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Novas arenas, cidade planejada e calor: os desafios da Arábia Saudita para a Copa do Mundo

País tem promessa de oito estádios na capital Riad e metrópole futurista de 170 quilômetros, mas vive dilema com relação ao calendário e sob denúncias de más condições de trabalho

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Foto do author Rodrigo Sampaio

Depois de o Catar realizar a primeira Copa do Mundo no Oriente Médio, o principal torneio de seleções do planeta vai voltar à região em 2034, quando a Arábia Saudita terá a responsabilidade de sediar a competição da Fifa. Faltando uma década para o pontapé inicial no reino árabe, as promessas são audaciosas, que vão desde a megalomaníaca intenção de oito novas arenas em uma única sede, a capital Riad, a um projeto de trilionário de construção de uma cidade planejada. Ainda há um dilema sobre o calendário, que ainda não está definido e tem o forte calor como pivô.

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A definição da Arábia Saudita como sede da Copa de 2034 foi definida em outubro do ano passado. O país tinha a concorrência apenas de Austrália e Indonésia, em candidatura única, mas ficou com o caminho livre depois de a dupla postulante se retirar da disputa. A aclamação é considerada uma grande vitória do governo saudita, que há pelo menos dois anos se dedica a investir o dinheiro do petróleo para se tornar uma potência esportiva. A principal commodity do país árabe é combustível para projeto de fortalecimento do futebol local na prática conhecida como sportwashing

Em 2022, o Fundo de Investimento Público (PIF) da Arábia Saudita, administrado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, adquiriu 80% das ações do inglês Newcastle, da Inglaterra, por 300 milhões de libras (cerca de R$ 2,2 bilhões) e, mais recentemente, comprou os quatro principais clubes do país: Al-Nassr, Al-Ittihad, Al-Hilal e Al-Ahly. Depois de seduzir astros do futebol mundial, como Cristiano Ronaldo, Neymar e Benzema, a cereja do bolo foi a oportunidade de realizar uma Copa do Mundo.

Projeto do Estádio Internacional Rei Salman prevê capacidade para 92 mil pessoas. Foto: Reprodução/ Federação Saudita de Futebol

De acordo com o bid book enviado para a Fifa, documento em que federação candidata detalha o projeto para receber a Copa, serão 15 estádios ao todo. Oito deles serão construídos do zero, mesmo número que a capital Riad terá de arenas durante a competição. Jeddah terá quatro, enquanto Neom, Abha e Al-Khobar, um cada. A expectativa é de que todos os palcos da Copa do Mundo sejam entregues até 2032.

O projeto mais audacioso é o do Estádio Internacional Rei Salman, também em Riad, com capacidade para 92 mil pessoas. A arena será palco do jogo de abertura e da final, além de se tornar a casa oficial da seleção saudita após a Copa do Mundo. “O estádio se misturará à topografia do entorno, com terreno e habitat natural formando parte do teto do estádio. Além de seu apelo estético, este projeto irá fornecer sombreamento e ventilação eficazes adaptados ao clima do deserto”, detalha a organização.

Outro projeto que se destaca pela grandeza é a Arena Príncipe Mohammed bin Salman, projeto de arena futurista que visa “reinventar o conceito tradicional de estádio”. Localizado no topo de uma montanha de 200 metros em Qiddiya, a 35 quilômetros de Riad, o local terá capacidade para para 47 mil pessoas, além de teto e gramado retráteis, permitindo a funcionalidade para diferentes eventos. Ele será coberto por painéis de LED, além de contar com um sistema de captação de água da chuva que resfria o ar-condicionado e funcionalidades multiuso. Veja abaixo o vídeo de apresentação do projeto.

Megacidade futurista

Entre as sedes também está uma “megacidade futurista”. Batizada de Neom, a metrópole se estenderá por 170 quilômetros e abrigará dois arranha-céus espelhados espelhados de 500 metros de altura. Segundo os organizadores, A Linha, como o projeto foi apelidado, será autossustentável e com emissão zero de carbono, com fazendas verticais, táxis voadores e robôs domésticos.

