimas cinco Copa Libertadores, o River Plate está mais uma vez entre os melhores times do continente graças a um grande especialista no torneio. O técnico Marcelo Gallardo, de 43 anos, mudou a história do clube argentino ao usar a identificação com a torcida pela carreira de jogador a algumas medidas inusitadas para transformar a equipe na maior potência do futebol sul-americano.
No cargo desde 2014, Gallardo conquistou sete títulos internacionais desde então, com duas Libertadores, uma Copa Sul-Americana, uma Copa Suruga e três Recopas. O treinador resgatou um River combalido pelo rebaixamento à 2ª divisão da Argentina, em 2011, e o transformou na equipe mais temida da América do Sul. Atual campeão da Libertadores, a equipe é a única invicta na atual competição e na noite desta quinta, passou pelo Cerro Porteño, do Paraguai, após empatar por 1 a 1.
Na próxima fase o River pega o Boca Juniors, na reedição da final do ano passado. Enfrentar o rival, porém, não é problema para Gallardo. Em cinco anos no cargo, foram quatro encontros em mata-mata e quatro vitórias do time dele. Tais feitos garantem o treinador como um dos maiores ídolos da história do clube e como favorito a treinar a seleção argentina no futuro.
O ex-meia de 1m65 carrega desde os tempos de garoto o apelido de Muñeco (boneco, em espanhol). A baixa estatura não lhe impediu de desenvolver um futebol técnico e de inclusive defender a Argentina em uma Copa, em 1998. Revelado pelo River, foi campeão da Libertadores de 1996 e começou no clube aos 12 anos ainda na base, ao lado de futuras estrelas como Matias Almeyda, Hernán Crespo e Ariel Ortega.
Filho de um pedreiro e de uma cuidadora de idosos, Gallardo tem origem simples e é muito leal ao River Plate. Então como jogador, teve três passagens pelo clube e ao se aposentar, fez questão de se preparar para um dia assumir o comando da equipe da coração. A formação do atual treinador mais vitorioso do continente se deu distante da sua casa, o estádio Monumental de Nuñez, mas sim no Uruguai e em um escritório.
Gallardo teve o primeiro trabalho como treinador ao liderar o Nacional, de Montevidéu, ao título uruguaio, em 2012. Depois disso o jovem técnico quis se preparar minuciosamente para assumir o River e até mesmo recusou algumas propostas. Em um primeiro momento, tirou férias, mas logo depois alugou um escritório em Buenos Aires para junto com os assistentes, analisar partidas, observar jogadores e quando houvesse tempo, viajar à Europa para acompanhar treinos de grandes clubes.
Quem detalha essa preparação é jornalista argentino Diego Borinsky, autor de dois livros sobre o treinador: Gallardo Monumental, lançado em 2015, e Gallardo Recargado, publicado em maio deste ano. "Ele conhece muito o clube e ainda como jogador, sempre entendeu muito bem o jogo. Marcelo tem uma empatia grande com os jogadores, porque é franco e conversa abertamente com todos. Alguns o consideram como um pai", explicou Borinsky ao Estado.
Gallardo inovou no futebol ao trazer para a comissão técnica do River uma médica especialista em neurociência, Sandra Rossi. Formada nos Estados Unidos e com experiência anterior com atletas de lutas, ela trabalha com o elenco para desenvolver técnicas de raciocínio rápido e estimular que mesmo com o esforço físico e a pressão pelos resultados, o cérebro dos atletas possa funcionar corretamente.
Fã do estilo de treinadores como Marcelo Bielsa e Alejandro Sabella, Gallardo prega que o futebol exige sabedoria acima da força física. "Marcelo sempre foi muito inteligente como jogador, pois sabia o que fazer com a bola antes dela chegar aos seus pés. Como treinador ele é assim também e costuma estudar para cada adversário até duas ou três estratégias diferentes para se buscar a vitória", disse o biógrafo do treinador.
O treinador costuma passar até 12 horas por dia no centro de treinamento do River Plate. Nas horas livres, gosta de golfe e tênis. Gallardo gosta de participar dos treinos recreativos e costuma dar trabalho para os goleiros nessas atividades. Mesmo o experiente Franco Armani, titular da seleção argentina, admite ter dificuldade em defender os fortes chutes de perna direita dados pelo treinador.
Adorado pela torcida e respeitado pelo elenco, Gallardo prefere conversar com os jogadores para gerir crises e explicar escolhas, em vez de dar broncas pesadas. Uma das histórias mais curiosas dos bastidores do clube foi em 2015, durante a disputa da final da Libertadores contra o Tigres, do México. O elenco estava eufórico após ter empatado fora de casa na partida de ida e iniciou uma bagunça durante o longo voo de volta para a Argentina.
Em pleno avião o elenco fez uma guerra de travesseiros. A farra terminou quando um dos arremessos passou a centímetros da cabeça de Gallardo, que estava sentado em uma das primeiras fileiras. Houve um silêncio e todos os jogadores já se preparavam para tomar uma bronca. O treinador, no entanto, apenas olhou para trás, não disse uma palavra e todos ali entenderam o recado.
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