Irritado com o estrago, o pedreiro aposentado Alfredo Maester, de 80 anos, confiscou a bola de futebol que, numa tarde de domingo, quebrou telhas de sua casa, na Vila Oeste, em Itápolis, a 360 quilômetros de São Paulo. O fundo da residência faz divisa com o muro do estádio do Oeste Futebol Clube e os donos da bola, na época, disputavam a quarta divisão do Campeonato Paulista. Avesso a futebol, ele prometera doar sua "refém" a um dos netos. Enquanto o Oeste se prepara para estrear na primeira divisão contra o Santos, no próximo dia 21, Maester cisma como vai descumprir o prometido. "Agora, esta bola é um troféu", diz. Antes de dobrar a ojeriza do antigo morador, os jogadores do Oeste tiveram que vencer a incredulidade dos próprios itapolitanos. Poucos na cidade de 38 mil habitantes, que vive da laranja, acreditavam ser possível tal façanha. "É a primeira vez que um time de uma cidade com esse porte chega à elite do futebol paulista", orgulha-se o presidente do clube, Mauro Guerra, também secretário municipal de Esportes e locutor esportivo, mas esquecendo que o Novorizontino, cidade próxima, de 35 mil habitantes, chegou ao vice-campeonato paulista em 1990. "Viemos para ficar", avisa. A rápida ascensão da equipe, rearticulada em 1997 e, daí para a frente, campeã de todos os acessos, confunde torcedores tradicionais que, agora, precisam escolher entre o time local e os grandes clubes do coração. "Vai doer, mas não consigo torcer contra o Santos", diz o montador de estufa Valentim Sabino, de 42 anos, santista desde criança. Ele acha quase impossível um time com Diego, Robinho e outros craques perder para uma equipe apenas muito esforçada. "É querer demais." O funcionário público Marco Faria, de 32, discorda. "No La Bombonera do interior, qualquer time treme", diz, numa alusão ao estádio do argentino Boca Juniors, onde a torcida também fica muito próxima dos jogadores. São-paulino fanático, Faria já pede desculpas ao tricolor: quando as duas equipes se enfrentarem vai torcer pelo Oeste. Temor - Dona Zelvira Micheletti Torricelli, de 76 anos, está angustiada. Desde que o time subiu ela teme pelo coração do marido, o barbeiro aposentado Antonio Torricelli, de 85 anos. Palmeirense, ou melhor, palestrino roxo, será que ele vai agüentar quando se enfrentarem seu "glorioso Palestra" e o Oeste, o time ao qual dedicou sua vida? Dona Zelvira bate na madeira e se resigna: "Seja o que Deus quiser." Torricelli tinha 2 anos quando o Oeste foi fundado, em 25 de janeiro de 1921. Criança, ficava atrás do gol pegando e devolvendo as bolas disparadas pelos jogadores. "Quando saía pela lateral e se perdia no meio do cafezal, a partida era interrompida e eu ia com os atletas procurar a única bola do jogo", lembra. Em 1935, com 17 anos, o filho de italianos estreou na equipe, então amadora, como lateral. Ele conta que era uma espécie de honra jogar num time tão respeitado pelos adversários. "Na noite anterior, não consegui dormir de ansiedade", recorda. O uniforme original, de calção preto e camisa branca de manga longa, com golas e punhos pretos, tinha sido substituído por outro, com listras vermelhas. O treinador usava terno com gravata borboleta. "Tenho as provas", diz, mostrando fotos da época. Torricelli pendurou as chuteiras no início da década de 50. Era considerado um jogador de muita regularidade, mas se lembra que, um dia, fez uma partida inesquecível. Cumprimentado pelo técnico e jogadores, chorou. Ainda se emociona ao recordar. Eram tempos em que o futebol dava apenas prazer, pois não havia salário ou bichos. "Ser jogador não era profissão", diz. Para viver, ele trabalhou inicialmente como engraxate, depois, por quase 50 anos, como barbeiro. Sua barbearia, no centro da cidade, era uma espécie de sede informal do