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Assim como a Arena Príncipe Mohammed bin Salman, Neom faz parte do projeto Vision 2030 de modernização e diversificação da economia do país, atualmente muito dependente da exportação de petróleo. O custo da primeira fase, que vai até 2030, é estimado em 1,2 trilhão de riais sauditas (em torno de R$ 1,7 trilhão), segundo o príncipe herdeiro. A ideia é que A Linha sirva como uma espécie de laboratório para testar novas dinâmicas da vida cotidiana.

Com a Neom, a Arábia Saudita espera atrair mais estrangeiros para morar no país. A meta é chegar a 100 milhões de habitantes em 2040 em escala nacional. Recentemente, o craque argentino Lionel Messi se tornou embaixador do turismo na Arábia Saudita. O governo ainda espera uma oferta de financiamento do setor privado e uma oferta pública inicial para o projeto ser colocado em prática.

Temperatura, um dilema

Quando a Arábia Saudita foi anunciada como sede da Copa de 2034, a maioria das pessoas pode ter pensado que, assim como ocorreu no Catar, o torneio seria realizado entre os meses de novembro e dezembro, período em que o forte calor da região arrefece. Porém, o martelo ainda não está batido.

O príncipe Abdulaziz bin Turki Al Faisal, ministro dos Esportes, afirmou que não vê problema em manter a tradição e realizar o torneio entre os meses de junho, julho e agosto. “Definitivamente estamos estudando ambas as opções para ver qual é a melhor opção para sediar a Copa do Mundo. Por que não ver quais são as possibilidades de fazê-lo no verão?”, disse à BBC, em rara entrevista. “Seja verão ou inverno, não importa para nós, desde que tenhamos certeza de que entregaremos a atmosfera certa para sediar tal evento.”

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Uma das preocupações do governo saudita é de que a realização da Copa no fim do ano reduza o número de turistas no país, especialmente os europeus. Segundo o documento oficial enviado à Fifa, a temperatura média em Riad no mês de julho é de 38 graus. Em dias de sol forte, os termômetros podem passar dos 45 graus. Em dezembro, a média dos marcadores cai para 17 graus. Cabe lembrar que os estádios no Catar contaram com esquema de climatização mesmo com a competição sendo realizada no fim do ano.

Denúncias de trabalho escravo

A candidatura única da Arábia Saudita reacendeu os temores sobre as condições dos trabalhadores imigrantes, , com denúncias semelhantes às que ocorreram na preparação para a edição do Catar, em 2022. Salários não pagos, alojamentos insalubres e calor sufocante são alguns dos fatores frequentemente denunciados por defensores dos direitos humanos, que temem o aumento de casos de abuso no setor da construção civil.

De acordo com a ONG Equidem, com sede em Londres, a candidatura saudita representa uma “oportunidade” para realizar reformas sociais no país. Se essas reformas não forem realizadas, “milhares de trabalhadores poderão morrer devido ao calor extremo ou às condições de trabalho perigosas” e “dezenas de milhares serão submetidos a condições de escravidão e trabalhos forçados”, alerta seu fundador, Mustafa Qadri. “Suas vidas serão literalmente destruídas”, acrescentou.

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Assim como em outros países do Golfo, a Arábia Saudita impõe aos estrangeiros um sistema de trabalho chamado “kafala”, que limita as possibilidades de mudar de emprego ou abandonar o país sem a permissão do empregador, apesar de algumas restrições terem sido flexibilizadas em 2021.

O vizinho Catar se comprometeu a colaborar com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) na reforma do ‘kafala’, além de introduzir salário mínimo e mais medidas em favor da saúde e segurança no trabalho. Apesar disso, milhares de trabalhadores morreram no período anterior à realização do torneio, segundo a Anistia Internacional. Fontes oficiais reconheceram apenas 37 mortes nas obras para a Copa do Mundo./COM INFORMAÇÕES DA AFP

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