Oeste. "Dirigentes e jogadores viviam ali e só se falava de futebol." A história do time confunde-se em grande parte com a da cidade, fundada há 141 anos. Quase todos se lembram do empresário Pedro Miguel Santana, o primeiro a ter uma linha intermunicipal de ônibus, e que assumiu o clube durante muitos anos. Em dia de jogo fora, Santana retirava a jardineira da linha para transportar os jogadores. "Os passageiros já sabiam que naquele dia não tinha ônibus", lembra dona Zelvira. Seis filhos de Santana - Miguel, Herculano, Otacílio, Zeca, Nivaldo e Joãozinho - jogavam no Oeste. Em 1922, a bandeira do time de Itápolis foi desfraldada durante as comemorações do centenário da Independência, em São Paulo. Hoje, ela faz parte do acervo do Museu Histórico Alexandre de Gusmão, uma das atrações da cidade, que tem também o Cine Municipal, um dos poucos cinemas públicos do País, o Teatro Municipal e a Banda da Camila, formada por um grupo de jovens e requisitada para festas e bailes na região. Ninguém sabe ao certo porque o clube adotou bandeira e uniforme semelhantes ao do Flamengo, do Rio. "Naquela época, o dirigente resolvia e pronto. Vai ver ele gostava do futebol carioca", arrisca Torricelli. Na primeira divisão, o time vai jogar com uma camisa diferente, branca, com detalhes vermelhos. "Será nosso uniforme oficial", disse Guerra. Vendida a R$ 30,00, a nova camisa está em falta nas lojas da cidade. Adesivos do time estão em toda parte, nos vidros da maioria dos 10 mil veículos e até nas vidraças de um elegante edifício, o único prédio da cidade, com 12 andares. Sem loucuras - O entusiasmo da população aumenta a responsabilidade do dirigente. "Precisamos ter uma equipe competitiva, mas um clube pequeno não pode gastar muito", diz. Até aqui, o time foi mantido principalmente com a ajuda da comunidade, através de jantares e bingos. Prefeitura, empresários e comerciantes também colaboraram. Quando a laranja vai bem, não falta dinheiro. A cidade, que tem 18 aviões e 4 planadores em seu aeroclube, é considerada a capital mundial da fruta, com produção anual de 20 milhões de caixas. "Pena que os últimos anos não foram muito bons", diz Guerra. Em 2003, a folha de pagamento do elenco custou R$ 40 mil mensais. Os jogadores mais bem pagos ganham R$ 1.500,00, mas há quem receba salário mínimo, revela Guerra. "Em 2004, queremos ficar nos R$ 60 mil por mês." O gasto com todo elenco equivale a menos da metade do que recebe cada um dos principais atletas de grandes equipes cariocas e paulistas, por exemplo. A prefeitura está bancando a reforma do estádio Ildenor Picardi Semeghini, o "Picardão", que passa a ter 17.200 lugares. Mesmo antes da ampliação, o estádio recebeu 14 mil torcedores para assistir a vitória do Oeste por 1 a 0 sobre o Atlético de Sorocaba, em abril, no primeiro jogo da decisão da Série A2. O jogo de volta foi 2 a 2. A base do time campeão será mantida. Entre os reforços já contratados destacam-se o goleiro João Paulo, do União São João, os alas Saulo (CRB) e Djalminha (Brasiliense), o zagueiro Marcelo (Barcelona B), os volantes Goiano (Ituano) e Leandro Matera (Joinville), o atacante Daniel (Bragantino) e o meia Guim (Juventus). Muitos, como João Paulo, encaram como uma oportunidade. "Uma equipe nova chama a atenção." Para a comissão técnica foram trazidos o treinador Márcio Rossini, ex-zagueiro do Santos, e Jorge Antonio Putinatti, o Jorginho, ex-atacante do Palmeiras. No jogo contra o Santos, o presidente Guerra vai estar na cabine de imprensa, narrando os lances para três rádios da região. Os amigos dizem que ele costuma ser parcial. "Grita feito louco em gol nosso e fica quase mudo quando o adversário marca", afirma o escriturário José Ferreira, de 31 anos.
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